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Crise não derruba consumo de água

O Globo, País, p. 10
24 de Mai de 2015

Crise não derruba consumo de água
Gasto per capita em SP segue acima da média nacional apesar da seca no estado

TIAGO DANTAS
Enviado especial
tiago.dantas@sp.oglobo.com.br

O consumo de água por habitante na Grande São Paulo continua mais alto do que a média nacional, embora o estado enfrente o segundo ano da pior crise de falta d'água de sua história. A taxa chegou a 187 litros por habitante em 2015, de acordo com cálculo feito pelo GLOBO com base em critérios adotados pela Agência Nacional de Águas (ANA), e levou o presidente da entidade, Vicente Andreu, a lançar um alerta.
A média brasileira é de 166 litros de água por habitante ao dia, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades - a última pesquisa disponível é de 2013. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda o uso de 110 litros por dia, índice que é alcançado por alguns países que convivem com situação de stress hídrico. Em maio, 55,7 mil litros de água, em média, foram retirados a cada segundo dos oito mananciais que abastecem a região metropolitana de São Paulo, onde vivem 19,4 milhões de pessoas.
- Para continuarmos enfrentando essa crise, é preciso mudar o padrão de consumo nas principais cidades do país. Em São Paulo, praticamente não houve alteração, mesmo durante a maior crise dos últimos 84 anos - disse Andreu, em reunião do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em Petrolina (PE), na última quinta-feira.
O presidente da ANA citou como exemplo o consumo médio do sistema Cantareira, um dos maiores e mais atingidos pela seca em São Paulo. Segundo seus cálculos, dividindo-se a produção diária de água do manancial pelo número de pessoas que são abastecidas por ele chega-se à taxa de 211 litros por habitante ao dia. Andreu explica que a conta é uma estimativa e que as perdas por vazamento e furto de água não entram no cálculo.
Para a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) houve, sim, redução no consumo: 82% dos usuários economizaram água durante o mês abril. Desde fevereiro do ano passado, a companhia oferece descontos na conta de luz para quem atinge essa meta. O incentivo, de acordo com a Sabesp, gerou economia média de 6,2 mil litros por segundo de água no último mês. Em 11% das faturas de abril, porém, os usuários aumentaram o gasto. Especialistas dizem que a maior parte da economia vem da estratégia de reduzir a pressão de água nos canos de distribuição. Se por um lado a tática reduz vazamentos, por outro corta o abastecimento em áreas mais altas e distantes, o que é entendido por muitos moradores como racionamento.
Embora as chuvas do primeiro trimestre tenham ficado dentro da média histórica do verão, elas não foram suficientes para recuperar a situação dos dois maiores reservatórios de água da Grande São Paulo. Em 22 do maio do ano passado, o Cantareira estava com 25,8% da sua capacidade e havia começado a captar água do volume morto havia seis dias. Na sexta-feira, a taxa estava em 19,7%, sem que o volume morto tivesse sido recuperado. Já o sistema Alto Tietê variou de 31,7% para 23,1% em um ano.
NO NORDESTE, SECA CONTINUA
A utilização do volume morto do segundo maior lago artificial do Brasil, Sobradinho, no norte da Bahia, já começou a ser discutida pelos conselheiros da Bacia do Rio São Francisco. Uma projeção feita pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) indica que o lago pode secar em outubro se a vazão não for alterada e continuar nos atuais 1.000 metros cúbicos por segundo. Se o nível chegar a0%, a usina hidrelétrica instalada no lago não seria mais capaz de gerar energia. Como o sistema elétrico é interligado, os impactos poderiam ser sentidos em todo o país. Há uma quantidade significativa de água, porém, que ainda poderia ser direcionada para o abastecimento humano.
- Já tivemos dois anos consecutivos críticos. Não tenho dúvidas de que 2015 vai ser o terceiro ano consecutivo crítico, superando o triênio 1953-5455, o pior da série histórica de chuvas - disse Giovanni Acioli, gerente do núcleo Norte-Nordeste do ONS, também durante a reunião do comitê.
REDUÇÃO DA VAZÃO
No ano passado, a vazão do Rio São Francisco na região de Sobradinho já havia sido reduzida de 1.300 metros cúbicos por segundo para 1.100. Segundo Acioli, se a medida não tivesse sido tomada, o lago de Sobradinho poderia estar seco desde o fim do ano.
A proposta que está sendo discutida por ANA, comitê e ONS é reduzir novamente essa vazão, agora para 900 metros cúbicos por segundo. Neste cenário, Sobradinho chegaria a novembro com 5% de água armazenada. A alternativa desagrada associações de barqueiros e pescadores do Médio e do Baixo-Médio São Francisco. Segundo eles, suas atividades serão afetadas com a redução da vazão.
Além da seca, que pode ser a pior dos últimos 62 anos, o comitê do São Francisco está preocupado com o aparecimento de uma mancha escura de quase 30 quilômetros de extensão próximo a Xingó, em Alagoas. Análise feita pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) revelou que a mancha, que surgiu em abril e já provocou a interrupção do abastecimento de oito cidades alagoanas, é causada por uma superpopulação de cianobactérias, que podem ser tóxicas. Um tipo parecido de cianobactéria causou a morte de 60 pacientes renais em Caruaru em 1996.
A Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf ) foi multada em R$ 650 mil por ter sido apontada como responsável pelo dano. A abertura das comportas da represa de Paulo Afonso teria liberado material orgânico para o rio. Autoridades locais discutem soluções para o problema. A mais viável é aumentar a vazão do rio para que a cianobactéria não fique concentrada, o que deve ser difícil devido à seca.

O Globo, 24/05/2015, País, p. 10

O repórter viajou a convite do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

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