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A defesa de ''espaços vitais'' para os índios

O Estado de S. Paulo-SP
Autor: CARLOS SOULIÉ DO AMARAL
04 de Nov de 2001

Tese na área de história serve de fundamento para argumentos em favor dos índigenas

Uma tese de pós-graduação em história, apresentada pelo professor Antônio Brand, em novembro de 1997, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, denominada O Impacto da Perda da Terra sobre a Tradição Caiová-Guarani, fornece argumentos que se disseminaram nos meios políticos e universitários do Mato Grosso do Sul em favor das reivindicações indígenas. Brand trabalha em Campo Grande, na Universidade Católica Dom Bosco, dos padres salesianos. Colheu depoimentos de índios que lamentam a presença dos empreendedores nacionais na região e aborrecem a presença do "caraí" (branco). Baseado nas referências orais que captou, Brand aponta 81 aldeias que teriam sido destruídas a partir de 1943, quando o governo federal criou a Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Para acabar com a concessão de exploração de erva-mate que a Cia. Matte-Larangeiras - empresa argentina - detinha desde 1893 naquela região (e também no Paraguai), o governo do Estado Novo criou o efêmero Território Federal de Ponta Porã (1943 a 1946). A Colônia Agrícola de Dourados começou com a distribuição de mil lotes de 30 hectares especialmente para lavradores nordestinos. Para Brand "o problema das terras indígenas usurpadas a partir de 1943 permanece sem solução até a presente data". A partir de 1954, os guaranis que trabalhavam na coleta de folhas de mate ou na extração de palmito passaram a derrubar matas. Iniciava-se o ciclo de formação de fazendas e, segundo Brand, esta foi a causa do "esparramo" dos índios. Para ele, "a Matte-Larangeiras significou importante elemento de proteção do território caiová-guarani" ao passo que a Colônia Agrícola e a formação de fazendas "significou a dispersão das aldeias e o desmantelamento de famílias extensas". Com o fim do desmatamento, os índios foram "compulsoriamente confinados dentro das reservas demarcadas pela Funai, processo que atingiu seu auge na década de 1980". Depois, continua Brand, as usinas de álcool que surgiram na região, exigiram o emprego intensivo de mão-de-obra, mas o trabalho temporário prestado pelos índios é, na verdade, "um assalariamento compulsório, porque dentro das reservas inexistem outras alternativas viáveis de subsistência". Brand acusa a Funai de ter destruído aldeias e de ter colaborado com os fazendeiros, repetidas vezes classificados pelos índios como "os seus contrários". "Merece destaque especial a terminologia constante dos documentos do órgão oficial que usa os termos aldeado x desaldeado, procurando ocultar o processo de confinamento em curso", aponta. Suicídios - Em seguida, estende-se largamente sobre a ocorrência de suicídios entre os caiovás. Levanta um total de 281 casos entre 1981 e 1996, numa população que abrange cerca de 17 mil indivíduos. Atribui ao confinamento nas reservas, à perda do modus vivendi natural e à presença de missionários metodistas, presbiterianos e neopentecostais a causa das mortes, que se dão entre adolescentes e adultos jovens. Mesmo reconhecendo "que não se trata de uma característica caiová-guarani porque realidade semelhante encontra-se entre os índios norte-americanos e esquimós", conclui que os suicídios ocorrem devido ao confinamento nas reservas que trouxe a desarticulação da sociedade, da religião e da economia indígena. Sugere o restabelecimento das tekohás, os espaços territoriais das aldeias guaranis, nas 81 áreas aludidas, lembrando que para o índio o território era amplo, sem dono e sem cercas, "apesar de cada tekohá ter sua área geograficamente bem delimitada por morros, rios e outros acidentes topográficos". Nas tekohás além da caça, da pesca e da coleta, os caiovás-guaranis praticavam a agricultura de coivara. Tal prática consiste em tocar fogo nas matas, utilizar a terra incinerada por dois ou três anos e ir avante, queimando outras matas. Ao cabo de 12 ou mais anos, volta-se à primeira área queimada e o ciclo se repete. Quando a terra se exaure irremediavelmente, os índios buscam outra tekohá e repetem o processo. Brand constata que os caiovás têm se envolvido em atividades de venda de madeira dentro das reservas e "seguem movimentando-se dentro dos mesmos princípios, segundo os quais a mata é algo que se recupera por força da natureza, ou melhor por força das rezas; por isso mesmo não há que se preocupar em replantar árvores". Reservas - Assim, o assalariamento inatural dos guaranis - primeiro na colheita da erva-mate, depois nas derrubadas de formação das fazendas de gado e, por fim, nas usinas de álcool - aliado à introdução da mecanização agrícola e ao "confinamento" nas 22 reservas da Funai, além da ação desarticuladora dos metodistas, presbiterianos e neopentecostais, são os motivos que Brand indica como nucleares para a doença do suicídio, a instabilidade das famílias e a perda gradativa do modo de ser tradicional desses grupos. Como remédio aponta a necessidade de novos e maiores "espaços vitais" para os caiovás-guaranis, apoiando suas alegações feitas através do "difícil caminho da palavra". Invadindo fazendas ou acampando diante daquelas que pretendem conquistar, os caiovás-guaranis partem para a ação, seguindo o caminho do MST.

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