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Decisão no PA é "estarrecedora", diz ministro

FSP, Brasil, p. A6
08 de Mai de 2008

Decisão no PA é "estarrecedora", diz ministro
Para Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), absolvição do fazendeiro Bida é "celebração da impunidade" vigente no país
Segundo Celso de Mello, do Supremo, decisão pode dar impressão de que júri não cumpriu dever; Incra e OAB também lamentaram o caso

Felipe Seligman
Da sucursal de Brasília

O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) repudiou a decisão do Tribunal do Júri de Belém, que absolveu o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, da acusação de ter mandado assassinar, em 2005, Dorothy Stang, freira americana naturalizada brasileira .
Segundo ele, a decisão reforça o sentimento de impunidade vigente no país. "Num ano em que o mundo celebra os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, e o Brasil organiza uma ampla agenda de conferências setoriais, seminários, debates e publicações voltadas à elevação da consciência social sobre a importância de se construir ampla unidade nacional em torno da defesa da vida como bem supremo, é estarrecedor constatar que tristes episódios de celebração da impunidade seguem acontecendo entre nós", afirmou o ministro, em nota.
Dois ministros do STF também criticaram ontem a absolvição. O ministro Celso de Mello afirmou que, apesar de soberana, a decisão pode dar a impressão de que os jurados não cumpriram o seu dever. "Considerado o resultado anterior do julgamento, isso pode transmitir não apenas ao país, mas à comunidade internacional a sensação de que os direitos básicos da pessoa não teriam sido respeitados. Notadamente, aqueles da vítima", disse.
"Pode transmitir uma sensação de que os jurados não teriam cumprido adequadamente o seu dever e não teriam agido de acordo com a alta responsabilidade que se espera dos membros que compõem o conselho de sentença", completou.
Em maio de 2007, Bida havia sido condenado a 30 anos de prisão. Como a pena ultrapassou 20 anos, sua defesa pediu novo júri. Anteontem, os jurados o inocentaram.
Já o ministro Marco Aurélio Mello criticou a norma do Código do Processo Penal que permite um novo julgamento caso a condenação ultrapasse 20 anos. "Não vejo por que colocarmos em dúvida uma decisão judicial considerando apenas o número de anos. Acho, porém, que a imagem do Brasil não restará arranhada, pois prevaleceu a ordem jurídica." Para ele, é "incoerente" que ocorra um "duplo julgamento em um mesmo tribunal". "É hora de rever essa norma."
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, afirmou que o aceno dado pelo Judiciário é "muito ruim". "Um júri condena na pena máxima e outro absolve completamente. Essa diferença pode e deve ser corrigida pelo tribunal na segunda instância."
"Esse tipo de solução afronta a dignidade humana, estimula a impunidade e aumenta a descrença em valores como paz, justiça e esperança", disse Rolf Hackbart, presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Governo, ONGs e religiosos rechaçam absolvição

Sílvia Freire
Pablo Solano
Da agência Folha

Para religiosos e representantes de ONGs e de trabalhadores rurais do Pará, a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante da morte da religiosa Dorothy Stang, reforça o sentimento de impunidade e pode aumentar os casos de violência e intimidações contra lideranças sem-terra.
O bispo do Xingu, dom Erwin Krautler, que era amigo de Dorothy e está ameaçado de morte, disse ontem que o resultado do julgamento não deve intimidar "o povo que luta por justiça". "Tenho fé e esperança em Deus que isso [o julgamento] vai se reverter", afirmou.
O bispo dom Flávio Giovenale, da prelazia de Abaetetuba, disse que a absolvição pode incentivar o aumento da violência. "Achamos que a absolvição dará mais força aos grupos interessados não só na eliminação de dom Erwin Krautler, mas em continuar um projeto em que os grandes [posseiros] podem fazer grilagem, explorar os demais, e quem se opõe a eles é eliminado", disse.
Para José Batista Afonso, advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e assistente da acusação, a absolvição é uma "incitação ao crime". "É uma licença para matar", disse.
A ONG Justiça Global, que acompanha o caso Dorothy, irá relatar a decisão do júri à ONU (Organização das Nações Unidas), que já vem sendo informada do processo. Para a advogada Tamara Melo, da Justiça Global, a absolvição de Bida não é um caso isolado. "Ela [a decisão] se insere em um contexto de impunidade absoluta."
O Ministério Público Federal no Pará divulgou uma nota na qual afirma que a absolvição é "um prêmio à impunidade" e que contribui para o acirramento da violência no campo.
Os procuradores pedem reforço das polícias Federal e Civil das regiões de conflitos agrários, sob o risco de ter concretizadas as ameaças de morte a trabalhadores rurais, índios, quilombolas e religiosos.
A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), criticou ontem a fragilidade do Judiciário no combate à impunidade. "A decisão mostra o quanto o sistema Judiciário brasileiro é frágil para combater a impunidade. A culpa só recai sobre quem apertou o gatilho", disse.

Promotoria diz que absolvição contraria prova

Da agência Folha, em Belém

A Promotoria do Pará argumentará em recurso que a decisão do Tribunal do Júri que inocentou Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, vai contra as provas contidas nos autos.
O recurso será apresentado ao Tribunal de Justiça. O prazo é de até cinco dias após o anúncio da sentença, o que ocorreu anteontem. Para o promotor Edson de Souza, que liderou a acusação no julgamento, dificilmente o recurso será julgado antes do fim do ano, pois há preferência para pedidos de presos, e Bida foi solto.
Dentre as provas citadas pelo promotor, estão os testemunhos dos condenados pelo crime: Rayfran das Neves, Clodoaldo Batista e Amair Feijoli da Cunha, que incriminaram Bida ao menos uma vez.
Ainda, disse o promotor, há provas objetivas -a arma do crime foi achada na fazenda de Bida; um funcionário dele deu a munição; e Rayfran se escondeu na propriedade de Bida.

Caso exigia júri de outra comarca, analisa advogada

Frederico Vasconcelos
Da reportagem local

As decisões antagônicas nos julgamentos do assassinato de Dorothy Stang não surpreenderam advogados criminais. Diante da violência na região, questiona-se por que o júri não foi feito em outra comarca.
"Não é admissível que o júri seja realizado na comarca do fato, em razão dos históricos de violência, pressão política e coação", diz a advogada Ludmila de Vasconcelos. "Não existe, naquele caldo de violência, clima para uma análise fria e justa das provas dos autos", afirma.
"Não acho que o problema seja jurídico. Faz parte da escolha de sermos julgados por nossos pares e não por juízes togados. Vamos ter de conviver com decisões diferentes e até antagônicas", completa.
Para o advogado Celso Sanchez Vilardi, "apesar de não usual, não há nenhum absurdo na nova decisão". "Se o segundo júri foi realizado porque a primeira decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos, a absolvição parece-me normal. Os jurados, por óbvio, não possuem a obrigatoriedade de analisar o caso como da primeira vez", diz Vilardi.
A presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Flávia Rahal, diz que "os jurados, ao contrário do juiz togado, podem decidir de acordo com a sua consciência, sem se apegar a critérios técnicos, sem a necessidade de fundamentar sua decisão". "Isso é da essência do Tribunal do Júri e justifica a existência de decisões tão antagônicas", afirma Flávia.
"Se em casos comuns, julgados por técnicos do direito, muitas vezes há divergência -com os tribunais reformando completamente sentenças de primeiro grau- mais ainda é normal e até salutar que haja conclusões díspares em se tratando de julgamentos realizados por pessoas do povo", diz o advogado criminalista Luiz Fernando Pacheco.
Para o advogado Maurício Zanóide, "como a decisão é sem fundamentação, o julgamento está sujeito a essa discrepância". "É difícil fazer um exame crítico, porque não se tem a motivação para comparar. Às vezes, há uma absolvição no primeiro julgamento e uma condenação em um segundo."

FSP, 08/05/2008, Brasil, p. A6

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