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Cúpula da Amazônia tem desafio de zerar desmatamento e tirar do papel ações conjuntas

RFI - https://www.rfi.fr/br/podcasts/linha-direta/20230808-c%C3%B
08 de Ago de 2023

Cúpula da Amazônia tem desafio de zerar desmatamento e tirar do papel ações conjuntas
Representantes do Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Suriname e Guiana se reúnem, a partir desta terça-feira (8) em Belém, para a Cúpula da Amazônia. O presidente francês, Emmanuel Macron, foi convidado, mas não irá ao evento. Também participam países que abrigam florestas tropicais, como o Congo, a República Democrática do Congo e a Indonésia, além de nações que contribuem financeiramente com a região, como a Noruega e a Alemanha.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Publicado em: 08/08/2023 - 12:39

O principal objetivo da Cúpula da Amazônia é estabelecer metas comuns para acabar com a devastação da floresta e avançar na discussão de medidas que visem o desenvolvimento da região sem agressões ambientais. O atual governo brasileiro defende desmatamento zero até 2030, mas não há consenso em torno do prazo.

Ainda assim, analistas consideram que o Brasil, que detém mais de 60% da Amazônia e também lidera a derrubada de árvores, pode puxar a corrente desse compromisso. Outro ponto importante é uma colaboração supranacional para combater crimes na região, como exploração ilegal de minério e tráfico de droga, o que exige afinação jurídica entre os países, investimento em tecnologia e troca de informações.

Mesmo que não seja possível avançar em todas as frentes, Adriana Ramos, especialista em política e direito ambiental do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), disse à RFI que o encontro, que ocorre depois de 45 anos da assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica pelos mesmos países, já é um passo importante. "Um evento como esse ajuda a estimular o debate em torno das políticas mais adequadas para promover a conservação e o uso sustentável da Amazônia, porque pauta políticas que vão acontecer daqui para a frente. A Amazônia não é só do Brasil, mas presente em vários países. É preciso que esses países se alinhem e tenham um espaço de governança compartilhada sobre a região."

Com o planeta sofrendo impactos das mudanças climáticas, de calor extremo em regiões frias a inundações fora de época em várias partes do globo, as atenções internacionais se voltam à Amazônia. Por isso os governos envolvidos avaliam que mostrar empenho em tirar do papel medidas ambientais pode ajudar a América do Sul a aumentar as doações com vistas à proteção da floresta. "A visibilidade que esses projetos alcançam e a necessidade de maiores investimentos é uma pauta desse debate. De fato, os recursos internacionais são fundamentais para alavancar essa agenda", explicou Ramos.

20% da Amazônia brasileira destruída
Um documento apresentado por 52 ONGs ambientalistas na semana passada cita que a Amazônia brasileira já perdeu 20% de sua área e a Pan-Amazônia, que abrange a floresta também de outros países, 15%. Além de propostas que estimulem a chamada bioeconomia, numa associação de tecnologia, riquezas naturais e preservação, as entidades defendem controle das queimadas, monitoramento da região, cooperação técnica, valorização das comunidades tradicionais e a criação de um banco de dados comum da biodiversidade desse bioma.

O professor Ricardo Bomfim Machado, do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, disse à RFI que o Brasil comete uma grave falha porque desconhece sua riqueza natural. "É possível que a gente tenha perdido várias espécies sem nem ter conhecido quais eram essas espécies. Não temos a política de levantamento biológico dos nossos recursos. Vez ou outra órgãos do governo lançam edital. Aí pesquisadores correm atrás porque a disputa é ferrenha e o dinheiro é pouco para tanta gente. Mas não há nenhum programa oficial que faça isso em larga escala, não temos uma política de conhecimento da nossa fauna e flora."

O pesquisador afirma que essa lacuna existe em todos os biomas brasileiros, mas especialmente na Amazônia. "Se você leva uma multa, os órgãos de trânsito mandam para sua casa, porque temos tecnologia para monitorar carros e pessoas. Mas não temos para nossas terras e matas. Nem mesmo a Mata Atlântica, que era predominante onde vivem 80% dos brasileiros, a gente conhece bem. Vire e mexe se descobre uma nova espécie lá. A Amazônia muito menos por causa do difícil acesso. Conhecemos bem a região próxima dos rios, mas longe disso, sabemos pouco."

Alguns temas arenosos devem ficar mais à margem da cúpula, como a exploração de petróleo na Amazônia, defendida pelo presidente Lula, mas criticada, por exemplo, pelo governo da Colômbia. Há dúvidas também sobre a necessidade de se criar um Parlamento Amazônico.

Em meio a divergências, Adriana Ramos, do ISA, disse que a história já mostrou que manter a floresta de pé passa necessariamente por garantir condições aos povos originários. "A importância da Amazônia para o Brasil, para todos os países que compartilham dela, para o mundo, é o fato de ela ser a maior floresta tropical contínua do planeta. E isso é resultado da presença desses povos e comunidades tradicionais. Não é possível imaginar que a Amazônia seja tratada como uma região qualquer, que tem de ser desenvolvida nos moldes do resto do país. A gente precisa inovar reconhecendo o papel dos povos e comunidades tradicionais, num modelo de desenvolvimento que valorize essa forma de manter a floresta em pé."

Preservação do Cerrado
Internamente ambientalistas chamam a atenção para o desafio de preservar a Amazônia e ao mesmo tempo assegurar também outros biomas, como o Cerrado. "Grandes empresas que lidam com o agronegócio, que compram por exemplo a produção de soja dos proprietários rurais, alguns anos atrás fizeram um pacto para não comprar soja de área recentemente desmatada na Amazônia, mas eles não fizeram esse mesmo pacto para o Cerrado, como se ele não tivesse qualquer importância ambiental. Então parte do desmatamento do Cerrado pode ser desse deslocamento da produção de grãos", explicou Ricardo Bomfim Machado.

De fato, o Brasil recebe a cúpula com melhora no combate ao desmatamento na Amazônia, mas com dados preocupantes de outros biomas, como Cerrado, que já perdeu 52% de sua área. O professor de zoologia explicou que, ao contrário da floresta, no Cerrado a terra está nas mãos de proprietários particulares que, por lei, podem usar de 65% a 80% da área para a produção. Por isso, defende que o governo implemente políticas públicas, como acesso a crédito mais barato, para quem produzir nesta região sem destruí-la.

"O norte do Cerrado foi indicado há alguns anos pelo próprio Ministério da Agricultura e Embrapa como área prioritária para expansão do agronegócio, na confluência de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Só que estamos aplicando aí a mesma política que devastou essa vegetação em outros estados, como São Paulo, Minas, Mato Grosso do Sul, Goiás. Estamos jogando fora a biodiversidade para plantar soja e colocar boi. E olha, o Cerrado responde por 5% de toda biodiversidade, de fauna e flora, do planeta. Há espécies que só existem nele. Veja que o Brasil inteiro detém de 12% a 15% da biodiversidade mundial. O Cerrado tem peso muito grande nisso aí".

Por: Raquel Miura

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