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A crise do gás

OESP, Notas e Informações, p. A3
26 de Fev de 2010

A crise do gás

As Federações das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e do Rio (Firjan), o Fórum Nacional dos Secretários de Energia e outras seis associações estão protestando contra os altos preços do gás natural, que inibem os investimentos das empresas que precisam do insumo. Há, inegavelmente, um fato estranho, pois a oferta de gás supera a demanda, mas os preços - fixados pela Petrobrás - mantêm-se elevados e, quando caem, a queda é menor do que a das cotações internacionais do petróleo, que são referência para o gás.

O Brasil importa 21 milhões de m³/dia de gás da Bolívia, por contrato, o que corresponde a cerca da metade do consumo nacional. O restante é produzido quase totalmente pela Petrobrás. A importação do gás também é feita pela Petrobrás, que o revende às distribuidoras por US$ 4,82 o milhão de BTUs e cobra mais US$ 1,74 pelo transporte pelo gasoduto Bolívia-Brasil, controlado pela estatal.

Somando os impostos e a margem de lucro das distribuidoras, o preço final para os grandes consumidores industriais chegou a US$ 15,96 o milhão de BTUs, em novembro, segundo o Instituto Brasileiro do Petróleo. No Nordeste, o preço do gás natural produzido pela Petrobrás alcançou US$ 17,1 o milhão de BTUs para as grandes indústrias.

Além de importar, produzir e controlar o Gasoduto Bolívia-Brasil, a Petrobrás controla a rede nacional de gasodutos, cujo ritmo de expansão depende das disponibilidades da estatal. Na prática, a Petrobrás define os preços e fixa as margens, sem dar satisfações nem se sujeitar à concorrência.

O aparato legal tampouco estimula a concorrência: no ano passado foi aprovada a Lei do Gás, mas até agora ela não foi regulamentada. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) não abriu licitações para a construção de novos gasodutos ? nem se sabe se haveria grupos privados interessados em investir neles. A Petrobrás tem participação majoritária em 6 das 12 transportadoras autorizadas a construir ou operar gasodutos, e, em 3 delas, sua participação é de até 50%.

Em 2009, segundo o Boletim Mensal de Acompanhamento da Produção de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, a produção brasileira foi de 57,9 milhões de m³/dia, em média. Mas mais da metade do gás foi reinjetada nos poços, queimada ou consumida nas atividades de exploração e pesquisa da Petrobrás ? um volume, aparentemente, muito elevado. A oferta de gás nacional no mercado nacional limitou-se a 22 milhões de m³/dia.

Entre 2008 e 2009, segundo a ANP, houve queda de 24,5% no volume de gás importado da Bolívia e diminuição de 43,5% nos gastos com a aquisição do insumo, de US$ 3,028 bilhões para US$ 1,708 bilhão. O consumo e a importação de gás natural declinaram, mas mesmo assim companhias interessadas em contratar a compra do insumo no longo prazo não são atendidas pela Petrobrás, caso das indústrias químicas. Ronaldo Alcantara, diretor industrial da empresa Cristal Global, com fábricas na Austrália, França, Inglaterra e Rússia e única produtora de dióxido de titânio na América do Sul, declarou que "seguramente estamos pagando o gás natural mais caro em relação a todos os lugares onde atuamos". O sócio-diretor da consultoria Gás Energy, Marcos Aurélio Tavares, enfatizou: "O setor vive um momento perverso, com alta dos preços, queda no consumo e falta de planejamento e perspectiva para desenvolver o mercado nacional."

Nos últimos anos, o Brasil investiu pesadamente em blocos marítimos com grande potencial de extração de gás, mas, no início deste mês, a Petrobrás anunciou o adiamento, de 2010 para 2014, da extração máxima do insumo do Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos.

Reduziu-se, portanto, o interesse da Petrobrás em investimentos em gás. A empresa, temerosa da falta de retorno no prazo desejado, está mais interessada em outros projetos. Ainda assim, a estatal mantém presença avassaladora no mercado do gás, o que explica a maratona dos empresários aos Ministérios, ao Congresso, à agência reguladora e aos órgãos da defesa da concorrência, na tentativa de criar concorrência e favorecer a queda de preços.

OESP, 26/02/2010, Notas e Informações, p. A3

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