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Descoberta espécie de porco na Amazônia

O Globo, Ciência e Vida, p. 32
15 de Jun de 2004

Descoberta espécie de porco na Amazônia

Ana Lucia Azevedo

A descoberta de uma nova espécie de porco selvagem, muito maior do que as conhecidas no continente, é a mais recente prova da imensa biodiversidade da Amazônia. O porco, chamado de caititu-mundé, foi descoberto pelo primatologista e especialista em biogeografia Marc van Roosmalen, holandês naturalizado brasileiro, há 30 anos trabalhando no Brasil.
Roosmalen é mundialmente famoso por suas descobertas de novas espécies de macacos amazônicos. Em 2000, foi considerado um dos Heróis do Planeta da revista "Time" devido a suas contribuições ao meio ambiente - ele já identificou cinco novas espécies de macacos na Amazônia.
O caititu-mundé é motivo de surpresa por ser muito maior do que as três espécies de porco do mato conhecidas nas Américas do Sul e Central. Ele chega a 1,3 metro de comprimento, cerca de 30 centímetros a mais que outros porcos selvagens brasileiros e mais do que a maior espécie conhecida destes animais, o porco do mato do Chaco, que não existe no Brasil.
- Ele tem pernas longas e é bem mais magro - disse Roosmalen em entrevista por telefone de Manaus, onde mora.
Segundo o cientista, o animal tem hábitos distintos dos demais caititus ou catetos. Diferentemente deles, não anda em bandos, mas em casais, por vezes com filhotes. Também não marca o território com um forte odor característico dos porcos selvagens. Além disso, segundo Roosmalen, tem hábitos semelhantes aos de veados.
- Ele anda silenciosamente pela floresta. Não faz barulho porque é uma presa dos felinos, como a onça - explica Roosmalen, cuja descoberta será tema de um especial do canal alemão NDR e da revista européia "Geo" que vai ao ar amanhã na Europa. No fim do ano, o trabalho será apresentado por um programa da National Geographic em vários países.
Roosmalen filmou o animal na floresta às margens do Rio Aripuanã, no Amazonas, uma das regiões que, de acordo com ele, tem uma das maiores taxas de biodiversidade da Amazônia. O pesquisador diz que, além do porco selvagem, a região abriga espécies novas de macacos, boto, peixe-boi e anta, esta última uma possível espécie anã.
- Trata-se de uma região pouco estudada. Mas, na verdade, toda a área entre os rios Madeira e Tapajós, na qual está compreendido o Rio Aripuanã, é um verdadeiro paraíso ecológico, com espécies únicas no mundo - afirma o cientista, que atribui seu talento para descobrir espécies à determinação de passar longas temporadas enfurnado na floresta e às informações de índios e caboclos. - Esse porco é novo para a ciência. Para os caboclos, porém, é um velho conhecido, usado como caça. Precisamos valorizar sempre informações dos habitantes da floresta.
Ele agora está à procura de um laboratório brasileiro para fazer uma análise de DNA do porco amazônico. Esse procedimento é importante para caracterizar o animal. Roosmalen, cujas pesquisas já lhe causaram problemas com autoridades ambientais brasileiras que o acusaram de retirar animais de seu habitat natural, afirma que só uma pequena parcela da biodiversidade brasileira foi descoberta.
Fama pelo trabalho com macacos
Marc van Roosmalen é reconhecido como um dos maiores primatologistas do mundo. Em 2000, ele foi considerado um dos Heróis do Planeta pela revista "Time" por suas pesquisas, principalmente com macacos. Descobrir espécies de mamíferos já é difícil, mas identificar primatas é um feito considerável porque eles estão entre os animais mais estudados.
Nos últimos anos, ele foi acusado de coletar ilegalmente animais, acusação da qual se defende dizendo que jamais trabalhou sem autorização.
Paraíso ecológico
O pedaço da Amazônia entre os rios Madeira e Tapajós é considerado por Marc van Roosmalen um santuário e, talvez, um dos lugares de maior biodiversidade do mundo. Ele diz que os dois grandes rios isolaram as florestas e deixaram seus animais ilhados. Tal isolamento, ao longo de milhares de anos, teria acabado por levar à diferenciação de espécies e, por fim, ao surgimento de espécies novas.
- Animais como macacos e caititu-mundé não têm como atravessar esses rios. Além do grande volume de água, eles abrigam jacarés-açus que atacam qualquer animal que se aventure nessas águas. Acredito que esse isolamento ajudou a promover tamanha diversidade biológica - afirma o pesquisador.
Outra razão seria o mosaico de tipos de água. Há rios de águas claras, escuras e brancas, oferecendo uma gama imensa de habitats e oferta de nutrientes.

O Globo, 15/06/2006, p. 32

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