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Da maloca da Raposa a Serra do Sol - outra vez

Folha de Boa Vista
Autor: Gursen De Miranda
03 de Mai de 2008

No ano de 1995 publiquei no jornal Folha de Boa Vista (Ano XII, Edição 1627, sexta feira, 23 de junho) artigo sob o mesmo título, onde apresento sugestão visando solucionar a questão indígena Raposa / Serra do Sol. Naquela época a compreensão jurídica passava pela ocupação tradicional de não índios, com a pureza kelseniana. O artigo torna-se atual, passados treze anos, mas sem aqueles elementos tradicionais do Direito, considerando o enfoque predominantemente econômico de agora. A questão chamou a atenção da mídia em nível nacional. Assim escrevi:

Pretende-se demarcar área indígena denominada Raposa / Serra do Sol de forma contínua, com dimensão de 1.678.800 hectares, localizada na região nordeste do Estado de Roraima, sobrepondo-se aos municípios de Normandia, Uiramutã e Pacaraima.

O bom senso orienta, todavia, antes de qualquer decisão, respeito: respeito à Constituição Federal; respeito aos indígenas; respeito aos não índios, trabalhadores que colonizaram a região, defenderam e garantiram as fronteiras do Brasil.

Observando-se o imperativo constitucional de reconhecimento e proteção de áreas necessárias a proteção física e cultural dos grupos indígenas não há dúvida que as áreas indígenas devem ser demarcadas; não há nenhuma exigência, no entanto, de demarcação, exclusivamente, de forma contínua.

A unidade territorial pretendida, no caso, não é fundamental à preservação dos usos, dos costumes, das tradições e da reprodução física e cultural dos indígenas existentes na área, levando-se em linha de conta o sistema viário existente na região e a integração dos indígenas à comunhão nacional.

Acrescente-se que a atividade agrária desenvolvida pelos indígenas, com características normais do cultivo da terra, impõe delimitação para cada tipo de cultura, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, por meio do módulo rural. Há de se considerar que a pecuária, tradicionalmente, não é atividade desenvolvida pelo indígena. Somente com a chegada dos não índios, ao trabalharem nas fazendas, os indígenas assimilaram o manejo do gado, num exemplo de integração.

Destaque-se, ainda, que a chamada área Raposa / Serra do Sol é habitada por diferentes grupos étnicos, com problemática dessemelhante, usos, costumes, crenças e tradições peculiares a cada grupo: os Ingaricó com veneração ao Grande Pai Macunaíma; os Wapixana ao Deus Sol.

Atento aos elementos etnográficos, históricos, sociológicos, antropológicos, fundiários e jurídicos, nomeadamente, dos grupos étnicos existentes na região, a tradicionalidade, no sentido de caráter permanente expresso na Constituição e o nível de integração, ou seja, o grau de aculturação do indígena - em relação à sociedade envolvente -, eis a sugestão:

Área Indígena Ingaricó

A área ocupada pelos Ingaricó, da Serra Verde ao Monte Roraima, deve ser demarcada de forma contínua. São os habitantes da região da Serra do Sol. A área está bem caracterizada, bem delimitada e destacada em relação às áreas ocupadas pelos Wapixana, pelo Taurepang e pelos Macuxi. Na Serra do Sol existe somente índios do grupo Ingaricó; não há miscigenação com os Macuxi nem com os Taurepag nem com os Wapixana nem com os não índios. São indígenas que souberam definir e proteger sua terra e sua gente, seus costumes e tradições.

Aliás, em relatório, a FUNAI já definia a área dos Ingaricó distinta da dos Macuxi e da dos Wapixana e Taurepang. Grupo de Trabalho Interministerial, em 1989, declarou para fins de demarcação, por meio da Portaria No 354, de 16 de junho, a Área Indígena Ingaricó com superfície de 90.000 hectares.

O trabalho está feito.

As Fazendas em Ilhas

Diferentemente da solução sugerida para demarcação da área ocupada pelos Ingaricó deve ser a adotada para demarcação da área ocupada pelos muitos Macuxi, os remanescentes Wapixana e alguns Taurepang.

Há de se considerar a presença mais que secular de não índios na área, onde situaram fazendas e fundaram cidades, a existência de oito Vilas na região, a perfeita integração dos índios e não índios, a incorporação à comunhão nacional dos Wapixana, dos Macuxi e dos Taurepang e, destacadamente, a ocupação da área quase simultânea por não índios e índios Macuxi. Portanto, a demarcação dessa área deve respeitar as Vilas e as fazendas existentes na região.

É racional. Ilham-se as fazendas, demarcando-se cada um dos empreendimentos existentes, uma vez que a delimitação das fazendas, normalmente, é definida por marcos da natureza (rio, igarapé, serra, boqueirão, etc.), a outra parte seria área indígena, de forma contínua.

Mesmo assim os indígenas ficariam com imensa área de terra. O raciocínio, de acordo com a Constituição Federal, é meramente aritmético: existem 350 fazendas na região e a Constituição limita o imóvel rural em 2.500 hectares, logo, o total de área possível de ocupação pelas fazendas atinge a dimensão de 875.000 hectares.

Em suma: considerando-se a pretensão da FUNAI com 1.678.800 hectares, excluindo-se a área dos Ingaricó com 90.000 hectares e a área das fazendas com 875.000 hectares, caberia aos índios Wapixana, Macuxi e Taurepang área com 713.000 hectares. Somadas as áreas indígenas, alcançariam à dimensão de 803.000 hectares.

É terra necessária e suficiente para reprodução física e cultural dos indígenas existentes na região: são mais de 1.000 hectares por índio, de mamando a caducando.

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