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Cubatao. Beleza alem da chamine

OESP, Metropole, p.C8
31 de Jul de 2005

Cubatão. Beleza além da chaminé
Após trauma da explosão na Vila Socó, em 1984, cidade aposta na vocação turística, com suas cachoeiras e manguezais
Rosa Bastos
Um outdoor de 12 por 4 metros, colocado sexta-feira no começo da subida da Rodovia dos Imigrantes, anuncia que uma nova indústria - a do turismo - está chegando a Cubatão. É isso mesmo. A cidade, que já teve os títulos de mais feia e poluída do mundo, que foi chamada de Vale da Morte e pesadelo das mães (cujos filhos nasciam sem braços e sem cérebro), quer dar a volta por cima e mostrar que tem qualidade ambiental para dar e vender. Cubatão quer que se veja a beleza que há além da fumaça das suas chaminés.
"Das nove cidades da Baixada Santista, só Cubatão não é estância turística", diz o prefeito Clermont Silveira Castor (PL). "Mas, se não tem praia, sobram belezas naturais como a Serra do Mar, as cachoeiras e os manguezais. Com tudo isso, por que Cubatão não pode ser um pólo de ecoturismo?" Caída a ficha, alugaram vans e barcos e estão convidando agentes de viagem para conhecer a região. A idéia é que, por exemplo, numa viagem ao Guarujá, se inclua uma visita a Cubatão para conhecer a natureza que por pouco a indústria não destruiu com chuva ácida, um dos venenos responsáveis, nos anos 70, pelos bebês malformados.
Decidido a reforçar o slogan de "Vale da Vida" que a cidade adotou, o secretário de Cultura e Turismo, Carlos Gilberto de Freitas, vai lançar, em duas semanas, o Projeto Turístico Muito Prazer, a ser testado com os próprios moradores. Em princípio, serão três roteiros básicos: o Parque Ecológico Perequê - santuário encravado no meio das indústrias -, a Cachoeira Véu da Noiva, com queda de 60 metros, e os manguezais, onde se encontra o guará-vermelho, ave migratória que precisa de ambiente limpo para viver. O guará é a maior prova de que Cubatão vai bem, obrigado.
E ainda há para se conhecer o Parque Ecológico Cotia - Pará, o Parque Anilinas (53 mil m2 de área verde no centro da cidade) e o Núcleo de Preservação da Serra. Sem falar nos monumentos históricos do Caminho do Mar, entre eles a Calçada do Lorena - a ligação mais importante entre o Planalto de Piratininga e o Porto de Santos, no fim do século 18; o Pouso de Paranapiacaba - ponto da serra de onde se avista o Atlântico pela primeira vez e o Rancho da Maioridade, construído em 1846, em curva acentuada do Caminho do Mar, para visita da família real a São Paulo .
"As pessoas vêem as fábricas, montes de chaminés, e torcem o nariz, mas isso pode ser revertido", acredita Petrônio Hipólito, coordenador de Comunicação e Relações Institucionais da Copebrás, uma das 25 indústrias do pólo petroquímico instalado na região desde 1955 e responsável pela imagem pouco atraente da cidade. "Fica pertinho de São Paulo (a 57 quilômetros) e tem muitos recursos inexplorados." Para ele, que mora na capital e trabalha em Cubatão, hoje se respira um ar muito melhor lá do que aqui.
O engenheiro Marcos da Silva Cipriano, gerente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) naquele município confirma: "O ar da área urbana de Cubatão é melhor do que o da região metropolitana de São Paulo". No ano passado, havia 30 microgramas de material particulado por metro cúbico na atmosfera, bem abaixo do padrão estabelecido pela lei, que é de 80 para partícula total em suspensão e de 50 para partícula inalável.
Esse dado é um dos melhores de todo o programa de controle da Cetesb, iniciado na década de 80, quando a poluição na cidade chegou ao patamar mais crítico. Naquela época, eram despejadas no ar cerca de 250 microgramas de partículas por metro cúbico. Respirava-se dióxido de enxofre, óxido de nitrogênio, monóxido de carbono, metano, hidrocarbonetos e ozônio. A Cetesb identificou as indústrias poluidoras e exigiu a instalação de filtros para reduzir as emissões. Hoje, a concentração de poluentes é de 85 a 88 microgramas por metro cúbico na área industrial.
Cipriano diz que ao longo dos anos a região mudou. "Hoje, não são mais as empresas a principal fonte de emissão de material particulado e sim os caminhões que trafegam ao redor do pólo industrial, na Vila Parisi." Quanto à fumaça das chaminés - a primeira e mais forte imagem que se tem de Cubatão -, ele diz que não é poluição, mas vapor condensado. "Óbvio que no processo industrial podem haver oscilações que acabam gerando algumas emissões, principalmente da indústria de fertilizantes, mas a dispersão é rápida."
Nos anos 80, o ar e a água de Cubatão eram poluídos ao extremo, mas havia um problema maior: a Vila Socó, favela que se ergueu pouco a pouco sobre palafitas, no mangue, em meio aos oleodutos da refinaria da Petrobrás. Meses antes, o secretário especial do Meio Ambiente, Paulo Nogueira Neto, havia advertido que Cubatão era um barril de pólvora. "Se houver vazamento de um oleoduto ou deslizamento na serra, será uma tragédia." Ninguém ligou.
Na noite de 24 de fevereiro de 1984, fecharam uma válvula em uma ponta do duto. Na outra, começaram a bombear gasolina - até que o cano se rompeu na parte mais fraca, corroída pela ferrugem, na altura da Vila Socó. Sem saber do perigo, os moradores ainda encheram latas e galões de combustível e levaram para casa. Então, a bomba explodiu. Foram 93 mortos e 1.200 casas queimadas.
Mais do que as imagens terríveis, foi o cheiro de gasolina que ficou gravado, de forma indelével, na memória de Ednei Manoel dos Santos, de 30 anos, da noite em que a Vila Socó, onde morava, se acabou num incêndio. Era aniversário dele, 9 anos, e estava com o pai, Joaquim, presidente da associação do bairro, cargo que também tinha sido da avó, Bernadete Gertrudes, e que Ednei ocupa hoje. "O fogo chegou a duas casas da nossa. Na minha classe, havia 31 alunos e só 16 voltaram."
Como a avó e o pai, Ednei vive metido em reuniões na prefeitura cobrando melhorias no bairro. Já conseguiu várias, mas ainda faltam as escrituras das casas que receberam da Petrobrás em troca das perdas e danos. Tantas que os sobreviventes nem gostam de lembrar. "Acordei cercada pelo fogaréu, corri, caí dentro da lama com meu filho pela mão. Até o outro dia de tarde não sabia onde estavam os outros filhos (tem três) que tinha deixado com a sogra", lembra Maria José dos Santos, de 40. Estavam todos salvos.
Maria Luiza Araújo, de 70, que perdeu a casa, mudou-se para a Vila Nova. A filha dela, Maria Gisélia Pereira, de 47, continua lá, onde ainda passam os canos da Petrobrás. "Nem posso sentir cheiro de gasolina que fico apavorada", diz Gisélia.
Rodrigo dos Santos e Santos, de 30, também tinha 9 na época da tragédia. Alguém bateu na porta e gritou: "Fogo, Cosipa! Pega sua família e foge que a vila está queimando." Cosipa era o apelido do pai dele, o metalúrgico Antonio Belarmino dos Santos. Ele mandou a mulher, que estava grávida, e a filha correrem para o Forte Apache, posto rodoviário da Dersa. Pegou um carrinho de feira e botou um aparelho de som que adorava e atravessou a maré para encontrar os parentes. "Foi que nem a bomba de Hiroshima, um cogumelo", conta Roberto Raimundo dos Santos, de 48, que hoje vive no Jardim Casqueiro. "Meu pai, baiano precavido, sentiu o cheiro da gasolina e disse: 'Nessas horas a gente não leva móvel, só documentos'."
Carlos Alberto Ferreira, gerente de Comunicação da Petrobrás, diz que a empresa apóia o projeto turístico. E acha que se deve esquecer o passado e olhar para uma nova Cubatão.

OESP, 31/07/2005, p. C8

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