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Desenvolvimento e preservacao

GM, Admistracao & Servicos, p.C3
Autor: MANTOVANI, Mario
24 de Ago de 2005

Desenvolvimento e preservação
Mario Mantovani
O Brasil não tem uma tradição de investir em turismo na natureza e, quando o faz, as iniciativas revelam-se equivocadas, subjugando e subestimando o potencial de nossas belezas naturais, que continuam sendo degradadas cada vez mais devido à ausência de uma política coerente que combine ao mesmo tempo desenvolvimento e preservação ambiental.
A política desenvolvimentista que norteou e ainda norteia a busca de novas divisas para o País sempre fez questão de ter como referência os padrões turísticos internacionais existentes em localidades como Miami, Bahamas, Punta Del Leste (a multiplicação de resorts e complexos turísticos em todo o Brasil é um exemplo disso; todos os empreendimentos são muito bem equipados do ponto de vista tecnológico, mas pouco ou nada fazem pela conservação da natureza e pela qualidade de vida das populações locais), criando verdadeiras aberrações como alguns projetos do Prodetur no litoral do Nordeste. O eixo Trancoso-Porto Seguro, por exemplo, tem causado sérios danos à natureza, além de gerar conflitos sociais e resultados econômicos questionáveis.
A verdade é que o turista interessado em conhecer a natureza do Brasil, dotada de flora e fauna exuberantes, não procura cultura milenar ou construções seculares (até porque não temos isso do lado de baixo do Equador), mas apenas, e tão somente, o contato com a natureza. Isso porque os nossos atrativos turísticos são incomparáveis, e é a partir deles que devem surgir todas as iniciativas de fomento do desenvolvimento nacional, e não pela implantação de modelos importados e pré-estabelecidos.
A nossa infra-estrutura turística dificilmente será páreo para aquela existente lá fora; em contrapartida as riquezas naturais que ainda existem no Brasil são o nosso diferencial. Enquanto nos países do chamado Primeiro Mundo é preciso construir cenários com montanhas de plástico, aqui nós temos montanhas de verdade; uma única chapada, como as existentes no centro-oeste do País, já basta para desbancar qualquer uma das invenções multi-tecnológicas dos maiores parques temáticos do mundo.
Contudo, enquanto um complexo de entretenimento como o Yellowstone National Park, na costa oeste dos Estados Unidos, recebe mais de 20 milhões de turistas todos os anos, o Brasil inteiro apresenta apenas 6 milhões de visitantes/ano.
Esses dados deixam evidente a completa inversão que vigora na grande maioria das iniciativas desenvolvidas até hoje na área do turismo nacional. As maravilhas naturais são nosso maior patrimônio e ao mesmo tempo constituem um imenso potencial que permanece negligenciado. Dá até a impressão de que aquela famosa frase "O Brasil é o país do futuro" estava justamente fazendo uma alusão ao que o turismo pode fazer pelo Brasil um dia, se os líderes do setor pararem de copiar fórmulas pré-fabricadas no exterior e passarem a olhar com atenção para a verdadeira vocação nacional, implementando as bases para aquela que pode vir a se tornar a maior indústria de turismo do mundo.
Hoje, mais de 90% do turismo brasileiro se concentram em áreas de Mata Atlântica e, no entanto, o bioma continua sendo destruído: resta somente 7% do ecossistema original. Como explicar esse descaso com uma de principais fontes de captação de recursos para o País?
Felizmente, temos a oportunidade de conferir exemplos de como o turismo se consolida enquanto uma ferramenta de conservação. É o caso do Pólo Ecoturístico do Lagamar - reconhecido e premiado pela revista Condé Nast Traveler - implantado na região do Vale do Ribeira (o maior trecho contínuo de Mata Atlântica do Brasil) e se apresenta como um contraponto ao modelo turístico vigente.
O grande diferencial do projeto é a união de operadoras de turismo, restaurantes, hotéis, líderes políticos e comunitários em torno de um objetivo comum: proteger o bioma e melhorar a qualidade de vida da população local por meio da geração de empregos. Este é o grande desafio que se coloca hoje para os projetos de turismo sustentável.
Uma das iniciativas mais recentes e que promete consolidar o debate é o Programa de Certificação em Turismo Sustentável, que já está sendo implantado no Brasil, encampado pela Fundação SOS Mata Atlântica e diversos segmentos ambientais, sociais e econômicos, visando substituir, com credibilidade e eficiência, os mais de 100 selos existentes ao redor do mundo, que acabam confundindo os turistas. A proposta é criar uma normatização que oriente os projetos implantados nessa área, fomentando outras iniciativas como o pioneiro Lagamar.
Há uma nova fase do turismo brasileiro que precisa ser deflagrada de uma vez por todas e o melhor caminho que se apresenta é o da simbiose positiva entre todas as atividades e modalidades do turismo, tendo as riquezas naturais como suas maiores aliadas. Eis o que se pode chamar de verdadeira sustentabilidade.
Mario Mantovani - Mario Mantovani é diretor de mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica

GM, 24/08/2005, p. C3

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