VOLTAR

DISCURSO PROFERIDO EM PLENÁRIO DIA 27 DE JANEIRO DE 2004

Senado Federal-Brasília-DF
27 de Jan de 2004

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, temos lido na imprensa nacional a respeito dos conflitos entre índios e não-índios no Mato Grosso do Sul, em Roraima e em outros Estados. Esses problemas precisam e devem ser encarados com muita seriedade e administrados também pelo Congresso Nacional, especificamente pelo Senado.

O Senado já criou uma comissão que vai aos Estados de Roraima e de Mato Grosso do Sul para levantar todos os dados sobre o assunto e, com isso, apresentar um relatório capaz de conduzir a soluções consensuais e pacíficas. Assim, evita-se o que vem ocorrendo até agora, em que apenas o Poder Executivo conduz esse processo, propiciando que aumentem os conflitos e que as soluções terminem por serem buscadas no âmbito do Poder Judiciário.

Apresentei uma proposta de emenda constitucional, que já foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que passou por cinco sessões de discussões e que está pronta para ser votada em primeiro turno, mas que foi reencaminhada à CCJ para reexame. O objetivo dessa emenda constitucional é trazer para o âmbito das competências privativas do Senado o exame das terras indígenas, das terras de reservas ambientais, de forma que, apreciado o assunto sob o aspecto federativo, possa haver soluções que não impliquem, como se dá hoje, uma verdadeira agressão à Federação por parte do Poder Executivo.

Sr. Presidente, recentemente esteve em Roraima o Grupo de Trabalho Interministerial, criado pelo Presidente da República, para levantar todos os dados referentes não só à questão indígena, como também às outras terras da União no Estado, que juntas correspondem a 88% da área do meu Estado.

Espero que esse Grupo de Trabalho, embora tenha recebido algumas críticas pela forma como atuou em Roraima, possa levar ao Presidente opções, para que Sua Excelência encontre a melhor solução para o caso de Roraima. Espero também que os casos de Mato Grosso do Sul e de outros Estados que têm conflitos permanentes possam ser solucionados.

Chamo a atenção para o fato de que o Senado precisa realmente ser responsável por essa questão, porque, afinal, representamos os Estados e não podemos assistir passiva e pacificamente a União, por meio de portarias da Funai e do Ibama e de decretos do Presidente da República, confiscar terras dos Estados, que ficam sem ter como reagir.

No caso de Roraima, esperamos que a solução seja consensual, para se evitar, inclusive, uma ação judicial. Contudo, estamos nos preparando para tanto, já que não podemos aceitar que apenas um grupo monopolize o que considera ser a verdade e imponha, por meio da Funai, essas imensas reservas indígenas, o que está criando problemas em todos os Estados.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Aproveito a oportunidade para informar a V. Exª e a todos os Senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que os Ministros da Justiça e da Defesa, Márcio Thomaz Bastos e José Viegas, respectivamente, aceitaram o convite formulado, inclusive por iniciativa de V. Exª, para comparecerem à nossa Comissão, às 10 horas da próxima quinta-feira, para debatermos as diversas iniciativas para solucionar o problema das áreas em conflito, seja com índios, seja com outros segmentos. Como V. Exª foi um dos autores do requerimento, informo-lhe que ambos os Ministros virão ao Senado. Informei ainda ao Ministro da Justiça que também será bem-vindo, acompanhando S. Exª, o Presidente da Funai. Era essa a informação que julguei importante trazer a V. Exª. Aproveito para convidar todos os membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional para a reunião de quinta-feira, às 10 horas. Obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Eduardo Suplicy, e louvo sua iniciativa como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional de ter levado o problema para nossa reflexão. Como V. Exª bem disse, a Comissão aprovou requerimento de minha autoria, convidando os dois Ministros, nessa primeira fase, e depois os Governadores de Roraima e do Mato Grosso do Sul, a fim de que realmente formemos um juízo capaz de propor soluções definitivas.

No caso de Mato Grosso e de Roraima, estaremos resolvendo situações emergenciais, que já se vêm arrastando há muito tempo - no caso de Roraima, há três décadas pelo menos -, chegando-se ao ponto em que hoje o conflito, Senador Eduardo Suplicy, já não é mais entre índios e não-índios, mas entre índios de etnias diversas, que defendem formas de demarcação diferentes.

A propósito, passo a ler um documento enviado por três entidades indígenas ao Ministro da Justiça, vazado nos seguintes termos:

Os índios abaixo-assinados, na condição de Presidentes das Organizações Indígenas de Base, SODIURR, ALIDCIR E ARIKON, com sede e foro no Estado de Roraima, e que representam uma significativa maioria da população indígena do Estado de Roraima, vêm mui respeitosamente ante V. Exª para apresentar uma proposta reivindicatória no sentido de sugerir uma demarcação justa para as áreas indígenas Raposa Serra do Sol.

1.

Que seja agendado por V. Exª, na forma da lei, uma audiência para receber essas representações, possibilitando a elas uma manifestação formal no sentido de esclarecer fatos que constam do procedimento administrativo, onde se discute a demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol, abrindo margem para que possam apontar os vícios que o processo demarcatório contém.

2.

Que desejam adiantar que não concordam com a demarcação de forma contínua das referidas terras, segundo o que foi apregoado por V. Exª na grande imprensa e que tomou todos de surpresa, pois, além de não representar a verdade fática a respeito da posse memorial, exigência constante da Constituição Federal, portanto injusta, se converteria num verdadeiro caos as comunidades que hoje estão encravadas nas referidas terras, cuja preservação é vital para a sobrevivência das etnias indígenas, eis que necessitam das cidades para a comercialização do que produzem. (...)

Esses Municípios somente sobreviverão se contarem com incremento econômico representado pela produção agrícola que dali é retirada pelos não-índios e que ali estão estabelecidos, cujas lavouras deverão ser preservadas.

3.

Que é desejo que a audiência se efetive em Boa Vista, com a presença imediata de V.Exª, acompanhado pelos membros integrantes da Comissão interministerial, formada para solucionar a questão fundiária que hoje assola o Estado de Roraima, justamente para resolver definitivamente a grave questão que envolve a demarcação de terras indígenas, com a escuta de todas as partes interessadas, justamente para que Vossa Excelência e a Comissão criada possam formar o necessário juízo a respeito dos fatos, através de um canal direto, sem intermediários e que sempre deturparam a verdade.

4.

Que, enquanto o presente pedido não for atendido, ou mesmo a almejada audiência não for agendada, os indígenas permanecerão mobilizados juntamente com a integralidade da cidadania roraimense.

Esse documento data do dia 7 de janeiro e é assinado por Silvestre Leocárdio da Silva, Presidente da Sodiur; Anizio Pedrosa Lima, Presidente da Alidcir; e Gilberto Macuxi Pereira Lima, Presidente da Arikon.

Sr. Presidente, o problema da Raposa Serra do Sol, em Roraima, não é mais uma questão limitada ao simples conflito entre índios e não-índios. Já é um conflito entre índios de diferentes etnias, que representam a maioria. Tanto é verdade que eles querem que, em caso de se decidir pela homologação da reserva, seja feito um plebiscito entre os índios ali residentes para que seja conhecido o desejo da maioria, e não apenas imposto o desejo de uma minoria.

O Juiz Federal de Roraima Helder Girão Barreto recebeu uma ação popular movida por advogados de Roraima e nomeou uma comissão interdisciplinar para realizar uma perícia técnica no laudo antropológico e nos procedimentos que levaram à demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Sabemos que existem inúmeros vícios nos procedimentos e nas informações que muito prejudicam a área demarcada.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Ouço, com muito prazer, V. Exª, Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Senador Mozarildo Cavalcanti, é uma coisa clara no nosso Estado que a região Raposa Serra do Sol - nome inventado há 30 anos, porque a distância da Serra do Sol à Maloca do Raposa é de 150 a 250 quilômetros - é habitada por cinco povos diferentes, com hábitos e línguas diferentes. Para retirar os pequenos agricultores das cidades, dos Municípios e das áreas de produção, o Governo terá de pagar uma indenização e reassentá-los. Reafirmo que em meu Estado mais de mil e duzentos, quase dois mil, pequenos agricultores foram retirados de suas propriedades rurais em governos anteriores e não foram reassentados. Em meu Estado, não houve sequer um reassentamento e as indenizações pagas foram irrisórias. A avaliação do bem ocorre quando da saída da propriedade. Cinco, dez anos depois, é feita nova reavaliação. Há o caso de um pequeno produtor de Normandia que recebeu de indenização R$ 3.000,00 o ano passado, depois de quase 20 anos. Quer dizer, é brincadeira, é falta de respeito. Espero que o Presidente Lula não vá produzir sem-terras, nem ampliar o número de pessoas pobres no entorno da cidade de Boa Vista. Os bens dos agricultores, aqueles a que chamam de fazendeiros, que estão na área Raposa Serra do Sol não valem R$ 10 mil - sua casa, tudo. Então, com os R$ 7 mil que irão receber, não conseguirão sequer comprar uma casa na periferia de Boa Vista. Começa por aí. Além desse fato, os 10 mil hectares de arroz cultivados - na realidade, são cultivados quase 20 mil hectares, porque são duas, até três, as safras em algumas área de Roraima - terão de ter indenização de lucro cessante. Tomei conhecimento de um cálculo superficial de R$ 200 milhões, R$ 300 milhões. Se for esse o valor, daria para investir R$ 20 mil em cada cidadão indígena em Roraima. Quer dizer, a metade ou um terço do dinheiro que será usado para indenizar as pessoas que estão trabalhando, produzindo riqueza e alimento no meu Estado, melhoraria a vida de todos os indígenas, porque nunca foi investido sequer R$ 1 mil por ano, a não ser para a saúde do indígena, para a qual é destinada uma quantia maior, mas, mesmo assim, está havendo uma gestão não muito eficiente das ONGs que administram o dinheiro. Essas organizações gastam mais de 60% só com a administração. Ano passado, dos R$ 24 milhões destinados ao Estado, só 40% chegaram aos indígenas. Duas organizações receberam R$ 24 milhões para cuidar da saúde básica dos indígenas, e apenas R$12 ou R$13 milhões para cuidar da saúde de todo o Estado, de seus 310 mil habitantes. Em nosso Estado, são 30 mil indígenas e 310 mil não-indígenas. Então, gostaria de deixar bem claro que, a ser promulgado de acordo com o que quer a Funai, o Presidente Lula criará sem-terra e sem-casa em meu Estado. Será a primeira criação de sem-terra e sem-casa, fora a ampliação da região da reserva dos wai wai, no sul do meu Estado, onde foram retirados lotes de vários produtores rurais, assentados pelo Incra há alguns anos. Quer dizer, pessoas são assentadas, muitas até morrem de malária, lutam e, quando se fixam na terra, resolve-se ampliar a área indígena, com base em critérios antropológicos duvidosos, e retiram-se essas pessoas de suas terras. O meu povo está sofrendo muito. E, agora, indígenas estão ficando contra indígenas. Um conflito interétnico está ocorrendo no meu Estado e, a ser feito dessa forma, o conflito vai se acirrar e haverá derramamento de sangue dos indígenas. Quando a Comissão esteve lá, ficou claro, eles disseram que não aceitariam pacificamente a situação. Os indígenas não querem o mesmo que ocorreu com a Reserva de São Marco, definida em 1996, onde a qualidade de vida de seus habitantes só caiu, pois as ONGs só demarcam a terra e largam o pessoal para trás. Agradeço a oportunidade do aparte, Senador.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço a V. Exª pelo aparte.

Senador, o conflito e o derramamento de sangue já estão acontecendo. Recentemente, por uma desavença, um índio que não queria a demarcação em área contínua terminou matando um outro.

Essa é uma questão de segurança nacional, considerando que essa reserva está na fronteira com a Guiana e com a Venezuela, uma região de contencioso, já que a Venezuela não reconhece o direito da Guiana sobre aquela área, portanto, uma área delicada para a integridade do território nacional. Não se pode pretender esvaziar aquela fronteira. Hoje, inclusive, instituições já questionam até a presença do Exército brasileiro na região.

Portanto, é preciso que o Senado, a partir da audiência com o Ministro da Defesa, com o Ministro da Justiça, da ida da Comissão a Roraima e a Mato Grosso, passe a ser efetivamente pró-ativo nessa questão, produza ações que possam defender a Federação e a integridade do nosso Estado.

Sr. Presidente, peço a V. Exª que o ofício das entidades indígenas, o documento que trata da determinação de perícia pelo juiz lá de Roraima e também um terceiro, Sr. Presidente, publicado no site Alerta em Rede, cujo título é "O que está por trás dos conflitos indígenas", façam parte integrante do meu pronunciamento.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Senador Romeu Tuma, o microfone que V. Exª está utilizando não está funcionando. (Pausa.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Senador Romeu Tuma, faço questão de ouvir V. Exª.

Sr. Presidente, peço a V. Exª que desconte o tempo.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Aqui também temos o mesmo problema. (Pausa.)

O sistema não voltou a funcionar no plenário ainda.

Estamos trabalhando com a técnica para resolver o problema em questão de minutos.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Senador Tuma, ocupe a outra tribuna e faça de lá o aparte, excepcionalmente.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Ouviremos o aparte da tribuna, enquanto a técnica resolve o problema do som no plenário.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Agradeço a V. Exª pela oportunidade de aparteá-lo da tribuna. Faz de conta que V. Exª, Senador Mozarildo, é um Ministro de Estado. Não quero entrar no mérito, Senador, porque V. Exª e o Senador Augusto Botelho conhecem bem a situação que está acontecendo em Mato Grosso e na Região Norte do País. É antiga essa discussão da Raposa do Sol. Conheço-a de perto, sei das angústias que se passam por lá - há mais de cem anos ocupada por produtores. Essa região - o Senador Augusto me explicou outro dia - produz toneladas de arroz, que vão, infelizmente, se perder. Não sei se os índios vão ter a capacidade, e o Governo de apoiá-los, para continuar a produção agrícola que há na região. Mas o que me assustou, Senador - eu até havia me inscrito para falar amanhã - foi o fato de um prefeito de uma cidade de Mato Grosso, com um pistola 380 em cima da mesa, dizer que fazendeiros e índios estão se armando, trocando armas por produtos agrícolas. Isso é preocupante. O que queremos é que o Ministro da Justiça aja agora. Não adianta vir para a audiência sem antes tomar uma decisão sobre essa situação, que é aflitiva. Fiquei assustado, Senador. Como ex-Diretor da Polícia Federal, teria me deslocado para a região, porque se um prefeito despacha com uma pistola 380 em cima da mesa, com medo de uma ação mais violenta na cidade, e diz que vai haver morte, não se pode desacreditar num homem desse. Ainda amanhã, se der, vou falar sobre a reestruturação e o reforço do Calha Norte, instalado pelo Presidente José Sarney. Segundo o Ministro da Defesa, deverá ser incrementado um projeto que deverá ajudar para uma solução mais rápida e com um maior reforço das Forças Armadas na região. Não podemos desocupar as fronteiras. É uma ameaça permanente que se deve cuidar. V. Exª está certo. Não tenho nada contra as comunidades indígenas. Penso que devem ser protegidas e respeitadas, mas não podem ficar vivendo no isolamento, com falta de assistência à saúde e tantas outras necessidades que eles têm e que V. Exª e o nobre Senador Augusto Botelho tão bem conhecem. Desculpe pelo aparte ao discurso de V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Eu é que lhe agradeço o aparte. V. Exª, como ex-Diretor-Geral da Polícia Federal, conhece muito bem a Amazônia e os seus problemas, principalmente das suas imensas fronteiras com os países limítrofes. No nosso caso, com a Guiana e com a Venezuela, que estão em litígio por uma porção de terra que faz fronteira com o Brasil.

É importante alertar para essa questão e deixar bem frisado, Sr. Presidente, que a questão, agora, na Raposa Serra do Sol é de discordância entre índios - índios que pertencem a etnias diferentes e que pensam diferente sobre a mesma questão.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.