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Diálogo necessário com os índios

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: MEIRA, Márcio Augusto de
19 de Abr de 2007

Diálogo necessário com os índios

Márcio Meira

A nação brasileira tem uma dívida moral, ética e estética com os povos indígenas, que deve ser lembrada especialmente na data de hoje, Dia do Índio.

Da rede de dormir ao "Macunaíma", de Mário de Andrade, passando pela cultura material, toponímia, gastronomia e língua, em quase tudo podemos notar a presença dos ameríndios em nossa vida cotidiana.

Ameaçada até os anos 70, a população indígena voltou a crescer no Brasil e, a partir de 1991, o IBGE os incluiu no censo demográfico, registrando um crescimento de 150% naquela década. Um ritmo quase seis vezes maior do que a média nacional.

Saltaram de 0,2%, em 1991, para 0,4% da população brasileira em 2000, totalizando 734 mil pessoas.

A Constituição de 1988 inovou em relação aos direitos indígenas. Deixa de tratá-los como seres inferiores a serem "integrados" à nação brasileira, reconhecendo-os na sua existência enquanto "diferentes" e reconhece os direitos "originários" sobre suas terras, conforme seus usos, costumes e tradições.

A ratificação pelo Brasil, em 2002, da Convenção 169 da OIT sobre "Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes", e, em 2006, a Convenção da UNESCO sobre a diversidade das expressões culturais, também trouxe avanços importantes aos direitos indígenas no Brasil.

Lideranças tradicionais e o movimento indígena organizado se tornaram atores políticos ativos desde a Constituinte, compondo hoje o cenário mais amplo da sociedade civil brasileira, inclusive com a eleição de vereadores e prefeitos indígenas. Esses elementos revelam passos importantes já consolidados na construção da democracia étnica e cultural brasileira pós 1984.

Entretanto, as comunidades indígenas, muitas vulneráveis inclusive à violação de direitos humanos, estão entre os brasileiros com enormes desafios de inserção diferenciada na agenda de nosso desenvolvimento social. Há muito ainda a se cumprir no que diz respeito aos seus direitos, garantindo-lhes um papel ativo no presente e no futuro do nosso país.
Nesse contexto, vários são os desafios para uma política indigenista:

Reformular o desenho e a massa crítica do órgão indigenista -a Funai- aperfeiçoando-os e adequando-os ao quadro atual das relações democráticas não tutelares entre o Estado e as comunidades indígenas do Brasil; aprimorar a integração e a sinergia das ações do Estado, aumentando a eficiência e eficácia das ações nos territórios; prosseguir na garantia dos direitos ao patrimônio territorial indígena, combinados com a promoção ao etno-desenvolvimento sustentável; promover a educação e a saúde diferenciada de qualidade; progredir no debate das garantias da propriedade intelectual dos índios sobre seus conhecimentos tradicionais, associados ao patrimônio genético e cultural; agendar uma integração solidária com os vizinhos da América do Sul com forte população indígena, inclusive no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônico -OTCA e do Mercosul; garantir o protagonismo e a participação dos índios nas decisões que lhes dizem respeito, instalando a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).

As mais vastas áreas protegidas da Amazônia e do cerrado brasileiro, especialmente na fronteira agrícola, o são graças à presença contemporânea de cerca de 222 povos distintos, falantes de 180 línguas: a maior diversidade lingüística do planeta. Suas terras representam 13% de todo o território brasileiro, 22% na Amazônia Legal.

Muitos empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão previstos para a Amazônia Legal ou outras regiões onde vivem indígenas em suas terras. O debate sobre o aquecimento global robustece a necessidade do diálogo sobre o desenvolvimento com as comunidades indígenas.

Na perspectiva que propõe o presidente Lula de um novo ciclo histórico de desenvolvimento para o Brasil, que combine patamares expressivos de crescimento com inclusão social e reversão das desigualdades regionais, as comunidades indígenas precisam ver garantido seu espaço social e político de interlocução com o Estado e ter assegurado um lugar apropriado no futuro do Brasil.

Márcio Meira, 43, antropólogo, é presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Foi organizador de "Livro das Canoas: Documentos para a História Indígena da Amazônia Colonial" (1994) e autor de "De Marabitanas ao Apaporis - Um Diário de Viagem Inédito no Noroeste Amazonense" (1999) e "Índios e Brancos nas Águas Pretas" (2005), entre outros livros.

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FSP, 19/04/2007, Tendências/Debates, p. A3

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