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Desenvolvimento ou qualidade de vida?

O Globo, Amanhã, p. 23
Autor: GRZYBOWSKI, Cândido
02 de Jul de 2013

Desenvolvimento ou qualidade de vida?
Novas crises mundiais reforçam a convicção de ativistas de que o paradigma capitalista industrial está destruindo a sociedade e a natureza

Cândido Grzybowski / colunista convidado - Sociólogo, diretor do Ibase

Por que as negociações mundiais para mudar de rumo das economias e modos de vida e, assim, tentar evitar o pior em termos de destruição ambiental e injustiça social são um fracasso anunciado, como a Rio + 20? Apesar da profunda crise social e ambiental, na atual estrutura de poder mundial, controlada pelos interesses das grandes corporações econômico-financeiras, pelos países desenvolvidos e pelos chamados emergentes, não existe um real interesse político em mudar o que pode por em risco o próprio "negócio do desenvolvimento". Pior ainda, a prioridade é remodelar o desenvolvimento sob roupagem verde, vendendo isto como desenvolvimento sustentável.
Assim não dá! As múltiplas e combinadas crises, que do coração dos países desenvolvidos hoje se alastram e contaminam o planeta, só reforçam a convicção de ativistas por outro mundo de que o paradigma industrial capitalista, sua tecnologia e sua estrutura de relações econômicas e de poder, com seus padrões de consumo, é o que destrói a sociedade e a natureza. A destruição ambiental e a injustiça social são condição do desenvolvimento deste paradigma civilizatório. A insustentabilidade está no seu DNA tecnológico, econômico, político e cultural.
Dada a realidade de desigualdade social intra e inter povos ao longo da história, a luta por justiça e igualdade tem sido definida, com razão, de "motor da história". Mas, temos que reconhecer, nunca a Humanidade foi tão desigual como no contexto atual da abundância excludente, da riqueza do luxo e lixo, de escandalosas fortunas para poucos que tem como contraponto a violência da miséria e fome para muitos. A luta por justiça e igualdade não pode, hoje, ser contornada. Nunca a humanidade, em todos os quadrantes, teve tão ampla consciência do imperativo da equidade e da ameaça que significam a exclusão social, a pobreza e as diferentes formas de desigualdade e injustiça social.
É no crescimento da economia capitalista que reside a solução do problema, pelo contrário. As formas de crescente desigualdade são decorrência da dominação social intrínseca da civilização capitalista industrial, produtivista e consumista. Civilização do ter e do acumular, ela necessariamente cria excluídos e dominados para que o ter e o acumular nas mãos de poucos aconteça. Para isto, a "máquina" do capitalismo cresce privatizando e mercantilizando, usurpa e cerca os bens comuns, transforma a natureza em fonte de recursos naturais para a sua produção destrutiva, priva enormes contingentes da população de meios de se organizar e viver autônomos, não sobrando outra forma de viver que não a de se submeter à exploração capitalista.
É exatamente aí que a destruição ambiental aparece como o outro lado da questão da injustiça social. Trata-se de uma civilização injusta e predadora. Não produz para satisfazer necessidades humanas de forma equitativa e nem respeita os limites que a integridade da natureza impõe para a sustentabilidade. Não é possível tornar sustentável tal modo de organizar a economia. Aliás, nunca é demais lembrar que o importante é tornar a vida, toda forma de vida, e o próprio planeta sustentáveis. De nenhuma forma é aceitável o desenvolvimento sustentável da destruição capitalista. Submetida como está ao capitalismo, hoje globalizado pelas grandes corporações econômico-financeiras, a Humanidade já consome mais recursos naturais - a nossa pegada ecológica, na boa definição dos ecologistas - do que o planeta Terra suporta.
Ou seja, além da injustiça intra e inter povos, estamos já praticando uma injustiça entre gerações, pois não estamos deixando para futuras gerações a natureza com a capacidade de regulação e regeneração como a encontramos. A destruição ambiental é, ela mesma, socialmente desigual, pois uns grupos e uns povos são mais afetados do que outros, tanto atualmente como considerando as gerações por virem. Ou de outro modo, uns grupos e uns povos são ética e politicamente mais responsáveis do que outros pela injustiça social e destruição ambiental.

O Globo, 02/07/2013, Amanhã, p. 23

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