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Descaso que compromete a vida

CB, Brasil, p. 14
02 de Jul de 2006

Descaso que compromete a vida
MP vai acionar criminalmente prefeitos em 14 estados e no DF por não tratarem os resíduos urbanos como prevê a legislação. Pelo menos 602 mil moradores correm risco de contaminação por causa dos "lixões"

Hércules Barros

O lixo produzido nos municípios brasileiros se transformou no tumor do meio ambiente. Solo, ar, lençol freático, fauna e flora sofrem a ação direta de tudo que as cidades jogam fora. No Brasil ideal, qualquer dejeto deveria ter como destino final os aterros sanitários onde passaria por armazenamento seguro e reciclagem. Mas, no Brasil real, predominam os lixões a céu aberto e, na maioria das vezes, os depósitos de resíduos são um grande buraco onde vai parar tudo o que não presta mais.
A conclusão é de levantamento da Procuradoria Regional da República (PPR) 1ª Região, que começou a acionar, criminalmente, prefeitos em 14 estados por crimes ambientais em conseqüência de depósito de resíduos e lixões irregulares.
Até o momento, 28 municípios e o Distrito Federal estão na mira da Polícia Federal, 24 deles por solos potencialmente contaminados. Nestes locais, a população está sob risco de exposição. Cerca de 161 unidades de conservação federais e nove regiões hidrográficas, com inúmeros rios federais, estão na área sob risco.
Em atividade há 30 anos, o lixão da Estrutural, no Distrito Federal, está entre as áreas denunciadas. "A sobrevida do lixão superou a capacidade prevista para o fim do ano passado", confirma o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no DF, Francisco Palhares. De acordo com Palhares, o lixão da Estrutural compromete os recursos hídricos no DF e a saúde dos catadores que trabalham no local, além de afetar a fauna e a flora do Parque Nacional de Brasília.
O levantamento por amostragem nos 2.546 municípios dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima, Tocantins e no Distrito Federal trouxe dados preocupantes. O mapeamento das áreas poluídas por aterro foi feito a partir de dados fornecidos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A contaminação se dá, principalmente, por chorume - líquido preto e viscoso resultante do armazenamento de matéria orgânica nos lixões; e pelo metano - gás 30% mais poluente que o monóxido de carbono. "O que se chama de aterro no Brasil não passa de lixão cosmeticamente maquiado. O controle é só fachada", afirma procurador regional da República Alexandre Camanho. A investigação sobre os lixões brasileiros começou há dois anos, quando Camanho requisitou à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde levantamento da situação das áreas de depósito de resíduos nos estados sob responsabilidade da PRR da 1ª Região.
Orçamento
Os resultados foram entregues à Procuradoria no final de 2005. Uma primeira análise do material identificou a existência de 32 áreas de depósitos de resíduos urbanos e industriais com risco de contaminação para um total de 602.460 habitantes.
Camanho argumenta que "a União tem convênios com municípios para destinar verbas federais para a aplicação em projetos municipais de saneamento básico, relativos a tratamento de água, coleta de lixo, tratamento de esgoto e drenagem, cuja a malversação constitui crime".
No rol das investigações estão diversos programas federais de saneamento no período entre 1999 e 2005. Os repasse de recursos são do Orçamento Geral da União (OGU) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O dinheiro foi destinado para a erradicação de lixões e para o serviço de coleta e tratamento de resíduos sólidos. "O licenciamento e a fiscalização das áreas de depósitos de resíduos urbanos e industriais (lixões) são da competência de prefeituras municipais, como prevê a Constituição", diz Camanho.
O presidente da Federação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, concorda com a cobrança do Ministério Público aos prefeitos, mas atribui a ausência de política municipal de saneamento aos percalços burocráticos da máquina administrativa. "O poder público em Brasília gera um monstrengo de leis que não comporta a aplicabilidade. Vem o Ministério Público querer cumprir as leis sem saber da realidade dos municípios", argumenta.
Números
Ziulkoski reclama que a cooperação entre os entes federados existe só no papel. "Até junho, nenhum projeto de captação de recursos do Orçamento e do FGTS para destinação adequada de resíduos sólidos este ano foi liberado", diz. Mas não é o que consta no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
No Orçamento da União deste ano consta que foram repassados para ações de saneamento mais de R$ 212 milhões aos estados e municípios. Do início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, até junho deste ano, o montante chega a R$ 1,3 bilhão. Mas o valor dos quase quatro anos de governo Lula é quase o mesmo aplicado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso só nos dois últimos anos de mandato (2001-2002), R$ 1,05 bilhão.
O ministro das Cidades, Márcio Fortes, acredita que a aprovação do marco regulatório do saneamento reduzirá os problemas ambientais dos aterros no Brasil. O projeto de lei que cria a Política de Saneamento Básico pretende universalizar os serviços de água, esgoto e coleta de lixo. Mas Congresso Nacional e o Executivo não se entendem sobre a matéria. "É preciso construir consenso. Estamos discutindo com os consultores legislativos o que sai e o que entra", minimiza Fortes.
Durante o mês de junho, o ministro se reuniu com integrantes da Comissão Mista de Saneamento para discutir alternativas. O relator do projeto, deputado Júlio Lopes (PP - RJ), tem participado dos encontros no Ministério das Cidades e está otimista. "O governo está mais flexível em relação aos pontos de divergência e deve participar da elaboração de um substitutivo integral", diz. Para viabilizar o marco regulatório do saneamento seria necessário R$ 200 bilhões. O valor representa mais de 35% de um ano de inteiro de arrecadação da União, dos estados e dos municípios.

Aterros viram problema

Os aterros de lixo desativados por excesso de uso na cidade de São Paulo geram gastos ao município e comprometem a saúde da população. A conclusão é de estudo da Universidade de São Paulo (USP) que apontou riscos em cinco áreas fora de operação há mais de 20 anos. Os dados sobre os lixões paulistas foram extraídos do Departamento de Limpeza Urbana (Limpurb).
Lixões poluidores do meio ambiente não são uma exclusividade de São Paulo. A Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA) estima que menos da metade dos resíduos produzidos no Brasil tem destinação adequada. Cidades, fábricas e meio rural não se preocupam com a disposição dos resíduos que produzem.
De acordo com a estratificação regional feita pelo MMA, o ranking dos "sujões" apresenta a seguinte configuração: Norte (87%), Nordeste (63%), Sudeste (58%), Centro-Oeste (56%) e Sul (44%). Embora o Norte leve a má fama, a gerente da Gestão Ambiental e Urbana da Secretaria, Silvia Astolpho, destaca a necessidade de levar em conta a densidade demográfica de cada região. "Além disso, as regiões Norte e Nordeste não têm técnica, profissionais nem acesso a projetos competentes", pondera.
Chorume
De acordo com o geógrafo Otávio Cabrera de Léo, responsável pelo estudo da USP, o aterros paulista mais preocupante é o da Vila Albertina, na Zona Norte da capital. Na Zona Leste, o aterro Sapopemba já causou muita degradação depois de suas atividades encerradas. "Essas áreas ainda produzem chorume e metano em grau preocupante, devido ao volume de lixo armazenado", afirma.
O da Vila Albertina operou entre 1977 e 1993. Recebeu cerca de 9,2 milhões de toneladas dejetos, com vazão de chorume em torno de 1,5 litro por segundo. O de Sapopemba operou entre 1979 e 1984. Recebeu cerca de 2,72 milhões de toneladas de lixo, com vazão de um litro por segundo de chorume.
Os outros três aterros desativados que preocupam os ambientalistas são o de Jacuí, que funcionou entre março de 1981 e 1988; o de São Mateus (1984-1986); e o de Santo Amaro (1976-1995). Este último recebeu 16,21 milhões de toneladas de dejetos e apresentava vazão de chorume, em 2002, de 3,5 litros por segundo.
A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo de São Paulo, e o Departamento de Limpeza Urbana (Limpurb) são, respectivamente, os órgãos do estado e do município responsáveis pelo licenciamento e pela contratação dos serviços de limpeza pública. Cabe à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) o monitoramento das áreas desativadas e potencialmente poluidoras.

CB, 02/07/2006, Brasil, p. 14

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