O Globo, Opinião do Globo, p. 2
20 de Jun de 2022
Desmonte da Funai agrava drama dos povos indígenas na Amazônia
Editorial
20/06/2022
O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, na Amazônia, expôs a incapacidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) para proteger populações indígenas acossadas por criminosos de todo tipo. Nos últimos anos, ela vem passando por desmonte semelhante ao imposto aos órgãos ambientais. Cortes no orçamento, redução no número de servidores, perda de quadros qualificados e aparelhamento pelo bolsonarismo têm comprometido o trabalho.
O desmantelamento, como mostrou reportagem do GLOBO, vem desde o governo Temer, quando a Funai perdeu quase 40% do orçamento, e se agravou com Jair Bolsonaro. Em três anos e meio, ele jamais demonstrou empenho na defesa dos povos indígenas - costuma se vangloriar de não ter demarcado nenhuma reserva. O próprio Bruno foi exonerado em 2019 do cargo de coordenador-geral para índios isolados e de recente contato, após pressões de ruralistas. Só no último mês, três funcionários em postos de comando deixaram a Funai.
Os atuais servidores são insuficientes para fiscalizar terras indígenas que ocupam ao redor de 1 milhão de quilômetros quadrados. Em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, onde vive 10% da população indígena do país, existem 17 funcionários da Funai. Nos anos 90, eram 86, segundo Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA). A própria Funai reconhece as deficiências ao dizer que fez um pedido de concurso público para 1.043 vagas.
Como ocorre noutras áreas, a Funai deixou de ser uma instituição de Estado para servir aos desígnios do governo. Presidida pelo delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, e cada vez mais militarizada, a fundação está mais alinhada à pauta bolsonarista que às demandas dos povos indígenas. Xavier, indicado pela bancada ruralista, é crítico da demarcação de terras e defensor da exploração econômica nas reservas.
Enquanto a direção da Funai vive num universo paralelo, as comunidades são abandonadas à própria sorte. No ano passado, apenas 5% das despesas foram para assistência aos indígenas, segundo o portal da Transparência. Na pandemia, potencializada pela presença de invasores, o governo só tomou providências após cobrança do Supremo Tribunal Federal. Fustigado por garimpeiros e traficantes, o povo ianomâmi enfrenta uma tragédia humanitária. Lideranças relatam estupro de mulheres, crianças e aliciamento de menores. A malária devasta as aldeias. Imagens de crianças desnutridas e debilitadas pela doença chocaram o Brasil no fim do ano passado.
Alheios a tudo isso, Funai e Ministério da Justiça parecem mais empenhados em bajular o governo. Em março, o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o presidente da Funai, entre outros, foram agraciados com a Medalha do Mérito Indigenista, "como reconhecimento pelos serviços relevantes, em caráter altruístico, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas".
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/desmonte-da-funai-agrava-dr…
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