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Depoimentos indígenas denunciam estado atual da política de saúde indígena

Coiab-Manaus-AM
23 de Nov de 2005

Várias lideranças indígenas têm partilhado conosco nos últimos dias comentários e críticas que refletem a indignação que está tomando conta nos diferentes níveis do movimento indígena como reação ao estado de caos, desorganização e abandono em que está caindo o atendimento básico à saúde dos povos indígenas, cuja responsabilidade legal corresponde à Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Recebemos mensagens de Gersom Kassupá, José, Maria Aureni Fulniõ, Benjamin Baniwa e José Maria Lana Desano, entre outros.

Leia na íntegra o conteúdo dessas manifestações.

1 - Depoimento de Gersom Kassupá

Participei da reunião do Fórum dos Presidentes de Conselhos Distritais (Deus nos acuda), realizada nos dias 10 e 11de outubro, mas o que esse pessoal do Departamento de Saúde Indígena da Funasa (Desai) fala de besteira, nem em sanatório se ouve tanta abobrinha, confesso que de todos os Diretores que já passaram pelo Desai, o atual eu senti que ele não está preparado para atender as demandas específicas da Saúde Indígena. Pra mim,ele vai ter que mostrar muito trabalho, e não tem essa de que "eu to pouco tempo", de que temos que trabalhar junto e etc. Meu Deus, até quando nós os índios vamos servir de "ratos de laboratório" pra esses "estagiários que se dizem TÉCNICOS? Mas técnico de que? De futebol, vôlei, basquete.. técnico de que? Não é porque o cara tem um diploma ou experiência nisso ou naquilo, ou até mesmo em saúde pública, mas se não tiver experiência e conhecimento em trabalhar com Saúde Indígena, NÃO ADIANTA.

Aí na abertura do evento (da reunião do Fórum dos Presidentes de Conselhos Distritais) os caras-pálidas dizem: "nós precisamos do apoio de vocês, da contribuição de todos" (índios). Caros leitores, baseado nesses absurdos me digam, mais do que nós índios temos contribuído, há mais de 500 anos, o que eles querem mais? Nossa contribuição na construção controle social tem sido a maior cooperação, não temos culpa se a rotatividade de "técnicos" tem sido grande e cada um que assume muda os trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos e os que estão hoje aí, farão igualzinho aos demais, só farão aquilo que seus superiores mandar.

Outro absurdo que tivemos que ouvir foi que um deles (não quero citar o nome) falou: vamos trabalhar juntos, porque precisamos de vocês, e ninguém conhece mais de índios do que vocês mesmo.

Ora meus amigos, se é nós que entendemos de nós, então coloquem uma liderança indígena boa e competente pra comandar esse "tal" de Desai que a Saúde Indígena pode caminhar muito melhor, até porque "diploma" não está resolvendo nosso problema, e já que esses cargos são políticos, já está na hora do movimento indígena fazer suas indicações. Precisamos de algo concreto para não ingressarmos na loucura absurda que é essa Funasa. Também a falta de informação e a desorganização do pessoal do Desai é INACREDITÁVEL. Os presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi's), re-editores e multiplicadores estão sofrendo pressões, juntamente com alguns chefes de Dsei's das lideranças indígenas, porque a Funasa diz que as conferências locais e distritais terão que ser feitas nas aldeias. Após que tudo estava organizado "seu mane" da Funasa/Bsb decide que tem que mudar as datas das conferências locais e distritais.

Aí meus caros manos, o senhor diretor do Desai vem dizer no Fórum de Presidentes de Condisi's que ninguém mais do que ele está preocupado com a Conferência e nada pode dar errado. Só para ele? E nós que programamos, multiplicamos e mais ainda estamos na frente de batalha, ou seja, lá na base? Será que estão mesmo preocupados com as conferências? Será? Será? Ou será que estão mais preocupados com a Conferência Nacional, que para eles é mais viável, ou seja, será que a CNSI não está sendo a menina dos olhos deles, somente pra alguns personagens da Funasa/Bsb se promoverem politicamente nas costas dos índios?

Outra coisa que chama a atenção e me deixa bastante preocupado é que no regimento interno (já aprovado) da CNSI tem um artigo que diz que independe da conferência local ser realizada para que aconteça conferência distrital e que também nada impede que a Conferência Nacional se realize mesmo se não houver conferência distrital. Então conclui-se que tem muito interesse rolando por trás para que as conferências local e distrital não aconteçam. Momento imprescindível para o fortalecimento indígena e maior avaliação da Política de Saúde Indígena do país.

Como diz um amigo: ISSO VAI SER MAIS UM EVENTO CHAPA-BRANCA. Tudo isso somente por interesse político.

Parentes e amigos que nos apóiam, nós vamos deixar isso acontecer?

2 - Depoimento de Maria Aureni Gonzaga da Silva Fulniõ

Muito obrigado por ter me enviado tão importante NOTA (de Repúdio da Coiab sobre a política de saúde indígena), compartilho com os parentes a angustia de ver o sonho de uma saúde indígena diferenciada se desfazer diante dos nossos olhos, em todo o país. A situação é a mesma no Nordeste onde também vivemos o dilema do autoritarismo e a falta de uma política de saúde que realmente venha de encontro aos povos indígenas; eu não acredito em implantação de sistemas de saúde indígena com sucesso sem a participação dos povos indígenas como GESTORES. Acredito que os próprios indígenas em suas respectivas regiões possam estar se empoderando nos Distritos Sanitários Especiais, Polos Bases e etc. Pois somente nós mesmo poderemos mudar a situação do nosso povo, melhorar a qualidade de vida das nossas mulheres e crianças e possibilitar uma perspectiva de futuro, coisa que não estamos visualizando no momento, na atual política de saúde.

3 - Depoimento de Benjamin Baniwa

LULA LÁ... grimas!

"O povo é criança eterna. Aquele que mais lhe bate é quem melhor governa" (Guerra Junqueira)

Segundo o Sr. Tomé Fernandes Kambeba, coordenador da Uni-Tefé, a saúde da
população indígena do médio Solimões, Juruá, Japurá e seus afluentes está em estado de calamidade pública.

Os salários dos profissionais de saúde daquele convênio estão atrasados há mais de três meses, o que não é novidade e nem é diferente de outras áreas indígenas no Amazonas.
No Purus, no Rio Negro, no Vale do Javari, no..., no... e no...

Enquanto isso um tal de Otto da Funasa, em reunião em Brasília no dia 26 de outubro, deste ano, na presença do Carlos, Irio, Tomé, Nayara, Isa, André, ambos da Uni-Tefé e a Sra. Ana da Coiab, disse: "não entendo de índio, não entendo de política, não entendo de saúde (...)".

E eu que sou um "indiotto" não entendo o por quê deste estar assumindo um cargo importante em um órgão que tem por responsabilidade aplicar política pública de saúde indígena. Acredito piamente que quem deveria assumir o cargo no lugar dele deveria ser um índio. Enquanto o índio na Lei no 6.001/73 é tido apenas como relativamente incapaz, o Otto me parece completamente incapaz.

No entanto, mesmo depois que este tal de Otto (Se Yawara aikwé era puranga píri, com as mesmas letras), ter soltado estas pérolas de total despreparo para estar onde está, me parece que lá dentro é considerado o que mais tem conhecimento, pois é o que mais fala, é o que responde tudo... Tudo errado.

Mesmo estando presente o Sr. Sé Maria (pela postura parece mais um Zé Mane). Bem, pelo menos o Otto é sincero quando diz que não entende nada. Isso se verifica quando diz que as Organizações Indígenas não estão organizadas. Bem, me parece ser, é o Sr. Alcides que sugere, na reunião que, para resolver a situação da saúde indígena, o próximo passo é "não fazer nada. A vida sobrepõe a lei". Eu entendo que neste momento ele está dizendo: deixe morrer alguns índios para que possamos agir fora da lei. Agora eu pergunto: já não chega os tantos índios que morreram com hepatite no Vale do Javari?

Já não chega outros tantos óbitos de índios que aconteceram em todo o Amazonas, seja por falta de medicamento, por falta de atendimento, por falta de transportes? Como diz Zezé di Camargo e Luciano: "Ta faltando consciência, ta sobrando paciência, ta faltando alguém gritar".

O Otto está na Funasa como especialista em gestão... Caramba!!! O Ensino no Brasil precisa mesmo de uma reforma urgente. É por causa deste ignorante em saúde, em política, em índio, como ele mesmo afirmou, que muita gente está doente, muita gente está morrendo por falta de medicamentos, de atendimentos básicos, outros estão com seus salários atrasados meses e meses, e por isto estão com seus nomes nos órgãos de proteção ao comércio.

Na ponta de sues cascos o mesmo chegou a vomitar que o Movimento Indígena não entende nada de política.

Vamos fazer valer nossos direitos!!!

4 - Depoimento de José Maria Gomes Lana / Desano

Caros parentes da COIAB.

Estamos até o pescoço com a omissão da Funasa. Porém, no próximo ano teremos a IV Conferência Nacional da Saúde Indígena. Pois bem, os que omitem são as pessoas que se instalaram no órgão federal. Então, vamos mapear quem são esses elementos. Com certeza, eles estarão na nossa frente durante a conferência. Por isso vamos pressionar quem os contratou, para tirar esses maus elementos, que tem preconceito e discriminação contra os índios, sobreviventes dos massacres de toda a história do Brasil. Se temos aliados humanistas, capazes, apresentaremos nesta oportunidade os nomes que podem ser confiáveis. Isso mesmo.

Acompanho mais notícias tristes pelo lado dos parentes, e no outro lado, dos brancos, só se vêem brigas pelo dinheiro. Eu queria muita força divina de todos os índios das terras invadidas para fazer algo por nós mesmos. Diante dessa realidade mim acho muito pequeno...

Contudo, não vamos desanimar, já fizemos muito até aqui, está no momento de surpreender os ouros como movimento indígena organizado. Sigamos.
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Comentário Final

O estado da saúde indígena criticado pelos índios, decorre, entre outras razões, conforme avaliação de instâncias representativas do movimento indígena, do atraso no repasse dos recursos às instituições conveniadas com a Funasa, da tendência da municipalização do atendimento básico à saúde indígena, do uso político -a partidarização- dos cargos no Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Departamento de Saúde Indígena (Desai), do desrespeito às lideranças, organizações e comunidades indígenas praticada por agentes públicos, e da falta de estruturação da Funasa para que assuma de fato o seu papel na gestão da saúde indígena.

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