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Desmatamento 'formiga' ameaça área de proteção e Billings na zona sul de SP

OESP, Metrópole, p. A19; A21
23 de Ago de 2015

Desmatamento 'formiga' ameaça área de proteção e Billings na zona sul de SP
Reserva Bororé-Colônia é alvo de invasões e loteamentos irregulares na capital; pequenas porções de Mata Atlântica são cortadas para construção de moradias

Giovana Girardi - O Estado de S.Paulo

"Um dia aquela região estava cheia de árvores. No outro, havia sido murada. No dia seguinte, já tinham derrubado todas as árvores e, logo depois, já estava tudo construído." O relato da agricultora orgânica Valéria Maria Macoretti, moradora há cerca de oito anos da Área de Proteção Ambiental (APA) Bororé-Colônia, no extremo sul da capital, descreve um repentino loteamento irregular em um antigo sítio no limite da reserva com a área urbana."
É um dos exemplos mais recentes de um processo de invasões, adensamento populacional e pequenos desmatamentos - conhecidos como "efeito formiga" - que já se desenrola há pouco mais de dois anos naquela região e vem afetando, em meio a maior crise hídrica de São Paulo, a capacidade da APA de proteger os mananciais. Localizada a 25 quilômetros do centro, a região fica entre as Represas Billings e Guarapiranga.
Conheça a APA Bororé-Colônia
Documento obtido pelo Estado mostra que técnicos da Secretaria do Verde do município vem fazendo alertas sobre a situação. O relatório, distribuído em reunião do Conselho Gestor da APA no final de julho, lista com imagens uma série de ocorrências e aponta que "nota-se de forma generalizada a construção de novas habitações e a implantação de novos loteamentos de forma clandestina".
O material descreve o "adensamento dos núcleos e loteamentos já existentes, crescendo e avançando sobre as matas vizinhas, bem como a abertura de novos eixos e focos de ocupação." E conclui que esse processo ameaça "a produção de água para milhões de habitantes na Grande São Paulo." O alerta ocorre no momento em que a Câmara Municipal debate o novo projeto de zoneamento da cidade, que prevê a instalação de equipamentos públicos em áreas verdes.
Ao longo da semana retrasada a reportagem apurou por terra e por sobrevoo essas denúncias no local. Observamos novas casas de alvenaria sendo erguidas nos arredores de áreas que já estavam ocupadas antes mesmo da criação da APA, que é de 2006. Barracos avançando sobre locais em que ainda havia floresta. Um córrego canalizado virou espaço para despejo de esgoto. E áreas em que a cobertura vegetal foi toda suprimida, seja com serra elétrica ou com queimadas. Durante o sobrevoo, testemunhamos uma área ainda pegando fogo e invasões incrustadas no meio da mata.
Uma das invasões mais gritantes ocorre sobre a região do antigo aterro Três Corações, desativado por ocasião da criação da APA. Imagens de satélites obtidas pelo Estado mostram que em 2012 a região tinha sido reocupada por uma vegetação. Em 2015 o local estava praticamente todo ocupado por barracos e já algumas casas de alvenaria.
Efeito formiga. Também chama a atenção o movimento conhecido como "bosqueamento", em que algumas árvores são retiradas, mas outras são mantidas, sob as quais são construídos os barracos. Com as copas altas os resguardando, fica mais difícil serem avistados em sobrevoos. Em outros casos, também para dificultar a fiscalização, uma faixa de árvores é mantida ao longo da estrada, mas no interior dos terrenos tudo já foi derrubado. Quem passa rápido de carro acha que a vegetação continua intacta.
Todo esse movimento é grande o bastante para permitir a chegada de novas famílias à região, que aumentam a pressão sobre uma área que já é frágil, mas pequeno para ser visto, por exemplo, por imagens de satélite que ajudam no monitoramento dos remanescentes da Mata Atlântica. O trabalho feito anualmente pela Fundação SOS Mata Atlântica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) só consegue captar a perda de vegetação a partir de 3 ha. "Mas o que está acontecendo lá é o chamado efeito formiga, que vai comendo pelas bordas e dificulta a fiscalização", comenta Márcia Hirota, da SOS Mata Atlântica.
Mesmo sem ter uma estatística do tamanho atual da degradação, Márcia destaca a importância da APA como um dos poucos remanescentes de vegetação nativa em São Paulo. Segundo ela, considerando toda a área da capital, 19,6% é de mata com tamanhos acima de 1 hectare. O Bororé responde por 7,7% desse total (2.294 ha).
Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, entidade que faz parte da Rede de ONGs da Mata Atlântica explica por que isso tudo é um problema. "Por um lado, a floresta regula a quantidade e a qualidade de água da chuva que é absorvida no solo. Vai deixando fluir aos poucos, para alimentar os mananciais. Sem não tem floresta, quando a chuva vem, lava tudo e provoca assoreamento. Já uma ocupação de 40 lotes onde antes havia um sítio ou uma chácara traz uma quantidade muito maior de lixo, esgoto e tudo vai parar na represa", afirma.
Outro problema do desmatamento é que, se não é rapidamente inibido, em pouco tempo a invasão pode ser grande demais para ser retirada do local. Há uma percepção entre os criminosos que, uma vez instalados, já não serão mais retirados dali. Para o poder público, a consolidação das moradias também é vista como dificuldade.
Fiscalização. Segundo apurou o Estado, apesar de a APA sempre ter sofrido pressões - a borda dela na fronteira com o Grajaú é toda urbana -, o quadro de se intensificou nos últimos dois anos. Em reunião do conselho gestor em julho, técnicos da Secretaria do Verde relataram que a fiscalização é praticamente inexistente e que denúncias não são apuradas.
A fiscalização da APA é de responsabilidade conjunta da Prefeitura de São Paulo (por meio da Secretaria do Verde, das subprefeituras da Capela do Socorro e de Parelheiros e da Guarda Civil Metropolitana) e do Governo do Estado (via Secretaria do Meio Ambiente e Polícia Militar Ambiental). Em 2005, cidade e Estado assinaram o convênio Operação Defesa das Águas para a fiscalização integrada de todas as áreas de manancial do município, Bororé incluído. Nas reuniões do conselho gestor, técnicos relatam que desde o ano passado essa atuação conjunta deixou de funcionar. Neste ano o convênio expirou.
A Secretaria de Comunicação da Prefeitura informou, por meio de nota, que no primeiro semestre deste ano foram efetuadas 123 rondas na APA para coibir invasões, construções irregulares e outros crimes ambientais. Afirmou ainda que a ocupação no aterro iniciou-se no final de 2013 em área particular. Diz que o proprietário da área foi notificado e fez Boletim de Ocorrência para iniciar ação judicial de reintegração de posse. "A partir desse ato, finda a competência do Município quanto às questões administrativas. A GCM, no entanto, efetua o monitoramento da área para prevenir degradações ambientais", diz a nota.
A Prefeitura afirma ainda que nas últimas três semanas, em todo o território da APA, ocorreu o desfazimento de 14 edificações irregulares, 370 lotes clandestinos foram demarcados e houve a apreensão de 6 caminhões de materiais de construção.
A Secretaria de Meio Ambiente do Estado relatou a rotina do policiamento.. Disse que em 2014 as equipes da Polícia Ambiental na região lavraram 194 boletins de ocorrência ambiental e 64 autos de infração ambiental, e em 2015, até o momento, 19 autos de infração ambiental e 190 boletins de ocorrência ambiental. Em relação à renovação do Defesa das Águas, disse que "o processo está em andamento dependendo ainda de algumas providências formais junto aos diversos órgãos envolvidos".
*A reportagem foi feita em parceria com Paulina Chamorro, da Rádio Estadão, que organizou o sobrevoo à APA. Escute reportagem complementar ao longo da programação da rádio (FM 92,9) nesta segunda-feira

Soluções passam por manter caráter rural
Área do Bororé-Colônia começou a ser ocupada por quem buscava chácaras, mas pressão por moradia barata mudou cenário

Giovana Girardi - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Na lei que criou a Área de Proteção Ambiental (APA) Bororé-Colônia estão estabelecidos entre seus objetivos: proteger a biodiversidade; preservar os recursos hídricos e os remanescentes de Mata Atlântica; manter o caráter rural da região; e evitar o avanço da ocupação urbana na região preservada. O item "caráter rural" é compreendido, na opinião dos especialistas, como a chave principal para obter o restante.
A categoria de APA é uma das menos restritivas dentro da lei federal que regula as unidades de conservação e prevê a possibilidade de uso sustentável do local. Historicamente, quando a região de Bororé-Colônia começou a ser ocupada, por volta dos anos 1970, foi com a ideia de ter um sítio ou uma chácara que muita gente foi para a região.

Com o passar dos anos, a pressão por moradia barata acabou forjando a maior parte da ocupação em bairros como Grajaú, Parelheiros e Capela do Socorro. O problema é que dali para baixo, em toda a porção sul da capital paulista, o terreno é permeado por nascentes e corpos d'água que abastecem as Represas do Guarapiranga e Billings.
A primeira tentativa de conter o problema surgiu com a lei que definiu a área como sendo de proteção de mananciais, mas ela não barrou a chegada de moradores. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas vivam na região. Nos anos 2000, surgiram as APAs Bororé-Colônia e Capivari-Monos (ainda mais ao sul da capital), mas só no ano passado, com a aprovação do novo Plano Diretor do Município, que retomou o conceito de área rural em São Paulo, é que foram dados os instrumentos para valorizar a vocação de pequena agricultura do Bororé.
"Antes a cidade era dividida somente em área urbana ou parque, mas acreditamos que um gradiente de paisagens é o que mais pode ajudar na proteção, funcionando como um tampão para a transição entre a área urbanizada e os parques, que são mais restritivos e voltados para a conservação. A área rural permite vários usos com impactos mais brandos ao ambiente. Pode ter eucalipto, turismo, clubes", explica Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, entidade que faz parte da Rede de ONGs da Mata Atlântica.
Abandono. O problema, apontam especialistas, é que a adoção do Plano Diretor não está sendo rápida o suficiente para conter a pressão do setor imobiliário. Ricardo Rodrigues de Oliveira, gestor ambiental e morador da APA, afirma que vem observando há cerca de dois anos uma série de ocupações irregulares, invasões e desmatamentos e conta que testemunha, constantemente, a pressão sobre os produtores, que acabam vendendo suas terras.
"Às vezes, é só um casal cuidando da terra. Os filhos foram para a cidade e não querem voltar. Só que aí o casal vai ficando velhinho, um morre e o outro não dá mais conta. Acaba vendendo para a especulação imobiliária", afirma.
Ao visitar a região, é possível constatar pelo menos uma dezena de lotes sendo comercializada. Pela lei, o parcelamento do solo é permitido desde que haja licenciamento ambiental. Em reunião de julho do Conselho Gestor da APA, técnicos apontaram que a maioria dos loteamentos não tinha licenciamento.
Esgoto. A lei também diz que fica vedado o "despejo de efluentes não tratados", mas a reportagem testemunhou um córrego canalizado transformado em depósito de esgoto na região conhecida como Favela do Paraguai, vizinha do Parque Natural Municipal Varginha, delimitado dentro da APA.
É proibido também o "exercício de atividades indutoras ou potencialmente indutoras da ocupação urbana", como "a fabricação e o comércio de materiais de construção". Ao longo de algumas horas circulando dentro da APA na semana retrasada, a reportagem cruzou com pelo menos quatro caminhões com material de construção, além de entulhos despejados irregularmente. Valéria Maria Macoratti, que arrenda um sítio para produção de verduras e legumes orgânicos, disse que a atividade mantém a represa saudável. "No final, o que a gente produz mais aqui na APA não é alimento, mas água. Aqui a gente está salvando a cidade inteira.

OESP, 23/08/2015, Metrópole, p. A19 e A21

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