VOLTAR

Cuidado com a moratória nuclear

O Globo, Opinião, p. 6
15 de Mai de 2012

Cuidado com a moratória nuclear

É essencial o planejamento no setor elétrico, devido ao tamanho das obras e ao tempo de execução dos projetos. Termelétricas são erguidas em prazos menores, mas como o Brasil depende bastante de hidrelétricas - aspecto muito positivo, por ser a mais limpa fonte de energia e de custo mais baixo, em geral -, é necessário sempre antever o mercado com pelo menos uma década de antecedência.
Na semana passada, ao falar sobre as perspectivas do setor, o secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia, Márcio Zimmermann, confirmou, na prática, a adesão do Brasil a uma espécie de moratória nuclear, deflagrada em vários países depois do acidente de Fukujima, no Japão. Inclusive este país.
O ministério formalmente nega a adesão à moratória, mas ela é evidente. Entre vários estudos, alguns estimavam cenários com novas usinas operando a partir de 2020. Mas, até 2021, o país não construirá nenhuma nova unidade, apenas finalizará Angra 3 - reator mais moderno que os de Fukujima, sem possibilidade de enfrentar os mesmos problemas (e terremotos e tsunamis não são ocorrências cotidianas). É possível que, para o horizonte de 2030, afirmou Zimmermann, sejam previstos um mínimo de quatro e um máximo de oito termonucleares.
Mas é preciso combinar com os fatos. Se der certo o plano do governo de a economia alcançar uma taxa de crescimento sustentado na faixa de 4,5%/5% ao ano - é geral a torcida para o alcance da meta -, estima-se que o país vá necessitar, a cada ano, acrescentar ao parque instalado aproximadamente 4.500 MW, o equivalente a uma usina Belo Monte a cada doze meses, com base na produção média da hidrelétrica do Xingu.
Ora, como é grande e talvez cresça a oposição de ambientalistas à exploração do enorme potencial hidrelétrico, o país estará numa situação complicada do ponto de vista do abastecimento de energia. O potencial de produção por usinas hidrelétricas é estimado em 260 mil MW, dos quais 80 mil são explorados. Mas como a maior parte deste inventário se encontra na Amazônia, não será possível explorar todo o potencial da região - por resistência de ambientalistas e também razões técnicas. Mesmo assim, a estimativa oficial é que será possível dobrar a geração para 160 mil MW, ainda contando basicamente com hidrelétricas.
A considerar a batalha política que foi a aprovação do projeto de Belo Monte, por exemplo, não se deve esperar que os MW amazônicos serão líquidos e certos, estarão disponíveis na rede de distribuição tão logo sejam necessários.
Eis por que a alternativa nuclear não deve ser descartada para horizontes de tempo não tão distantes. Variações meteorológicas, com secas mais persistentes que o normal, costumam criar problemas no abastecimento de energia. Agora, o Sul, em que os reservatórios estão muito baixos por falta de chuvas, tem sido abastecido pelo Sudeste e o Uruguai. O presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, pede a construção de termelétricas para servir de retaguarda no suprimento de energia ao Sul. "Preferimos o gás natural ou o GNL (gás natural liquefeito), mas, se não puder, por que não o carvão?"
Eis o ponto: com dificuldades políticas de expandir o parque de hidrelétricas no Norte e a demonização das termonucleares, o Brasil avança para "sujar" a matriz energética. Por ironia, em nome da preservação do meio ambiente, poluirá mais.

O Globo, 15/05/2012, Opinião, p. 6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.