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Da saberia curandeira à ciência tradicional

O Globo, Sociedade, p. 27
18 de Jul de 2014

Da saberia curandeira à ciência tradicional
Tribo Huni Kuin, do AC, apresenta plantas medicinais no 'Livro da cura'

FLÁVIA MILHORANCE
flavia.milhorance@oglobo.com.br

RIO - Na entrada da oca de dez metros de altura feita de madeira e palha, uma placa tem os dizeres hanlishli kayanai. É um "espaço de cura" esse lugar erguido em pleno Parque Lage, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, para abrigar uma série de eventos que começa hoje e gira em torno do lançamento de "Una Isi Kayawa - Livro da cura" (Dantes Editora), uma publicação que apresenta informações detalhadas sobre o poder medicinal de plantas usadas há gerações pelo povo indígena Huni Kuin, do Acre.
São 32 tribos com cerca de 7.500 pessoas da etnia em torno do rio Jordão. Ontem, chegaram alguns de seus representantes e integrantes do projeto. Com rostos pintados, colares de miçangas e trajes de linhas coloridas, eles se reuniram para um canto de chegada. De mãos dadas, o pajé José Matus Itsairu puxava um rito, seguido pelos demais.
- É um canto para agradecer pela nossa vinda, além de chamar as forças dos espíritos para proteger esse lugar - explicou.
Itsairu é filho do pajé Agostinho Ïka Muru, o idealizador do projeto, que morreu em 2011 ainda durante a fase de pesquisa. Ele tinha cadernos de anotações cheios de desenhos de plantas, e seu sonho, conta Itsairu, era sistematizar e difundir o conhecimento ancestral não só para seus pares, mas abri-lo à sociedade.
- Agostinho era um cientista da floresta. Ele vinha há mais de 30 anos registrando informações e tinha medo de que o saber fosse perdido - comentou o taxonomista Alexandre Quinet, que se incumbiu da difícil tarefa de fazer a ponte entre o conhecimento indígena oral e a ciência tradicional. - São lógicas diferentes, por isso o que fizemos foram transcrições literais das palestras gravadas. Até porque o livro também é para eles.
Não à toa, os primeiros mil exemplares foram produzidos com papel feito de garrafas PET para resistir à umidade das florestas. Foram necessárias várias viagens e oficinas, além de registros fotográficos e audiovisuais. Das 351 amostras dos cadernos do pajé, 109 estão descritas no livro, com informações catalogadas por taxonomistas do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico.
REGISTRO DA TRADIÇÃO MILENAR
Há um mês, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso um anteprojeto de lei obrigando empresas interessadas nos conhecimentos de povos indígenas a obter a autorização deles. Esse livro, diz Quinet, dá poder às etnias e registra oficialmente sua sabedoria.
A programação intensa se estende de hoje ao dia 27 e inclui conversas, cantos, exposição fotográfica e exibição de vídeos de Zezinho Yube, ativista indígena:
- Eles contam a história do nosso povo, que vivia em malocas, teve contato com seringueiros no início do século XX, começou a trabalhar com isso e, depois, recuperou seu território e está revitalizando sua cultura.
Até o final da estada, o grupo aproveitará para conhecer o Rio. A primeira atividade do casal Adelino e Maria Kaxinawá (outro nome dado à tribo) foi ver o mar pela primeira vez:
- Era exatamente o que imaginava: o som, o movimento. Ficamos gratos com a experiência.

O Globo, 18/07/2014, Sociedade, p. 27

http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/livro-da-cura-reune-conheciment…

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