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De olho na fronteira

CB, Brasil, p. 12
02 de Dez de 2007

De olho na fronteira
Duas décadas depois de ser criado pelos militares, Projeto Calha Norte ganha novo status e volta a ter importância estratégica para o governo, preocupado com o vazio demográfico na Amazônia Legal

Leonel Rocha
Enviado especial

Barcelos (AM) - A cúpula militar brasileira quer aproveitar a popularidade do Programa Calha Norte para ampliar a presença e a importância das Forças Armadas na Amazônia. Criado em 1985 como instrumento de ocupação da fronteira norte do país, o projeto militar implantou quartéis, oferecendo assistência social às comunidades. O programa ganhou áreas de atuação nos últimos anos e deve ser transformado em um departamento da Secretaria de Política, Estratégia e Relações Internacionais do Ministério da Defesa. A mudança no organograma da pasta ainda está sendo analisada pelo ministro Nelson Jobim. Mas, na prática, a promoção já aconteceu.
O orçamento para 2008 proposto pelo governo ao Congresso somente para investimento e custeio da sua vertente militar é o dobro do que está sendo gasto este ano: R$ 68 milhões.
O dinheiro será aplicado em obras de infra-estrutura em cidades fronteiriças, além de manutenção e construção de quartéis. O recurso também é investido na produção de equipamentos de segurança , como lanchas de patrulha da Marinha - Responsável por 22 mil quilômetros de rios navegáveis - e construção de hangares para os aviões Tucano da Força Aérea Brasileira (FAB), que vigiam os 11 mil quilômetros de fronteiras com a Guiana, Suriname e Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. Depois da Lei 117, de setembro de 2004, as Forças Armadas ganharam poder de polícia e ampliaram as suas atribuições em toda a faixa de fronteira - as terras de 150 quilômetros de largura na borda do Brasil.
No Legislativo, os parlamentares descobriram o filão do Calha Norte. Incluíram emendas no orçamento deste ano para obras que ultrapassam R$ 400 milhões. Propõem construção de escolas, terminais rodoviários, portos e melhoria da infra-estrutura pública. Todas executadas (e fiscalizadas) pelas Forças Armadas. Os congressistas vão repetir o montante para o próximo ano. As emendas permitem a assinatura de mais de mil convênios com estados e quase 200 prefeituras. A execução do orçamento do programa até dezembro chegará a R$ 34 milhões somente na vertente militar.
Upgrade
Pela proposta de reformulação apresentada a Jobim pelo chefe da secretaria, o general-de-Exército José Benedito de Barros Moreira, o Calha Norte deixará de ser vinculado ao Departamento de Política e Estratégia (DPE) e passará a ser coordenado por um general da ativa da Força, em substituição a um coronel da reserva. O projeto será gerenciado por 33 oficiais - quatro deles engenheiros - para cuidar da economia e melhorar o acompanhamento das obras. Implantado inicialmente para que as Forças Armadas ocupassem 1,5 milhão de quilômetros quadrados formados entre a margem esquerda do Rio Amazonas e a linha de fronteira do extremo norte do país, o programa hoje abrange quase 200 municípios da Região Amazônica que formam 32,2 % do território nacional.
Há duas semanas, o general Barros Moreira e os coordenadores do Calha Norte visitaram o pelotão de fronteira na Serra das Surucucus, em Roraima, a 40km da Venezuela.
São vizinhos das malocas dos índios ianomamis. Lá, os militares só podem ser contactados por avião ou rádio.
Distante das cidades e com dificuldades de transporte, tiveram que plantar uma horta, fazem o próprio pão e criam cabra para ajudar nas despesas.
A comitiva inaugurou uma quadra esportiva em uma escola indígena de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Está sendo construído na cidade um alojamento para a segunda brigada de selva. Na mesma área estão previstas as instalações de dois pelotões, um de Polícia do Exército e outro de comunicação, além de uma base logística, dentro do plano estratégico de reestruturação da Força.
O grupo também vistoriou o canteiro de obras onde está sendo construído o novo Batalhão de Infantaria de Selva em Barcelos. Tocada pela engenharia do Exército, a unidade ficará pronta em oito meses, custará R$ 26 milhões (já foram investidos R$ 11 milhões) e substituirá o Batalhão de Infantaria Motorizada, transferido de Campos, no interior do Rio, para a Amazônia. "A chegada de quartéis muda o perfil econômico das cidades. Eles contribuem para o desenvolvimento regional. Esse também é nosso papel ao ocupar as áreas de fronteira e inserir cada vez mais as Forças Armadas na sociedade", lembrou o general Barros Moreira.
Farc
O local escolhido pelos militares é estratégico. Com 34 mil moradores, quase 20 mil eleitores de origem indígena, Barcelos é o segundo município brasileiro em extensão e tem 1.260 ilhas, o maior arquipélago fluvial do mundo. A cidade recebe mais de oito mil turistas brasileiros e estrangeiros por ano para pescaria esportiva, segundo o prefeito Valdeci Raposo da Silva. A área faz fronteira com a Venezuela e Colômbia. É considerada área sensível e uma das preocupações dos comandantes que temem a utilização da região como rota de fuga dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Na mesma região estão o Pico da Neblina, o ponto mais elevado do Brasil, e o Morro dos Seis Lagos, onde está enterrada a maior reserva de nióbio do mundo, um dos metais utilizados na fabricação de carcaças das naves espaciais. No local fica o pelotão de fronteira de Maturacá, encravado na reserva dos índios tucanos, guarnecido por cerca de 60 homens comandados por um tenente. Todos os soldados são índios. O pelotão tem poucos recursos. A energia gerada por um motor movido a diesel é racionada, o sistema de comunicação é por rádio tradicional e na área só se chega de avião pequeno.
O repórter viajou a convite do Ministério de Defesa

CB, 02/12/2007, Brasil, p. 12

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