VOLTAR

'Direito histórico não pode ser sobreposto', diz Alcir Gursen

Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
05 de Dez de 2002

Professor universitário e mestre em Direito Agrário, Alcir Gursen De Miranda entende que a demarcação das reservas indígenas deve ser analisada desde a entrada das primeiras cabeças de gado em Roraima, em 1872.

Para ele, caso não haja segurança quanto às normas jurídicas, será difícil alguém investir no setor produtivo devido à falta de garantia sobre a propriedade. "Se este procedimento continuar, é melhor acabar com o Estado de Roraima".

O professor separa a demarcação das reservas indígenas em dois aspectos: o constitucional e o histórico. Explica que o processo da ocupação portuguesa no atual Estado de Roraima começou em 1872 e se estendeu durante o século XVIII, com as Fazendas Nacionais, e no século XIX, com as fazendas privadas. Era a estratégia para garantir o território em face da pretensão espanhola.

"No século XX, tivemos efetiva noção de ocupação da Amazônia, principalmente com a política de Getúlio Vargas. Nestes dois momentos, houve preocupação com a pecuária. De forma comercial, a agricultura iniciou em Roraima no século XX, com os plantadores de tabaco, na região do Passarão. Outras culturas eram de sobrevivência. O governo central se preocupou em ocupar este território incentivando as pessoas a virem para cá. Estas encontraram índios na Amazônia e alguns, podemos dizer, chegaram junto com os índios", historia Gursen.

Conforme ele, a presença indígena em Roraima deve ser vista a partir de dois troncos básicos: o Aruaque (paravilhanas, wapixana) e o Caribe (caso dos macuxi, ingaricó, que não são nativos desta região). "Eles eram do Caribe e chegaram a Roraima através do rio Rupununi, hoje pertencente a Guiana. Estes são elementos históricos e não antropológicos", destacou.

O professor cita documentos do etnógrafo alemão Theodore Grümber, na pesquisa abrangendo áreas da Venezuela, do Brasil e da Guyana, entre os anos de 1911 e 1913. Fora Theodore Grümber quem registrou a presença macuxi na região do Pirara, que só após 1904 passou à Inglaterra, inclusive afirmando ser aquele o local de convivência dos macuxi.

"Outro fato é que Dom Alcuíno Maier fez relatórios quando veio a Roraima e num dos documentos, datado de 1938, diz que Severino Mineiro já estava onde hoje é o Socó, há mais de 30 anos. Ou seja, antes de 1908, Severino Mineiro estava naquela região. Antes de Dom Alcuíno fazer estes registros, Severino Mineiro foi ao Rio de Janeiro, então capital da República, e recebido pelo presidente Getúlio Vargas, com o apelo para continuar defendendo as fronteiras do país. Havia no Brasil uma política de preservação do índio, desde a época da Coroa".

O professor diz que, enquanto os portugueses estimularam o relacionamento do desbravador do com o índio, os Estados Unidos recusavam o contato e dizimando nativos. Por isso, foi sedimentada na cultura brasileira a concepção da convivência cultural. Na segunda década do século XX, o marechal Cândido Rondon manteve a política de interação.

"De repente surgiu a concepção sociológica equivocada, plantada a partir dos Estados Unidos como forma de dominação dos povos em desenvolvimento com a história conhecida como: politicamente correto. Muitos dos que se julgam inteligentes desconhecem o fundamento desta política, que, em poucas palavras, significa uma estrutura teórica de dominação, evitando a ação cultural própria e definida".

Comenta ainda o professor que na Constituição de 1934 houve a definição das áreas indígenas, além da preocupação com o índio em si, a Carta de 34 assegurava as áreas indígenas. A Constituição de 1988 tem um capítulo garantindo áreas indígenas em quatro níveis: morar, produzir, meio ambiente e cultura. Chama atenção para o fato de que os índios sempre se fixaram em áreas produtivas com fartura de água.

Gursen De Miranda insiste que mesmo sendo direito constitucional, a demarcação de reservas pode ser discutida. Para ele, não se pode sobrepor certas questões históricas sobre a concepção nova de que todo direito é do índio, e o não índio não ter direito, o que seria uma discriminação às avessas.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.