VOLTAR

CRIME AMBIENTAL Contra-ataque na floresta

Jornal de Brasília
Autor: Carlos Carone e Cristiano Mariz
19 de Fev de 2007

Plantações de maconha que se perdem no horizonte, extração ilegal de madeiras de lei e exploração de mão-de-obra escrava e infantil. Esses são apenas alguns dos combustíveis que alimentam a engrenagem criminosa instalada em uma das áreas de proteção ambiental mais ricas do País.

A Reserva Biológica do Gurupi, localizada próxima à cidade de Imperatriz, no Maranhão, já teve quase 75% de sua fauna e flora destruídas por posseiros que tomaram conta da reserva. A região é considerada por muitos ambientalistas como uma das últimas fronteiras da Floresta Amazônica Oriental.

Para acabar com a atividade criminosa no local, teve início ontem uma megaoperação, da qual fazem parte fiscais e analistas ambientais do Ibama, soldados do 50o Batalhão de Infantaria de Selva (50 Bis) do Exército, policiais rodoviários federais e agentes da Polícia Federal.

Satélite
Desde a semana passada, o Jornal de Brasília vem acompanhando, com exclusividade, todos os preparativos para a operação avaliada R$ 4 milhões de retomada da reserva. Mais de 100 homens divididos em 20 equipes percorrerão todo o perímetro da área, que equivale a uma área de 350 mil hectares. A reserva do Gurupi é cerca de dez vezes maior do que o Parque Nacional de Brasília, que possui 30 mil hectares. A direção do Ibama começou a planejar a ação há cerca de um ano, quando teve acesso a fotos de satélite que apontaram o desmatamento indiscriminado que ocorre na reserva.

Agentes do Serviço de Inteligência do Ibama passaram dias na região e identificaram a existência de uma rede criminosa que atua na reserva. Madeireiros, posseiros e até chefes de duas etnias indígenas que vivem no local faturam milhares de reais derrubando árvores de madeira nobre como jatobá, ipê, cedro e mogno.

Sem-terra
No início dos anos 90, o poder de fogo dos criminosos chegou a expulsar um grupo de fiscais do Ibama que tomava conta da reserva biológica. Atualmente, cerca de 8 mil pessoas vivem dentro de uma área onde deveria existir apenas a presença de animais considerados em extinção e vegetação nativa da floresta amazônica. Informações de um relatório sigiloso feito pelo Ibama dão conta até de que foram construídos assentamentos de sem-terra dentro da reserva.

A delimitação de cada área da reserva a ser desmatada é feita a bala, literalmente. Extratores, posseiros, índios, todos, sem exceção, circulam pela reserva com armas na cintura. Um grande esquema de segurança foi montado pelos próprios exploradores da madeira. O pequeno município de Buriticupú, a última cidade antes da estrada de terra batida que dá acesso à reserva do Gurupi, serve como uma espécie de fortaleza e posto de vigilância utilizada pelos posseiros para identificar qualquer pessoa que pretenda entrar na reserva biológica sem a devida permissão.

Capangas decidem quem entra
Durante o tempo em que funcionários do Ibama que pertencem ao Serviço de Inteligência do órgão estiveram circulando pela cidade de Buriticupú, alguns homens identificados como empregados dos maiores exploradores de madeira da região abordaram os funcionários do instituto. "É como se todas as pessoas de fora da cidade fosse proibidas de circular pela região", explicou um dos funcionários do Ibama que esteve em Buriticupú.

Os seguranças dos posseiros que ocupam a Reserva do Gurupi querem saber de onde os forasteiros são e o que eles pretendem fazer na cidade. Dependendo da resposta, ou da aparência suspeita, todos são convidados a se retirar da cidade. "Caso a pessoa decida desafiar os pistoleiros, ela pode nunca mais voltar para casa", revelou o analista ambiental que coordena a operação e que também já sofreu duas ameaças de morte de posseiros. Quem consegue ganhar a confiança dos pistoleiros e seguir em direção à reserva ambiental, precisa cruzar uma segunda barreira.

O poder financeiro e político dos exploradores da madeira fica claro quando se percorre alguns quilômetros pela excelente estrada que liga a cidade de Buriticupú à reserva biológica do Gurupi. Os posseiros organizaram um consórcio entre eles para terraplanar a rodovia e facilitar a passagem das carretas que transportam as toras.

Eles também construíram um pedágio na estrada, já bem próximo da entrada da reserva. "Quando nossa equipe de inteligência foi fazer o levantamento da área, teve que pagar R$ 6 aos posseiros para cruzar o pedágio. Eles nos entregaram até um recibo", disse o coordenador da operação. Existem provas antigas de que a morte é destino mais provável de quem tem a coragem de cruzar a frente dos posseiros. Um cemitério clandestino com 53 ossadas foi descoberto e denunciado à Justiça e à Polícia Federal.

Regime escravo
Fiscais dizem que pelo menos 300 madeireiras espalhadas pelo Maranhão e Pará só trabalham com madeiras retiradas ilegalmente da reserva biológica. "É impossível determinar a quantidade de árvores que já foram cortadas, mas o certo é que dezenas de carretas carregadas de toras são retiradas mensalmente da reserva", disse.
Entretanto, a cidade de Buriticupú não serve apenas de fortaleza para os exploradores da madeira. Centenas de moradores do local trabalham em regime análogo de escravatura. Os posseiros pagam cerca de R$ 5 para os moradores locais ajudarem na derrubada das árvores. Os pais também acabam levando seus filhos para ajudar na extração, caracterizando também o regime de exploração de trabalho infantil. A cidade é extremamente pobre. A maioria das casas é feita de pau-a-pique e muitos dos moradores ficam reféns dos posseiros que são donos da maioria dos armazéns das cidades. Os empregados não ganham o suficiente para comprarem os mantimentos necessários para seus sustentos e acabam contraindo dívidas impagáveis com seus chefes.

Outros crimes graves também ocorrem no local onde deveria servir apenas de santuário para animais e plantas nativos da Floresta Amazônica. Duas etnias indígenas que vivem no lado leste da reserva também ganham dinheiro com o cultivo de maconha. Os traficantes entram nas reservas indígenas apenas para recolher a droga e distribuí-la para estados do Nordeste e Sudeste.

Carretas são apreendidas
Na noite de terça-feira, dia 13, a operação começou a ser desencadeada na região do entorno da Reserva Ambiental do Gurupi. Várias barreiras foram montadas pela Polícia Rodoviária Federal em pontos estratégicos ao longo da Rodovia BR-010, que liga o Pará ao Distrito Federal. Os motoristas das carretas que transportam as toras retiradas da reserva utilizam a estrada com freqüência para entregar a madeira em diversas cidades no interior de São Paulo.

Em apenas algumas horas da operação acompanhada pela reportagem do Jornal de Brasília, o policiais apreenderam sete carretas totalmente carregadas. "O fluxo de caminhões transportando madeira nesta rodovia é impressionante. A cada cinco minutos alguma delas passa pelo posto da Polícia Rodoviária Federal", disse o policial rodoviário José Carlos Santos.

Cada uma das carretas apreendidas transportava cerca de 30 metros cúbicos de madeira. O carregamento completo é avaliado em cerca de R$ 100 mil. Segundo um dos motoristas que foram detidos com a carga ilegal, Genivaldo da Costa, 26 anos, os madeireiros pagam cerca de R$ 700 para os caminhoneiros que decidem arriscar transportar a madeira pela rodovia até seu destino.

"Não sabemos de onde vem a madeira. Nós só levamos o carregamento direto para as serralherias", disse. O motorista revelou também que existem cerca de 300 serralherias que compram as madeiras dos posseiros. A maioria das carretas transportava o chamado carregamento "mistão", um conjunto de toras de espécies variadas da flora amazônica. Os fiscais do Ibama identificaram a madeira como sendo das espécies sapucaia, estoupeira e jatobá.
Chefe do Ibama marcado para morrer

O chefe da unidade biológica do Gurupi, Ivane Alves Lisboa, acompanha de perto toda a atividade criminosa que ocorre na área de proteção ambiental. Em 2004, depois que a equipe do Ibama que preservava a região foi expulsa à bala pelo grupo de posseiros e extratores de madeira que invadiram o santuário ecológico, Ivane foi designado pelo órgão para tentar retomar o controle do local. Nos últimos dois anos, o analista ambiental sofreu várias ameaças de morte e viu de perto a prática de crimes graves como tráfico e plantio de maconha, exploração de trabalho escravo e grilagem de terras em longa escala.

Segundo Ivane Lisboa, existem atualmente 460 famílias vivendo da reserva biológica. Todas foram assentadas no local pelo próprio governo do Maranhão. As famílias, beneficiadas pelo Instituto de Terras do Maranhão (Interma), ajudam a degradar o bioma do Gurupi, um dos santuários ecológicos mais raros do País. "Esses moradores que jamais poderiam estar assentados aqui acabam provocando queimadas para o plantio de maconha e produção de carvão", conta Ivane Lisboa.

O analista ambiental explica que existem várias plantações da droga espalhadas pelo meio da selva amazônica que existe dentro da reserva. Os moradores assentados contam com a ajuda da mata fechada para cultivar a maconha longe dos olhares das autoridades. "Para chegar até as plantações é preciso andar muitos quilômetros mata à dentro", explica o analista do Ibama. Esse não é o único meio usado pelos plantadores para esconder os pés de maconha.

"Vila da maconha"
Quase todas as plantações identificadas pelos fiscais do órgão ficam escondidas entre mudas de mandioca. "Quando avistamos a primeira plantação, tivemos que arrancar uma das folhas da droga e cheirar para ter certeza de que se tratava de maconha", lembra. Atualmente, o segredo sobre a existência das plantações se alastrou pela vizinhança de cidades próximas à reserva. O local passou a ser chamado pela população local de Vila da Maconha. As reservas indígenas das tribos Wúaa e Alto Cariaçu também foram identificadas como locais que servem para o cultivo e o plantio da droga.

Logo quando começou a trabalhar na proteção da reserva, Ivane atuava apenas para coibir a grilagem de terras na região. Ele procurava pessoas que moravam no local para fazer um cadastro sociofundiário. De acordo com o analista do Ibama, os conflitos entre os servidores do órgão e os posseiros estavam apenas começando. "Um posseiro chamado Gilberto Andrade possui um fazenda de 21 mil hectares dentro da reserva. Foi lá que eu encontrei um cemitério clandestino com 53 ossadas", conta Ivane. A descoberta foi feita no ano passado, durante uma operação que contou com a participação do Ibama, Polícia Federal e de procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) que investigavam denúncias de exploração de trabalho escravo e infantil dentro da reserva.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.