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Crescer e preservar a natureza

CB, Cidades, p. 26
20 de Fev de 2005

Crescer e preservar a natureza
Novo bairro de Brasília , o setor Noroeste, começa a ser criado e é cercado de cuidados para evitar danos ambientais, já que será instalado em meio a duas reservas : o Parque Nacional de Brasília e o Burle Marx

Cecília Brandim
Da equipe do Correio

Expectativa e preocupação com o meio ambiente marcam o nascimento de mais um bairro em Brasília, o setor Noroeste. Depois que a Secretaria de Meio Ambiente promoveu uma audiência pública para apresentar o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) da área, há 15 dias, o mercado imobiliário reagiu animado.
Mas o projeto de ocupação da região destinada à zona habitacional - que terá 20 quadras - dentro de 170 hectares, preocupa aos ambientalistas. O documento aponta que é possível construir um novo bairro, mas alerta que é preciso tomar providências para evitar danos ambientais (leia quadro na página 27). Tanto cuidado justifica-se porque os futuros moradores do setor terão vizinhos nobres como o Parque Nacional de Brasília e o Parque Burle Marx, antigo Parque Ecológico Norte. Os desafios para erguer um setor residencial que seja sustentável ambientalmente apontados no relatório passam pela construção de sistemas de abastecimento, esgotamento sanitário e redes pluviais que não causem impacto às unidades de conservação que cercam o Noroeste, e também pela criação de uma Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) do Ribeirão Bananal, para onde correm as águas da região. O manancial ainda abastece o Lago Paranoá e compõe um corredor ecológico para as espécies que habitam o Parque Nacional.
Recomendações que o EIA/Rima coloca como fundamentais ao sucesso do Noroeste. Porém, é no Burle Marx que se concentrará a maior parte dos esforços, caso o Governo do Distrito Federal decida acatar as recomendações do estudo.
Na área do parque, cuja poligonal foi ampliada de 174 para 308 hectares no começo de 2003, há sinais de degradação ambiental, invasores e ainda propriedades privadas que terão de ser removidas. Há trilhas abertas por carroças em toda a reserva, trechos onde a mata foi devastada e lixo espalhado pelos catadores de papel que circulam pelo local, que já foi, inclusive, ponto de extração indevida de areia. A destruição não poupou as cercas do Burle Marx, cujas grades foram roubadas. As pendências para a transformação da reserva em um espaço de preservação do Cerrado, lazer e convivência, começam com o seu registro em cartório. O limite do parque foi estendido, mas o documento do imóvel não foi atualizado. A mudança incorporou, entre outros imóveis, o depósito do Detran, na Asa Norte, e parte da área do Camping de Brasília. "Ampliamos até onde foi possível", diz o secretário Ênio Dutra, da secretaria de Administração de Parques (Comparques). Para que o plano diretor do Burle Marx seja cumprido (leia quadro), os estabelecimentos terão de ser removidos. "No caso do Detran, deixamos as negociações muito adiantadas. Há, inclusive, uma área para o órgão, no Setor de Oficinas Norte", garante o secretário. Mas a responsabilidade pela administração do parque é da Secretaria de Meio Ambiente, que estuda, inclusive, a hipótese de transferir sua sede para lá. Antes, porém, a família de Azerina e Sebastião Santos, ambos com 69 anos, deverá ser retirada do parque. Eles invadiram o lugar há 26 anos. Cultivam milho, feijão, mandioca, abóbora, manga, abacate e goiaba, em uma pequena chácara que fica a 200 metros dos lotes da 914 Norte.
Os barracos de madeirite, erguidos entre as árvores que dona Azerina plantou, são constantemente visitados por fiscais da Semarh e da Terracap, proprietária do terreno, e policiais. Movimento que mantém o casal na expectativa de ser expulso a qualquer momento. Azerina e Sebastião foram os únicos a resistir às ações de desocupação do Burle Marx. Outras famílias também viveram no lugar, mas apenas os dois conseguiram proteção judicial para ficar. Eles aguardam a conclusão do processo que pede indenização pela terra. "Avaliaram a área em R$ 60 mil", diz Sebastião, que sequer sabe o tamanho do terreno que ocupa. "Eu gostaria de sair para um lugar melhor, sei que não podemos ficar aqui. Estou velha, queria viver em uma casinha melhor, com mais conforto", afirma Azerina.

Onze famílias indígenas vivem na área

Próximo à cerca que divide o Cerrado entre o parque e o trecho que abrigará o Noroeste, há outro problema a ser resolvido antes da criação do novo bairro. São pelo menos 11 famílias de invasores indígenas, das etnias Guajajara, Fulni-ô, Tuxá, Pankararú e Kariri-Xocó. Nas imediações de uma das casas, cercas de arame e placas indicam que se trata de zona destinada aos índios. "Parque Indígena Bananal. Santuário Sagrado dos Pajés. Diretor Santxiê Tapuya. Proibido entrada", diz uma delas, que guarda a casa de Márcia Guajajara, 30 anos. "Daqui, nós só sairemos mortos", avisa a maranhense de Barra do Corda. Ela mora na mesma casa há oito anos com marido, filhos, cunhados, sobrinhos. Sobrevive da venda de artesanato produzido com as sementes recebidas de parentes que ainda se mantêm na tribo que deixou. "Vim pelo mesmo motivo do povo branco. Eles não andam atrás de serviço?", questiona.
Para a Secretaria de Meio Ambiente, a recuperação do parque não será um empecilho à construção do setor Noroeste. "Não acho necessário condicionar o projeto do bairro à recuperação e preservação daquela área", diz a secretária Vandercy Camargos. Há um mês, 80 servidores do GDF trabalham na limpeza e recuperação de áreas degradadas. Vandercy afirma que a polícia florestal também reforçou a segurança no parque para evitar o depósito de lixo. Depois de concluída a etapa de coleta de lixo, a Semarh deve recolocar as cercas roubadas e solucionar a pendência no registro do Burle Marx, segundo informou a secretária.
"No dia que me mandarem sair, vou chorar muito", diz Edinalva Cavalcante, 34 anos, da etnia Kariri-Xocó, que trabalha como diarista. Edinalva chegou com sua mãe há 30 anos. "Aqui ela plantou café, mandioca, pinha, banana, maracujá. É muito triste pensar que sairemos daqui", conta. Hoje, a diarista cria duas filhas e divide a pequena chácara com parentes. Mas a Funai garante que a ocupação não tem qualquer respaldo legal, porque não se trata de terra indígena.

CB, 20/02/2005, Cidades, p. 26

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