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Destruição da floresta aumenta 60 por cento em junho, na comparação com 2018

O Globo, Sociedade, p. 20
02 de Jul de 2019

Destruição da floresta aumenta 60 por cento em junho, na comparação com 2018
Desmatamento cresce 60% na Amazônia
Desmatamento na Amazônia em junho cresce quase 60% em relação ao mesmo período em 2018
Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que acumulado do primeiro semestre de 2019 também supera índices do ano passado

ANA LUCIA AZEVEDO E JOHANNS ELLER*
sociedade@oglobo.com.br
* Estagiário, sob supervisão de Cristina Fibe

Dados atualizados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que o desmatamento na Amazônia aumentou, em junho, quase 60% em comparação ao mesmo período de 2018: a floresta perdeu 762,3km² de mata nativa, contra 488,4km² de junho do ano passado. No acumulado de 2019, a destruição corresponde a uma vez e meia a área da cidade de São Paulo: 2.273,6km². É o pior registro desde 2016. A divulgação dos números do Inpe acontece três dias depois do anúncio do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que tem condicionantes ambientais, e põe em risco as metas do Brasil para o Acordo de Paris. O Ministério do Meio Ambiente não se pronunciou.

O desmatamento na Amazônia aumentou, em junho, quase 60% em relação ao mesmo mês em 2018. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a floresta perdeu, no mês passado, 762,3 km² de mata nativa, o equivalente a duas vezes a área de Belo Horizonte.

No mesmo período, em junho de 2018, o desmatamento havia sido de 488,4 km². No acumulado de 2019, o Brasil viu uma redução de aproximadamente 1,5 vez o território da cidade de São Paulo: 2.273,6 km². Este é o pior registro desde 2016.

Na comparação mês a mês com relação a 2018, os dados estavam estáveis até abril. De abril a maio, o desmatamento deu um salto, de 247,2 km² a 735,8 km² de floresta destruída.

Considerados válidos e comprovados pela comunidade científica nacional e internacional (por poderem ser aferidos de forma independente), os dados do Inpe já foram postos em dúvida em uma ocasião pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O Inpe usa dois sistemas para monitorar o desmatamento. O instituto tem o Prodes, com maior resolução e anual, que oferece um cenário preciso. E o Deter, mensal, que só detecta áreas maiores e não ocultas por nuvens comuns na Amazônia, mas que é considerado uma ferramenta importante para a fiscalização. Os dados divulgados agora são do Deter.

O Inpe usa em suas análises

satélites internacionais qualificados, como, por exemplo, os do sistema Landsat. O ministro propôs análises por uma empresa privada, mas não informou qual nem que sistema de satélites usaria.

Os números levam em conta desmatamentos com solo exposto, com vegetação remanescente e derrubadas resultantes de atividades ligadas à mineração, metodologia adotada e analisada pelo Observatório do Clima.

Na série histórica da plataforma Terra Brasilis, disponibilizada pelo Inpe e iniciada em 2015, os números deste ano até agora só são superados pelos de 2016, que registrou, até junho daquele ano, 3.183 km² de áreas desmatadas, no consolidado do ano. Naquela ocasião, os índices foram os piores desde 2008.

O cenário coloca em risco as metas do Brasil para o Acordo de Paris, assinado em 2015. No documento, o país se compromete a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos até a conclusão desta edição.

Para Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, o quadro mostra que o discurso oficial de "combater a indústria de multas" e contrário à destruição legal de equipamentos de desmatadores acabam por favorecer o desflorestamento.

- Se você diz que vai tirar o governo das costas de quem quer produzir, estamos, na verdade, tirando o governo das costas de quem está cometendo crimes ambientais -avalia Rittl.

'EQUIPES EM CAMPO'

Sobre as críticas de Salles ao monitoramento do Inpe, o ambientalista é taxativo:

-O sistema mensal do Inpe visa a alertar os órgãos ambientais para que vão a campo para acabar com o desmatamento. Ele não detecta o desmatamento em sua totalidade. Esses números mostram uma tendência muito forte, mas não permitem dizer que foi só isso que foi desmatado - explica o secretário-executivo.

O pesquisador do Instituto Socioambiental Antonio Oviedo pontua que a "retomada do desmatamento" teve início no governo de Michel Temer, com a publicação de medidas legais, como a chamada lei da grilagem. No atual governo, segundo o pesquisador, há uma "narrativa" que, entre outras coisas, "desautoriza operações em andamento contra madeira ilegal".

- São sinais que, no campo, se refletem em aumento do desmatamento. Agora temos um setor muito interessado na pilhagem da Amazônia, na conversão da floresta em lavoura e pecuária -afirma Oviedo. Ele explica ainda que essas taxas de desatamento devem aumentar nos próximos meses, pois começará o período seco da Amazônia, em que a atividade de exploração madeireira também se intensifica.

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), assinado na última sexta-feira, tem condicionantes ambientais. Porém, o Fundo Amazônia, iniciativa financiada

pelos governos da Alemanha e da Noruega voltada para a proteção do bioma, está paralisado.

O comitê organizador do fundo não foi renovado no decreto presidencial da última sexta-feira, enquanto o governo negocia um novo formato com os dois países europeus. Boa parte do financiamento do Ibama, por exemplo, deriva atualmente do fundo.

O endurecimento do discurso de lideranças europeias como o presidente da França, Emmanuel Macron, não impedirá que o desmatamento ilegal avance, teme Rittl. Para ele, o bloco europeu "assinou um cheque em branco" em relação

ao aumento da violência contra povos indígenas e do desmatamento. Ainda na opinião de Rittl, o próprio acordo com a União Europeia pode ficar na berlinda se o desmatamento continuar a aumentar:

- Temos no acordo referências a questões de proteção do meio ambiente, como no Acordo de Paris. Tudo isso é bonito no papel. Como traduzir isso em mecanismos? O que vai assegurar que esse país cumprirá? Se o acordo entrar em pleno vigor em dois ou três anos, corremos o risco de perder muita floresta.

"O sistema mensal do Inpe visa a alertar os órgãos ambientais para que vão a campo para acabar com o desmatamento. Ele não detecta o desmatamento em sua totalidade. Esses números mostram uma tendência muito forte, mas não permitem dizer que foi só isso que foi desmatado" _ Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima

Áreas urbanas sentem quando floresta queima

ANA LUCIA AZEVEDO
ala@globo.com

O aumento do desmatamento na Amazônia é uma má notícia para todos os brasileiros, estejam ou não preocupados com o meio ambiente. As árvores tombam no meio da Floresta Amazônica, mas o impacto mexe com o bolso dos habitantes das cidades. A floresta

desaparece na Região Norte, mas é no Sul do país que a chuva gerada por ela fará falta, para beber e plantar. E quando a floresta queima, ardem os pulmões de quem vive no Sudeste. Não se trata de opinião, mas de fatos.

Mais distante do cotidiano dos brasileiros urbanos do que a Lua, no século XXI a Amazônia se tornou bem mais do que símbolo ambiental. Ela está nos acordos comerciais, como o recém-assinado entre o Mercosul e a União Europeia, que tem cláusulas restritivas a produtos provenientes de áreas de desmatamento.

A preocupação do consumidor europeu com o combate ao desmatamento e a consequente preservação da Amazônia -pouco importando se seus países destruíram suas próprias matas no passado -faz diferença no momento em que nossas exportações precisam do dinheiro dele para crescer.

Temos os dados do Inpe para monitorar a floresta. Mas não se iludam os desmatadores que avançam sobretudo sobre as terras públicas, patrimônio construído com o dinheiro do contribuinte, que Deter e Prodes são as únicas ferramentas. Satélites miram onde o dinheiro paga. E no mês passado, por exemplo, foi lançado o Global Forest Watch Pro (GFW Pro), um sistema on-line e em tempo real para avaliar o desmatamento das principais commodities: carne, soja, café, borracha, madeira, óleo de palma, cana-de-açúcar.

Mais de 80 empresas internacionais já aderiram, entre elas a trader de grãos Cargill, além de gigantes como Unilever e Procter & Gamble. Querem saber, por exemplo, se a soja usada para fazer sabonete ou papinha de bebê veio de área desmatada.

Por seu tamanho, a Amazônia brasileira é a maior preocupação. Mas também olham para Colômbia e Peru, onde acelera a destruição da mata. Na Colômbia, foi alavancada após o acordo do governo com as Farc, que liberou terras antes sob domínio da guerrilha, diz o climatologista Carlos Nobre, especialista em Amazônia.

De volta ao Brasil, estudos já mostraram a relação direta entre a seca no Sul da Amazônia e a diminuição das chuvas que permitem a existência das florestas do oeste do Paraná, como as das cataratas do Parque Nacional do Iguaçu e as que protegem a Usina de Itaipu. Essas chuvas são trazidas pelos rios voadores, jatos de ar carregados de umidade que se originam sobre a floresta e atravessam o Brasil, a cerca de 3.000 metros de altitude.

A Amazônia está entre nós. Não é escolha. São as regras do planeta. Quando ela encolhe, também perdemos.

O Globo, 02/07/2019, Sociedade, p. 20

https://oglobo.globo.com/sociedade/desmatamento-na-amazonia-em-junho-cr…

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