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Desafio florestal

Valor Econômico, Caderno Especial, p. F1
21 de Ago de 2014

Desafio florestal

Por Eduardo Belo
Para o Valor, de São Paulo

A Amazônia precisa enriquecer para se manter em pé. O grande desafio na região é conjugar crescimento econômico, desenvolvimento social e preservação a partir de modelos de que permitam gerar riqueza e distribuir renda. Especialistas consultados pelo Valor acreditam que tudo isso precisa estar em sintonia com a realidade atual. É necessário aproveitar as áreas já desmatadas, desenvolver uma economia da floresta e promover a compensação financeira por serviços ambientais. Essa visão é compartilhada em maior ou menor grau por entidades como Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
"A sociedade brasileira tem a oportunidade única de fazer a prosperidade econômica na região utilizando de maneira mais adequada e mais eficiente as áreas já desmatadas, um pouco mais de 15 milhões de hectares", defende Paulo Moutinho, diretor geral do Ipam. Essas áreas, diz, poderiam ser incorporadas a "uma agricultura mais intensiva, mais moderna e sustentável" e ainda restariam 80% da floresta com cobertura de grande extensão. Essa reserva é fundamental para o clima e a distribuição de chuvas em todo o país. "Nós temos a terra para produzir e o regador na mão, que é a floresta."
A Amazônia desmatada representa 19% do território total, diz Beto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon. Ela poderia tornar-se produtiva com práticas simples, melhorando a agricultura e a pecuária. Para isso, seria preciso dificultar o desmatamento de novas áreas, para que a produção na terra já desmatada torne-se atrativa.
Também é preciso uma solução para regiões de extrativismo vegetal. "São florestas já impactadas, com pátios para manejo de madeira e pequenas estradas para escoamento da produção. Algumas áreas são manejadas corretamente, mas têm uma parcela de corte ilegal", diz Veríssimo.
Nessas áreas também ocorre exploração de castanha, óleos, açaí e pesca. A estratégia para tais regiões seria melhorar o valor agregado dos produtos da floresta. "A madeira gera no mínimo R$ 4 bilhões por ano e parte é ilegal. Existem 1.500 espécies de árvores na região, mas menos de 30 são conhecidas. É preciso pesquisa, ciência e tecnologia para desenvolver o potencial de manejo e de utilização de recursos de forma racional." Segundo o pesquisador, é possível explorar as áreas de forma sustentável. O papel de investir é do setor privado, mas o governo tem da agir como fomentador, diz.
Para os especialistas, a abordagem precisa incluir outros modelos econômicos já existentes ou de grande potencial de desenvolvimento. Um deles é a atividade no Polo Industrial de Manaus. A concessão da Zona Franca foi prorrogada até 2073 e isso é importante, porque consolida "um modelo benigno para a proteção da floresta, porque concentra a atividade econômica ao redor de Manaus", afirma Virgílio Viana, superintendente geral da FAZ. Ele é partidário da tese de que a Zona Franca concentra 80% do PIB do Amazonas na capital, em apenas 2% da área, mantendo intacta mais de 90% a cobertura vegetal.
A tese tem opositores. Tradicionalmente, o desmatamento ocorre pelas bordas da floresta, argumenta Veríssimo. O Amazonas ocupa uma posição central na floresta e somente agora o desmatamento chegou ao sul do Estado, diz. Então, não está comprovado que o modelo da Zona Franca seja uma vacina antidesmatamento.
A interiorização do desenvolvimento sem um modelo sustentável traz risco para a floresta, pondera Augusto Rocha, professor da Universidade Federal do Amazonas. Para evitar que isso ocorra é preciso cidades com infraestrutura de transporte e energia, capazes de produzir bens a partir de recursos naturais locais. "Sem infraestrutura, com dificuldade para processos produtivos inovadores e pouco insumo local, a chance de preservação é pequena."
Como já existe, a Zona Franca tem de fazer parte da estratégia de desenvolvimento. Uma das possibilidades é reduzir o peso da montagem de eletrônicos, feita basicamente com insumos importados, para dar lugar a uma produção mais afinada com as vocações locais, propõe Viana. "A Zona Franca do futuro deverá ter polos de biocosméticos, biofármacos, madeira, móveis e nutricêuticos - alimentos de alto valor nutricional -, como o açaí."
A farmacêutica Novamed, controlada pelo grupo da produtora de genéricos EMS, por exemplo, está concluindo uma fábrica com investimento de R$ 385 milhões em Manaus. A unidade começa a funcionar ainda este ano, para produzir comprimidos e cápsulas, segundo a empresa. A empresa pretende, no futuro, desenvolver capacitação de pessoal e pesquisa para desenvolvimento de conteúdo local. Com geração de 500 empregos diretos e 2 mil indiretos, poderá produzir 1,5 bilhão de comprimidos por mês.
É importante distribuir a atividade econômica e a prosperidade social para tornar as condições de vida mais equilibradas em relação ao restante do país. Isso só poderá ser feito "ouvindo as pessoas, construindo propostas coletivas, buscando explicitar conflitos, promovendo inclusão social que signifique também uma inclusão política", pondera Daniela Gomes, especialista da GVCES, o centro de estudos em sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas. "Ou seja, a população daquele território precisa trazer seu posicionamento, ser efetivamente protagonista de seu destino."
Um dos desafios é melhorar os indicadores de qualidade de vida. Somente os Estados de Mato Grosso, Rondônia, Amazonas, Roraima e Amapá estão próximos ou dentro da média brasileira de 0,774 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Pará, Acre, Tocantins e Maranhão têm IDH abaixo de 0,7. No IDH, quanto mais próximo de 1, maior o grau de desenvolvimento. As carências vão ficar ainda mais claras a partir do próximo dia 26, quando o Imazon lança seu Relatório de Déficit Social da Amazônia.
"O novo IDH municipal, lançado em 2013, traz uma alteração metodológica importante de se entender, para se pensar em políticas públicas", afirma Daniela. Para ela, as características do indicador forçarão a manutenção das crianças na escola. "É fundamental que, para melhorar o IDH dos municípios amazônicos, haja atenção à qualidade do ensino."
Programas voltados para a preservação também podem contribuir. É o caso, por exemplo, do programa ICMS Verde do governo do Pará. Embora já exista em outros Estados, o modelo paraense prevê repasses maiores para os municípios que tiverem redução de desmatamento, que cumprirem metas ambientais, entre outros critérios. Em oito anos, o ICMS Verde vai distribuir R$ 280 milhões. Do total de repasse aos municípios, 11% são distribuídos pela regra ambiental.
Os recursos também poderiam vir do pagamento por serviços ambientais da Amazônia ao país e ao mundo. A iniciativa geraria de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões para ser investidos na região por ano, calcula o superintendente da FAS. Viana defende várias formas de gerar esses recursos, seja pela cobrança de adicionais nas contas de água ou de energia do Centro-Sul.

Três Estados concentram dois terços do PIB da região

Por Eduardo Belo
De São Paulo

Criada oficialmente desde 1966 por meio de uma lei do governo Castelo Branco, a Amazônia Legal tem área de 5 milhões de quilômetros quadrados, ocupa 59% do território brasileiro e abrange nove Estados. Está dividida entre Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e Amazônia Oriental (Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso). O Maranhão é o único Estado cuja área não pertence totalmente à Amazônia Legal.
No total, o Brasil detém 71% da região amazônica, que se estende também por outros cinco países: Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia e Peru, totalizando 7 milhões de quilômetros quadrados.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) da região soma R$ 340 bilhões. Dois terços desse total estão concentrados em três Estados: Amazonas, principalmente em virtude da Zona Franca de Manaus, cujo faturamento em 2013 foi de R$ 83 bilhões, Mato Grosso, maior produtor agrícola do país, e Pará.
A região abriga pouco mais de 12% da população brasileira, cerca de 25 milhões de pessoas - dos quais 350 mil índios -, segundo estimativas do IBGE. Em termos econômicos, a região representa apenas 8% do PIB brasileiro. Aproximadamente 38% da população amazônica vive abaixo da linha de pobreza, em localidades cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é inferior a 0,7 - abaixo da média brasileira, de 0,744.
Estudo realizado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) há dois anos constatou que a Amazônia concentra 96 mil quilômetros de estradas, 9,5 mil quilômetros quadrados de terras indígenas demarcadas e 7,2 mil quilômetros de áreas protegidas por unidades de conservação - a maior parte delas constituída por parques nacionais. Estimativas de entidades de conservação do meio ambiente indicam que cerca de 10% das estradas locais são clandestinas, destinadas, principalmente, à exploração de madeira ilegal.
Em território, a Amazônia Legal poderia ser considerada o sexto maior país do mundo. Principal bacia hidrográfica do planeta, tem influência decisiva no clima e no regime pluviométrico de grande parte do Brasil e do Hemisfério Sul. Tanto que a seca deste ano no Sudeste e em parte do Centro-Oeste do país decorre de um sistema de alta pressão que impediu o deslocamento da umidade amazônica para essas regiões. A consequência se deu na cheia na bacia do rio Madeira, em Rondônia. No total, a região apresenta 25 mil quilômetros favoráveis à navegação fluvial, com 20% da água doce disponível e 67% das florestas tropicais do mundo. A ocupação irregular é responsável pela maior parte do desmatamento. Cerca de 60% da região é ocupada por florestas.
A Amazônia é de longe o maior santuário da biodiversidade em todo o planeta. Metade das espécies animais terrestres concentra-se na região. São cerca de 40 mil espécies vegetais, mais de 400 de mamíferos, cerca de 1.300 de aves e um número de insetos ainda não catalogados e calculados na casa dos milhões.
De acordo com o superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Virgílio Viana, a entidade começa a participar de uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) para promover a sustentabilidade e apressar o desenvolvimento da região sem agredir a floresta amazônica.

Valor Econômico, 21/08/2014, Caderno Especial, p. F1

http://www.valor.com.br/brasil/3661800/desafio-florestal

http://www.valor.com.br/brasil/3661802/tres-estados-concentram-dois-ter…

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