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Damares Alves: a trajetória conservadora da ministra que criou polêmica

O Globo, Sociedade, p. 34
13 de Jan de 2019

Damares Alves: a trajetória conservadora da ministra que criou polêmica
A infância, a atuação como pastora, o trabalho na Câmara e a relação com a primeira-dama: o caminho de uma paranaense itinerante até o Poder

BRASÍLIA - Foi no final da década de 1990 que Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, deu início à sua atuação política. Primeiro, no gabinete de seu tio, o pastor Josué Bengtson (PTB-PA). Depois, trabalhando como assessora parlamentar para quase uma dezena de outros deputados.

Neste início do novo governo, a frase "Meninos vestem azul, e meninas vestem rosa", dita por ela no mesmo dia em que tomou posse no cargo e registrada em vídeo por apoiadores, gerou forte reação nas redes sociais.

Gravações antigas suas também se espalharam pela internet, causando indignação. Uma delas, de 2013, mostra a atual ministra lamentando o fato de a igreja evangélica ter perdido espaço "quando deixou a Teoria da Evolução entrar nas escolas".

Durante a campanha de Jair Bolsonaro, a ministra Damares Alves e Michelle Bolsonaro, ambas evangélicas, oraram juntas pela vitória. A assessora parlamentar de Magno Malta (PR-ES) ficou hospedada em um hotel perto da casa do presidente, onde chegou a se encontrar com a atual primeira-dama. Seu chefe frequentava a casa de Bolsonaro, mas não participava dessas conversas.

Era uma reaproximação, já que Michelle e Damares se conheciam dos corredores do Congresso Nacional, quando trabalhavam como assessoras parlamentares, há menos de uma década. Não demorou para o senador capixaba perder seu posto como ministeriável. No seu lugar, ascendeu sua assessora, com a ajuda da primeira-dama.

Em Aracaju, formou-se em Pedagogia no início dos anos 1980 e deu aulas para crianças na primeira infância, segundo ela mesma relata. Ordenada pastora da Quadrangular, denominação evangélica americana que se disseminou no Brasil na década de 1990, começou a se engajar com causas sociais no Movimento Nacional Meninas e Meninos de Rua.

- Ela sempre foi assim, entrava em conflito com a polícia para não prenderem menor de idade, trazia os meninos de rua para dormir na casa dela. Muitas vezes escondeu os meninos ameaçados em casa - diz Josué Bengtson, tio de Damares por parte de mãe, deputado federal (PTB-PA) e um dos fundadores da Igreja Quadrangular.

Causa indígena e 'cura gay'
Ainda acompanhando o pai e a mãe, Damares se mudou para São Carlos no final da década de 1980. Cursou Direito na Faculdade de São Carlos e tirou sua carteirinha da OAB em 1993. Foi lá que se reaproximou do tio, Josué. Ele a chamou para trabalhar em seu gabinete na Câmara dos Deputados em 1999. Na época, o nepotismo em cargos do Legislativo já era proibido, mas a prática era comum.

Foi no Congresso, segundo Damares, que ela teve contato com a causa indígena. Passou a militar em movimentos de missionários cristãos que argumentam que os indígenas praticam infanticídio. Adotou uma filha da aldeia Kamayurá, no início dos anos 2000. Também se familiarizou com deputados da bancada evangélica, como Arolde de Oliveira (DEM-RJ), com quem trabalhou de 2012 a 2015.

- Damares tem um extenso conhecimento técnico como advogada. Quando a contratei, queria alguém que soubesse analisar o Plano Nacional de Direitos Humanos (da gestão petista), que foi escrito sob influência do Foro de São Paulo, e ela era a melhor pessoa para isso - diz Arolde de Oliveira.

O projeto de lei que prevê combate ao infanticídio em áreas indígenas, aprovado pela Câmara em 2015, contou com um longo empenho de Damares nos bastidores. O projeto foi apresentado por Henrique Afonso (PT-AC, na época, do PV) no momento em que a hoje ministra foi trabalhar com ele, no fim de maio de 2007. Ela também batalhou pela aprovação do Estatuto do Nascituro e pelo projeto da "cura gay" de autoria de João Campos (PRB-GO), de quem também foi assessora.

Datam de 2013 os primeiros vídeos de Damares pregando em igrejas por todo o Brasil. Nesse período, ela ganhou notoriedade no meio evangélico discursando contra a "teoria feminista de gênero", denunciando livros didáticos pelo teor "esquerdista" e defendendo os valores conservadores tradicionais. Também nessas pregações ela conta que foi abusada na infância.

Em maio de 2018, o tio de Damares foi condenado à perda do mandato por desvio de recursos da saúde no Pará, esquema conhecido como "máfia das ambulâncias" ou "das sanguessugas". O deputado recebeu propina na sua conta e na da Igreja Quadrangular para favorecer uma empresa, segundo a acusação. Ao GLOBO, ele diz que está recorrendo da decisão e que não foi ouvido pelo juiz.

'Um curinga'
Coincide com a revelação da "máfia das sanguessugas", em 2006, o afastamento de Damares da Igreja Quadrangular. Ela passou a frequentar a Sara Nossa Terra, onde se casou com um dos frequentadores, de quem depois se divorciou.

- Damares é um curinga, que nos ajuda em diversos sentidos -diz Robson Rodovalho, líder da Sara Nossa Terra. - Ela não é pastora de uma denominação só. É uma pessoa muito prestativa, extremamente negociadora. Sabe dialogar com pessoas diferentes. Temos membros muito mais radicais do que ela.

Assim que foi indicada como ministra, não quis responder ao GLOBO qual o nome do primeiro deputado com quem trabalhou na Câmara e disse que a história de seu afastamento da Quadrangular era "complicado". Seu tio garante, porém, que eles têm uma boa relação e se falaram algumas vezes desde a indicação.

Damares foi procurada diretamente e por meio de sua assessoria para responder sobre sua infância e adolescência. O jornal questionou também por que sua carteirinha da OAB está suspensa. Ela disse que não queria falar.

"Tudo que eu tinha que falar já falei. Sou mãe, educadora, advogada, pastora evangélica, fui assessora parlamentar por 20 anos. Atuo na defesa da infância, das mulheres, dos povos indígenas. Não sei mais o que poderia falar e não consigo entender o que mais gostaria de saber", afirmou ela ao GLOBO.

O Globo, 13/01/2019, Sociedade, p. 34

https://oglobo.globo.com/sociedade/damares-alves-trajetoria-conservador…

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