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Desnutrição volta a fazer vítimas

CB, Brasil, p. 13
17 de Mar de 2007

Desnutrição volta a fazer vítimas
Sete crianças já morreram este ano, no Mato Grosso do Sul, por alimentação insuficiente. Número de óbitos corresponde à metade do total registrado pelo mesmo motivo em 2006. Dourados lidera estatísticas

Hércules Barros
Da equipe do Correio

A ameaça da desnutrição continua rondando as aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul. Só nos dois primeiros meses deste ano, seis crianças menores de 5 anos já morreram em 26 municípios do estado. O número é quase a metade dos 14 registros feitos em todo o ano de 2006. As estatísticas continuam crescendo, já que este mês, mais um indiozinho morreu da mesma causa.

A situação é mais preocupante na reserva de Dourados, a 220 km de Campo Grande. De acordo com dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), de janeiro e fevereiro deste ano, só nas etnias xavantes e guarani caiovás morreram três crianças em conseqüência de enfraquecimento por falta de nutrição, contra dois casos durante todo o ano passado. Responsável pela atenção à saúde indígena, a Funasa não comenta o aumento no número de mortes e diz que vai aguardar o resultado de um inquérito epidemiológico que investiga os casos de desnutrição na região.

O pediatra Ícaro Camargo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a interrupção na distribuição de cestas básicas no estado contribuiu para agravar a situação. "Com a distribuição de cestas básicas, eles param de plantar e acabam dependentes do benefício", diz. Segundo o pediatra, a influência branca na cultura indígena precisa ser monitorada. "Os Xavante aderem fácil à dependência. Se a distribuição da cestas básicas falha, não comem", afirma.

Em relação à saúde dos índios, Camargo considera necessário reforçar as equipes médicas. "É preciso acompanhamento da atenção primária à saúde", ensina.

Bebê nem foi atendido

Uma criança indígena da etnia xerente de apenas um ano e seis meses morreu na madrugada de quarta-feira em Brasília, antes de receber cuidados médicos. A menina Gelcilene Xerente, da aldeia Traíra, na região de Tocantina, veio de avião de Tocantins com os pais. A suspeita era de desnutrição. A criança não resistiu ao quadro considerado gravíssimo pela equipe médica do Hospital Universitário de Brasília (HuB).

Em nota, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) - responsável pela saúde indígena - esclarece que a criança deu entrada no Hospital Municipal de Miracema (TO), no dia 27 de fevereiro, com um quadro de perda de peso acentuado. Quatro dias depois, a menina foi levada para Gurupi (TO), mas teve que ser transferida com urgência para Brasília em vôo fretado.

Os pais da criança aguardam a liberação do corpo que só deve sair hoje. De acordo com a Funasa, como a criança chegou morta ao HuB, a equipe médica de Brasília não tem como providenciar o atestado de óbito para liberação do corpo. A equipe que havia feito o último atendimento à menina, em Gurupi (TO), chegou a enviar o documento por fax, mas a cópia não tem validade para o registro de óbito.

Há uma semana, a desnutrição aguda matou o índio Rogério Vilhalva, de apenas um ano e dois meses, da etnia guarani-caiová, na reserva de Dourados, no Mato Grosso do Sul. O indiozinho foi internado com um quadro de desnutrição moderada, no dia 6 de março. De acordo com a coordenação local da Funasa, no último sábado, a mãe, a índia Edna Vilalba, 32 anos, teria retirado o menino do Hospital da Missão Indígena, próximo a reserva, sem autorização para alta.

A mulher teria andado com o filho por cerca de 15 quilômetros até a aldeia Jaguapiru, sob sol forte. A criança não teria resistido. O pediatra Zelik Trajber explicou que muitas famílias indígenas dessa reserva não aceitam internações dos filhos, principalmente as etnias cujos integrantes consomem bebidas alcoólicas. Parentes da mãe da criança deram outra versão. Dizem que a índia saiu com o filho do hospital, no domingo, depois de a criança receber alta por falta de medicamento.

Segundo o médico Zelik Trajber, o que agrava o quadro de saúde das crianças são os problemas sociais, como o alcoolismo e o uso de drogas. Para o antropólogo Antônio Brand, a solução para os problemas sociais indígenas em Dourados está na ampliação do território. Na avaliação do especialista , que trabalha com os guarani-caiuás de Mato Grosso do Sul desde 1978, é o confinamento em reserva de índios com hábitos nômades que contribui para os casos de mortes de crianças por desnutrição, alcoolismo, uso de drogas e suicídios. "Fico pensando como a suspensão das cestas básicas em um curto espaço de tempo pode provocar tantos problemas assim", afirmou Brand.

O antropólogo diz que é preciso agilizar a demarcação de terras indígenas. "Está na hora de o governo tomar vergonha e cumprir o que manda a Constituição Federal, que deu prazo de cinco anos para isso", afirma Brand. (HB)

CB, 17/03/2007, Brasil, p. 13

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