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A derrota dos ecoxiitas

OESP, Economia, p. B2
Autor: MING, Celso
04 de Mar de 2005

A derrota dos ecoxiitas

Celso Ming

Com pelo menos cinco anos de atraso, a Câmara dos Deputados aprovou a nova Lei de Biossegurança.
Veio para cumprir dois principais objetivos: (1) autorizar a utilização de células-tronco humanas para pesquisas com finalidades terapêuticas; e (2) fixar as regras para pesquisa, cultivo e comercialização de produtos geneticamente transformados, também conhecidos como transgênicos.
É desse segundo objetivo que esta coluna vai tratar. O anteprojeto dessa lei começou a tramitar no último trimestre de 2003, depois que os sojicultores ignoraram as restrições anteriores e criaram um fato consumado: passaram a produzir em larga escala soja transgênica Round-up Ready (RR ) , a partir de sementes contrabandeadas da Argentina. A tramitação do anteprojeto de lei sofreu tremendas pressões políticas interpostas por grupos barulhentos de fundamentalistas abrigados sob o guarda-chuva da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Agora se viu, tiveram apenas 60 dos 413 votos na Câmara dos Deputados (houve apenas uma abstenção).
Eles pretenderam ou bloquear ou controlar as etapas do desenvolvimento de produtos transgênicos para, em última análise, impedir seu cultivo e comercialização, supostamente por trazerem dano irreparável à saúde e ao meio ambiente, dogma em que acreditam e em cujo nome tentam fazer prosélitos.
Eles nunca afirmam que todo produto transgênico não presta. Dizem que é preciso aplicar o princípio da precaução, que é o de testar exaustivamente a novidade e só liberá-la quando não houver mais dúvidas sobre seus efeitos. O que deveria ser um procedimento sensato acaba sendo nas mãos deles uma operação de perpetuação do estado de dúvida. Por mais que se aprofundem e se prolonguem, os testes nunca são suficientes para essa gente. Há nove anos a soja RR é cultivada e consumida nos Estados Unidos sem nunca ter provocado sequer uma coceira nos consumidores e, no entanto, eles seguem afirmando que, em nome do princípio da precaução, é preciso aprofundar os experimentos.
No Brasil sempre vicejaram crendices populares: manga com leite faz mal; chupar laranja à noite causa distúrbios digestivos; pepino é venenoso se as pontas não são cortadas antes do resto. A essas histórias, supostamente a serviço da casa-grande, pode ser juntada a de que transgênicos "causam desastres ecológicos e danos para a saúde de quem os consome", como repetem os obscurantistas.
No ano passado, a Câmara aprovou uma versão deformada do projeto de lei apresentado pelo governo. Essa versão dava ao Ibama, sigla sob a qual agrupam-se os profetas do apocalipse ambiental, poderes quase absolutos para bloquear pesquisas na área. No Senado, foi aprovado em outubro um substitutivo bem mais próximo do projeto original que devolve à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio a decisão final sobre a oportunidade do desenvolvimento de um projeto de cultura transgênica. Na sua essência, a última palavra sobre se uma cultura transgênica traz ou não riscos à saúde e ao meio ambiente passa a ser dada por cientistas, que são os que, de fato, têm o que dizer sobre o assunto e não os xiitas da ecologia.
O presidente Lula não terá motivo para adiar a sanção desse projeto de lei. Pena que chegue com atraso. Nos últimos cinco anos, a Embrapa, o Iapar, a Esalq e outros institutos de pesquisa foram obrigados a desistir do desenvolvimento de projetos de produtos biogeneticamente transformados em conseqüência dos bloqueios interpostos na Justiça por ambientalistas radicais. Enquanto isso, os laboratórios avançados dos países ricos puderam trabalhar à vontade e já estão em condições de lançar no mercado seus novos produtos.
Em todo caso, antes tarde do que nunca, como diz o ditado. A nova Lei de Biossegurança finalmente dá um mínimo de segurança à modernidade no Brasil.

OESP, 04/03/2005, Economia, p. B2

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