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Denominação de origem sustentável

Valor Econômico, Opinião, p. A14
Autor: AMARAL, Luiz Fernando do
09 de Dez de 2014

Denominação de origem sustentável
Entidades do setor de agropecuária buscam classificar regiões de acordo com sua atuação socioambiental

Por Luiz Fernando do Amaral

Champanhe, Tequila, Presunto de Parma, queijo Gruyere. O que todos esses produtos têm em comum? São produtos com "Denominação de Origem Controlada" (DOC), ou seja, possuem o nome de suas regiões de procedência. Só podem ter essa denominação se forem produzidos em uma determinada área de acordo com uma técnica produtiva pré-estabelecida.
Há regulamentações e padrões muito específicos para isso. Comunidades locais de cada região defendem arduamente seus produtos e protegem seus padrões. Governos e produtores se unem para garantir os benefícios. Não faltam brigas comerciais e processos legais contra quem utiliza uma dessas denominações de forma equivocada. O mesmo é feito com um produtor local que não respeite as regras e, portanto, prejudique toda a comunidade. Todo esse cuidado se justifica já que os "selos de origem" proporcionam mercados cativos e preços mais altos.
No Brasil ainda engatinhamos. O queijo da Canastra ou a cachaça de Salinas podem ser apontados como poucos exemplos. Porém, nosso país pode estar na liderança de um novo processo para diferenciação de produtos agrícolas em função de sua origem. Há iniciativas para criar algo como uma "denominação de origem para sustentabilidade".
A experiência dos "Municípios Verdes" no Pará é um embrião dessa ideia. Há um outro projeto sendo desenvolvido no município de Querência na região do Xingu no Mato Grosso. Diversas empresas, ONGs, governo e instituições locais vão coordenar esforços de sustentabilidade em escala regional.
Adicionalmente, um grupo multi-setorial de entidades envolvidas com a agropecuária está desenvolvendo uma ferramenta para classificação de diferentes regiões de acordo com sua performance socioambiental. Por exemplo: um município que atingir um alto nível de respeito ao Código Florestal e controlar o desmatamento, que não possuir graves problemas trabalhistas, que obtiver ganhos de produtividade e excelentes índices de desenvolvimento social poderia ser indicado como uma região de origem agrícola sustentável. Isso poderá ser uma ferramenta de gestão importante para as empresas que estão envolvidas com o agronegócio.
Entretanto, é importante ressaltar que o processo descrito acima, apesar de similar, é diferente daquele dos vinhos Bordeaux. As tradicionais DOCs tratam de produtos processados e diferenciados, como queijos e bebidas. Por isso, conseguem se distinguir de produtos similares, resultando em preços diferentes. Porém, é improvável que haveria qualquer diferenciação de preço para produtos agrícolas primários conhecidos como commodities. Um grão de milho do Mato Grosso é idêntico a um de Illinois nos Estados Unidos. Por isso, uma commodity com selo de origem dificilmente custaria mais caro. Então porque produtores, governos e cooperativas locais buscariam tornar sua região uma denominação de origem sustentável? Há diversas razões econômicas que podem ser tão valiosas como um melhor preço.
Visando proteger sua imagem e marca, grandes empresas buscam se afastar de regiões tidas como de "alto risco" para não se verem envolvidas com problemas socioambientais. Há caso de corporações que simplesmente não compram produtos agrícolas de uma determinada região. Também deixam de construir uma fábrica ou indústria. Da mesma maneira, sem dúvida, tenderiam a preferir regiões denominadas como de "origem sustentável". Assim, produtores se beneficiariam ao possuir acesso a mercados mais específicos e ao conseguir escoar mais facilmente seus produtos. Tais regiões também estariam sujeitas a maior atração de investimentos: todo investidor tende a preferir uma região de menor risco a uma de maior risco. Dessa forma, um município com denominação de origem poderia gerar mais empregos e negócios do que outra região com características semelhantes.
Já há exemplos reais dessa lógica. Por exemplo, enquanto o Brasil conseguiu controlar a maior parte de seu desmatamento, Malásia e Indonésia, os principais produtores mundiais de óleo de palma (dendê), ainda sofrem com uma falta de controle nessa questão. Grandes empresas globais têm preferido o produto tupiniquim. É um exemplo de como a redução do desmatamento passa a gerar alguns benefícios econômicos para nossas empresas e produtores. O mesmo pode ocorrer para regiões e municípios.
Os tradicionais "selos de origem" para vinhos ou queijos só são um sucesso graças ao envolvimento e comprometimento dos atores locais. Eles se unem para garantir a qualidade do produto, proteger o uso do nome e "vender" sua região. Também precisam criar mecanismos locais para se autocontrolar, evitando que a ação irregular de poucos prejudique o interesse da região. A união de prefeitos, produtores e lideranças locais em torno do desenvolvimento socioambiental de seu município pode criar novas "denominações de origem sustentável", atraindo investimentos e emprego, além de facilitar a venda de produtos agrícolas originadas daquela região. Uma bela vantagem competitiva que pode ser bem aproveitada.
Um sommelier é aquele especialista na qualidade, história e procedência dos vinhos. Eles estão cada vez mais presentes em supermercados e restaurantes. Alguns podem achar um excesso ou luxo. Porém, poucos se dão conta que um sommelier consegue impactar diretamente a decisão do cliente, mesmo daquele que não entende de vinho. Porque não imaginar algo semelhante em uma trading ou cooperativa agrícola?
"Cher messieurs, lhes recomendaria esse produto único: uma elegante soja Querência 2014. Essa safra conta com um intenso bouquet de biodiversidade e notas de desenvolvimento social"
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Luiz Fernando do Amaral é gerente de Responsabilidade Socioambiental Corporativa no Rabobank.

Valor Econômico, 09/12/2014, Opinião, p. A14

http://www.valor.com.br/opiniao/3809018/denominacao-de-origem-sustentav…

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