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Crime contra o cerrado

CB, Cidades, p. 26
18 de Mai de 2007

Crime contra o cerrado
Ibama-DF fecha três carvoarias clandestinas que destruíam a vegetação nativa e derrubavam árvores ameaçadas de extinção

Adriana Bernardes
Da equipe do Correio

O cerrado, um dos biomas mais ameaçados do planeta, está desaparecendo em Monte Alegre de Goiás (GO). Diariamente a vegetação nativa é arrancada e queimada em fornos de tijolos. A suspeita é de que o carvão seja usado para alimentar siderúrgicas mineiras e goianas. Somente nesta semana, a superintendência regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama-DF) interditou três carvoarias no município. Nenhuma delas apresentou a Licença de Exploração Florestal. Mesmo assim, os fiscais encontraram grandes áreas desmatadas e trabalhadores carregando as toras para os fornos.

O combate aos carvoeiros começou em 3 de abril após denúncias anônimas. O balanço parcial é de cinco carvoarias desativadas e 174 fornos lacrados até agora na região, que fica a 360km do DF, que tem o cerrado como vegetação predominante. Em uma única fazenda havia 65 fornos em operação. Os crimes ambientais, no entanto, vão além. Em uma das propriedades, as marcas nas árvores derrubadas denunciam o uso de uma técnica proibida por lei. É o correntão. Os lenhadores amarram uma corrente a dois tratores e, à medida que as máquinas rodam, tudo o que existe pelo caminho é arrastado. Além disso, espécies como a aroeira, o pequizeiro e o ipê, cujo corte é proibido por lei, estão sendo derrubadas indiscriminadamente.

Na última quarta-feira, os fiscais do Ibama estiveram no município para verificar a existência de duas carvoarias irregulares, mas, no fim do dia, uma terceira foi localizada quase por acaso, enquanto eles procuravam o endereço. Com informações imprecisas, o primeiro desafio dos fiscais é localizar os fornos dentro da propriedade. Depois de mais de uma hora de procura, uma fumaça denuncia que a queima de madeira está próxima. O primeiro flagrante ocorreu na fazenda Mucambo, onde 16 fornos eram alimentados pelos trabalhadores, a 12km da cidade.

O barulho da motosserra comprovou que a vegetação do cerrado era derrubada para produzir carvão. Só de pequizeiro, espécie protegida por lei goiana, havia 15 árvores no chão. Ao todo, 12 homens trabalhavam no local, segundo eles, havia duas semanas. Nenhum deles tinha carteira de trabalho assinada. Na relação informal de trabalho, quanto mais produzem carvão, mais recebem. "É R$ 6 por metro cúbico. Toda semana a gente entrega um caminhão carregado. Cabem uns 90 metros cúbicos em cada um", afirmou o carvoeiro Edilson da Silva Santos, 29 anos. Ou seja, uma carreta cheia rende até R$ 450 para serem divididos entre os 12. Edilson disse que a produção é enviada para siderúrgicas em Sete Lagoas (MG), a 70km de Belo Horizonte.

Ao Ibama, os homens disseram que os fornos funcionavam há três meses em outra área da fazenda, mas foram desativados e remontados ali para ficar longe das árvores que seriam queimadas. O cortador de lenha Vicente Paulo Alves da Silva, 33 anos, apresentou dois papéis emitidos pela Agência Goiana de Meio Ambiente: a Licença de Exploração Florestal e o Certificado de Registro/Licenciamento da Carvoaria. O primeiro venceu em 26 de abril de 2005. O segundo tem validade até janeiro de 2008.

Os técnicos do Ibama não descartam a fraude na documentação ou erro por parte do órgão ambiental de Goiás. "Por que a agência goiana emitiria uma licença para carvoaria com base num processo de exploração florestal vencido? Tem alguma coisa errada nisso tudo", afirmou o fiscal do Ibama-DF Mauro José Lelis.

As outras duas carvoarias foram encontradas a 80km de Monte Alegre de Goiás. Elas também foram interditadas por falta de documentação que permita a atividade. Na fazenda Riacho Fundo, os 23 fornos estavam em plena operação. Na fazenda Bezerra, foram localizados outros 20 fornos.

O que diz a lei

A Lei no 12.596, em vigor desde 1995, criou a Política Florestal de Goiás. A legislação proíbe o uso de produtos de origem florestal nativa para abastecer o mercado. Isso significa que a vegetação não pode ser cortada para a produção de carvão. Os consumidores foram divididos em grandes (siderúrgicas, por exemplo) e pequenos (como as pizzarias e padarias). Os grandes ganharam prazo de sete a 10 anos para usar madeira de área cultivada, as florestas de eucaliptos, por exemplo. Os pequenos passaram a pagar uma taxa ao governo para usar a lenha. O prazo para que os grandes consumidores se adequassem venceu em 2005. Desde então, só se pode produzir carvão de madeira cortada até 31 de dezembro de 2004. Novos desmatamentos para essa finalidade estão proibidos.

Queimadas proibidas
O governo goiano desconhece licenças de Exploração Florestal emitidas a partir de 2005 com a finalidade de produção de carvão. A Agência Goiana de Meio Ambiente admite conceder licenças para o funcionamento de carvoarias mas, segundo o diretor de Qualidade do Meio Ambiente do órgão, Roberto Freire, o documento não dá o direito de desmatar o cerrado para depois queimá-lo. "As permissões que concedemos são só para a queima de lenha extraída até o dia 31 de dezembro de 2004", assegurou.

Em 1995 o governo goiano editou a Lei no 12.596, que criou a Política Florestal de Goiás (leia ao lado). A legislação tem como principal finalidade reduzir o desmatamento do cerrado. "A carvoaria que usar lenha cortada de 2005 para cá está cometendo um crime. Não importa se é pequeno ou grande consumidor", alertou. No entanto, o órgão ambiental permite ao fazendeiro substituir o cerrado por pastagem. Mesmo nesses casos, a mata nativa derrubada só pode ser transformada em carvão se o Ibama autorizar. "Se isso está acontecendo, tanto o fazendeiro quanto o carvoeiro poderão ser punidos", afirmou Freire.

Os técnicos do Ibama também encontraram uma estrada de 5,5 km de extensão, aberta sobre em uma área de proteção ambiental há cerca de seis meses. Eles suspeitam que o proprietário não tenha autorização. Em todos os casos eles farão um laudo para avaliar os prejuízos ao meio ambiente. Os responsáveis terão 15 dias para entregar os documentos que autorizam a atividade. "Essa é uma situação muito nebulosa. Eles (envolvidos na produção do carvão) estão fazendo mutreta para burlar a lei e atropelar o processo. Mas serão pegos e punidos", avaliou o superintende do Ibama-DF, Francisco Palhares. (AB)

CB, 18/05/2007, Cidades, p. 26

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