VOLTAR

Dez dias sem comer e bispo ganha apoio pelo País todo

OESP, Nacional, p. A12
05 de Out de 2005

Dez dias sem comer e bispo ganha apoio pelo País todo
Multidão vai a Cabrobó no aniversário de d. Luís e protesta contra transposição

Angela Lacerda
Enviada especial

Índios, católicos, evangélicos, agricultores, artistas populares e representantes de movimentos sociais de todos os Estados nordestinos se solidarizaram ontem com o bispo Luís Flávio Cappio, no seu aniversário de 59 anos, que ocorre no mesmo dia dedicado ao Rio São Francisco e à veneração de São Francisco de Assis. O franciscano, bispo da Diocese de Barra (BA), está em greve de fome pela revogação do projeto do governo de transposição do rio.
Iniciado há dez dias, o protesto de d. Luís está tendo repercussão em diferentes pontos do País. Ontem foram registradas manifestações de apoio em Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Ilhéus e Guaratinguetá terra natal do religioso.
A BR-428 foi interditada durante uma hora por militantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), nas proximidades de Cabrobó, interior de Pernambuco. No Senado, parlamentares do governo e da oposição ocuparam a tribuna para cobrar uma posição do presidente da República. O governador de Sergipe, João Alves (PFL), e os deputados Fernando Gabeira e José Sarney Filho visitaram o bispo.
Para celebrar o aniversário do bispo e o dia do rio, simpatizantes começaram a se concentrar às 4h30, na praça da Igreja Matriz de Cabrobó. Em procissão, seguiram até a Capela São Sebastião, a quatro quilômetros da cidade, onde o franciscano se instalou, disposto a levar até o fim o seu sacrifício. Numa das faixas da procissão, ele era chamado de "anjo da guarda do Rio São Francisco".
No sitio, o bispo deu entrevista e passou três horas atendendo fiéis que iam pedir sua bênção. Em seguida, celebrou missa, ao lado do presidente da CPT, d. Tomás Balduíno. A Polícia Militar estimou um público de 2,5 mil pessoas.
"Estou aqui porque um ato como este não se vê fácil, ele está se doando aos outros", disse Maria Doralice dos Santos, de 59 anos, que mora em Salgueiro, a 75 quilômetros de Cabrobó. índios das tribos truká, xucuru e tumbalalá expressaram seu apoio dançando o toré.
O Movimento dos Pequenos Agricultores foi além e decidiu aderir à greve de fome. Quatro militantes se ofereceram como voluntários, com intenção de ir "até o limite de cada um".
O governo de Sergipe providenciou os ônibus que levaram mil sergipanos para o ato e a distribuição de 2 mil quentinhas.

D. Paulo pede a religioso que preserve a vida
Solidariedade: O cardeal d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito (aposentado) de São Paulo, se solidarizou com o bispo de Barra, d. Luís Flávio Cappio, mas lhe fez um apelo para que não leve o protesto até a morte. "0 Espírito Santo me disse que você só fosse até o último limite que o médico lhe permitir, porque sua vida é necessária a tantos pobres que nós amamos como você ama", argumentou o cardeal, em carta enviada a d. Luís Flávio.
Segundo d. Paulo, o bispo de Barra lhe telefonou, no domingo, para agradecer o apoio e dizer que iria refletir bastante sobre seu pedido. "Sou uma espécie de padrinho de d. Luís Flávio, pois fui eu quem o ordenou padre em 1971 e, mais tarde, bispo, em 1997."
0 cardeal escreveu também ao presidente Lula, para lhe dizer que apóia a posição do presidente da CNBB, d. Geraldo Majella Agnelo. A direção da CNBB pediu a Lula que reconsidere a decisão política que, "ainda longe de um consenso na região nordestina a respeito da viabilidade e dos resultados sócioambientais da transposição do Rio São Francisco, divide mentes e corações". José Maria Mayrink

Políticos visitam d. Luís Cappio e criticam presidente
COMPLICAÇÃO: Duro, ambíguo, insensível foram adjetivos usados ontem para qualificar o presidente Lula por sua avaliação sobre a greve de fome do frei Luiz Cappio. "Tenho paciência de Jó, mas, se todo mundo que não concordar com algo fizer greve de fome, fica complicado", disse. "A declaração de Lula é um equívoco", reagiu o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). O deputado Sarney Filho (PV-MA) frisou que, se o bispo morrer, Lula terá situação interna e externa muito difícil. Coube ao bispo tranqüilizar Lula sobre sua forma de pressão: "Greve de fome é muito difícil de fazer. Acho que todo mundo não vai fazer greve de fome não."

Presidente reúne ministros e busca saída para impasse
Leonencio Nossa
Tânia Monteiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dedicou boa parte do dia de ontem a buscar uma solução para acabar com a greve de fome do bispo de Barra, Luiz Flávio Cappio, contra a transposição do Rio São Francisco.
De manhã, reuniu-se com ministros para tratar do assunto, entre eles Ciro Gomes (Integração Nacional), responsável pela execução da obra. Depois, no Itamaraty, indagado sobre o estado de saúde do religioso, reagiu: "Pergunta para o bispo."
À pergunta sobre a possibilidade de ir a Cabrobó, Lula sugeriu que a carta de 6 páginas enviada na semana passada é suficiente. "Eu j á mandei uma carta para ele." Assessores avaliam que o envio da carta serviu para envolver o presidente numa questão da qual seria melhor se manter distante, porque agora pode ser responsabilizado caso a saúde do bispo se agrave.
Pouco antes da entrevista no Itamaraty, Lula passou por um constrangimento ao receber no alto da rampa do Planalto o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires. Quando a Guarda Presidencial dava tiros de canhão, 35 representantes de entidades religiosas, ambientais e de direitos humanos faziam ato em favor do bispo na Praça dos Três Poderes. Os manifestantes levaram potes de barro para água e uma imagem de São Francisco de Assis. "O presidente precisa
entender: se acontecer uma tragédia, acabou o governo para o Nordeste% afirmou a irmã Delci Franzen, da Pastoral Social.
Já o arcebispo da Paraíba, d. Aldo Pagotto, soltou nota ressaltando que a atitude de d. Luís é "pessoal e isolada", sem consentimento da CNBB. "Os bispos do Nordeste são, na maioria, a favor da integração das bacias do São Francisco. A Constituição e a democracia garantem a ele o direito de expressão. A mesma Constituição não lhe garante o direito de praticar espécie de eutanásia. Ninguém é senhor da própria vida."
Ante o impasse, o governo decidiu mobilizar suas bancadas na Câmara para aprovar a emenda constitucional que garantirá R$ 300 milhões por ano, durante dez anos, para serem aplicados na revitalização do rio. Além disso, o governo estuda a possibilidade de enviar comissão de autoridades a Barra, para tentar convencer o bispo a suspender a greve de fome.

Carta de Lula superestima investimento na região
Ribamar Oliveira
0 presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu um equívoco em sua carta ao bispo de Barra (BA), d. Luís Flávio Cappio. Lula afirmou, no texto, que "somente o Ministério da Integração Nacional já empenhou, neste ano, R$ 68 milhões para ações de revitalização (do Rio São Francisco)". Um levantamento da Consultoria de Orçamento da Câmara no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostrou que os recursos efetivamente empenhados pela pasta da Integração com esse fim, até 1.o de outubro, foram de R$ 38,27 milhões, de um total autorizado pela lei orçamentária de R$ 68,4 milhões. Ou seja: apenas 56% do total foi empenhado até agora.
0 empenho é a primeira etapa do processo orçamentário e representa a autorização para o gasto. A última etapa é o pagamento do serviço realizado ou da compra. D. Luís Flávio e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) querem dar prioridade à revitalização do São Francisco, em vez da obra de transposição.
A assessoria de imprensa do Ministério da Integração encaminhou ontem uma tabela ao Estado, na qual informa que o total empenhado até agora em todas as obras de revitalização do rio atinge R$ 47,42 milhões. 0 ministério espera que mais
R$ 20,2 milhões sejam empenhados este mês, segundo a assessoria. Com isso, o valor atingiria os R$ 68 milhões informados pelo presidente Lula.
Nos R$ 47,42 milhões informados pela Integração, estão incluídos recursos de outras pastas. É o caso do Desenvolvimento Social, que teria empenhado R$ 7,7 milhões para a construção de 5 mil cisternas às margens do rio. Cerca de R$ 22 milhões teriam sido liberados, segundo a tabela, por meio de convênios com as prefeituras, para obras de saneamento básico.
Dados do Siafi mostram que não foi empenhado um único centavo para o reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas. 0 Orçamento da União deste ano prevê R$ 7,1 milhões para essa finalidade. A explicação do secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, é que não existem mudas de árvores nativas. "Estamos investindo em viveiros."

Vaticano acompanha protesto de Cabrobó
O secretário-geral da CNBB,d. Odílio Pedro Scherer, informou que o Vaticano acompanha a greve de fome do bispo Luís Flávio Cappio, embora ainda não tenha se manifestado publicamente. "Pode ter certeza de que a Santa Sé está informada sobre tudo o que acontece aqui no Brasil", frisou d. Odílio. Por nota, a Comissão Pastoral da Terra apoiou o bispo e atacou a transposição do Rio São Francisco, considerada pela CPT como "uma obra insana".

Experiência
" Quando fiz uma greve de fome por causa do salário mínimo, em 1991, o próprio (presidente Fernando) Collor se sensibilizou e pediu que eu suspendesse o protesto "
Paulo Paim (PT-RS), Senador

MST propõe plebiscito sobre a transposição
O Movimento dos Sem-Terra propôs a realização de um plebiscito sobre a transposição do Rio São Francisco. Em nota, a secretaria nacional do MST sugere que a população decida se a obra deve ser executada, a exemplo do referendo sobre a venda de armas, no próximo dia 23. O MST se solidarizou com d. Luís Flávio Cappio pela "decisão corajosa de entregar a própria vida" para salvar o rio. "Com seu gesto de sacrifício, o bispo espera que o governo desista da transposição, sob o argumento de que o projeto carece de transparência", diz a nota.

No Senado, aliados e oposição cobram Lula
Senadores aliados e de oposição revezaram-se na tribuna do Senado com o mesmo apelo ao presidente Lula: que abra diálogo com d. Luís Flávio e trate primeiro de revitalizar as águas do São Francisco. O senador Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL) atacou: "Nem o comitê da bacia do rio, nem a SBPC ou o Banco Mundial enxergaram finalidade social no projeto." Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) aconselhou: "Temos um bispo oferecendo sua vida em nome de um ideal que considero legítimo."

Em Belo Horizonte, ato de apoio reúne 200 pessoas
Cerca de 200 pessoas, entre religiosos, ambientalistas, estudantes e integrantes de movimentos sociais, participaram de ato em Belo Horizonte de apoio ao religioso. "Revitalização sim; Transposição não; Queremos d. Luís vivo", dizia faixa do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Apesar da solidariedade ao bispo, alguns acham a decisão "radical". Frei Jacir de Freitas Faria, da Ordem dos Franciscanos Menores, alertou: "Senão, vamos criar homens-bomba para todos os fatos."

OESP, 05/10/2005, Nacional, p. A12

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.