VOLTAR

Cresce destruicao da Amazonia

A Critica, Brasil, p.A7
31 de Dez de 2003

Cresce destruição da Amazônia
Para se ter uma idéia da devastação florestal, em um ano foi destruído o equivalente ao Estado de Sergipe. A vilã é a pecuária
Alarmado com o aumento do ritmo de devastação da Amazônia, o governo produziu um diagnóstico das causas do desmatamento. Os vilões são velhos conhecidos - a pecuária, a expansão da soja mecanizada, a extração ilegal de madeira, a abertura de estradas, os assentamentos da reforma agrária e a grilagem de terras.
0 diagnóstico foi preparado por técnicos de 12 ministérios e servirá de base para uma meta ambiciosa: substituir as tradicionais ações pontuais de fiscalização e preservação por um programa integrado que envolva todas as esferas do governo. A lógica é simples, ainda que de difícil execução: compatibilizar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
Como tudo na Amazônia, o desafio é gigantesco. Só no período de agosto de 2001 a agosto de 2002 foram destruídos 25.500 quilômetros quadrados de floresta, o equivalente a uma área maior do que Sergipe. Esse dado só perde para o registrado em 1995, quando a devastação chegou a 29 mil quilômetros quadrados. Segundo o estudo, que ficou pronto em outubro, a pecuária é responsável por 80% de toda a área desmatada - sendo os grandes e médios pecuaristas os principais agentes da devastação. Até 2002, a estimativa é que 631 mil quilômetros quadrados de floresta já tenham sido desmatados, incluídas aí todas as ações predatórias.
0 mais grave é que aproximadamente 25% desse total estão abandonados ou subutilizados, após ter sido destruído e explorado por determinado período.
Segundo o relatório, só em Mato Grosso há entre 12 e 15 milhões de hectares abandonados. "Esse desperdício se torna mais grave quando se considera que novas áreas continuam sendo desflorestadas para a expansão de atividades agropecuárias, sem a utilização adequada de grande parte das áreas já abertas", diz o relatório.
Falhas
Os técnicos do governo identificam diversas falhas na ação do poder público.Tem existido uma série de deficiência e contradições históricas no conjunto das políticas públicas que tem exercido uma forte influência sobre essa problemática", afirma o documento. 0 combate à grilagem de terras públicas é uma das recomendações dos técnicos. 0 grupo interministerial é chefiado pela Casa Civil da Presidência da, República.
A idéia do governo é estimular o manejo sustentável da floresta. No caso da extração de madeira, porém, só 10% da atividade são realizados dessa forma, segundo o estudo. Em 2000, apenas 8,7% das áreas desmatadas tinham autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para isso.

Causas do desmatamento da Amazônia brasileira
Sérgio Margulis
A preocupação mundial com os desmatamentos da Amazônia brasileira é em parte motivada pela imagem de um processo destrutivo no qual os benefícios econômicos e sociais são menores que as perdas ambientais. Essa percepção é também subjacente aos diagnósticos, formulação e avaliação das políticas públicas propostas pelas organizações governamentais e não-governamentais que atuam na região, incluindo o Banco Mundial. Este trabalho sugere, contudo, que esta percepção é em parte equivocada, principalmente no tocante ao diagnóstico das motivações e aos agentes responsáveis pelos desmatamentos, na avaliação dos benefícios econômicos e sociais do processo e, por conseguinte, nas implicações de políticas públicas para a região. O objetivo desse relatório é mostrar que diferentemente das décadas de setenta e oitenta, quando a ocupação econômica foi induzida por incentivos e políticas governamentais, os desmatamentos recentes em várias regiões da Amazônia são impulsionados pela pecuária de média e grande escalas. Obedecendo à lógica privada, a dinâmica do processo de ocupação tornou-se autônoma, como demonstra o crescimento significativo dos desmatamentos na década de noventa, apesar da redução substancial dos estímulos e incentivos das políticas governamentais. Dentre as causas dessa transformação destacam-se as mudanças e adaptações tecnológicas e gerenciais das atividades pecuárias às condições geo-ecológicas da Amazônia Oriental que permitiram o aumento da produtividade e a redução dos custos. A viabilidade privada da pecuária não significa que ela seja desejável do ponto vista social ou sustentável do ponto de vista ambiental. Os benefícios privados devem ser comparados com os custos ambientais e sociais decorrentes da expansão das atividades pecuárias e dos desmatamentos. Do ponto de vista social, é legitimo argumentar que os benefícios privados da pecuária de larga escala são distribuídos deforma excludente, pouco contribuindo para reduzira desigualdade econômica e social. Aponta-se, contudo, que a diminuição do preço da carne no mercado nacional e o aumento de exportações propiciados pela expansão da pecuária na Amazônia Oriental poderão significar benefícios sociais que ultrapassam as fronteiras setoriais e regionais. Do ponto de vista ambiental, não obstante as incertezas de mensuração, as parcas evidências disponíveis indicam que os custos dos desmatamentos podem ser significativos, superando inclusive os benefícios privados da pecuária, sobretudo quando se consideram as incertezas associadas às perdas irreversíveis de um patrimônio genético e ambiental pouco conhecido. Nesse sentido, atividades como o manejo florestal sustentável seriam consideradas superiores do ponto de vista social e ambiental Contudo, seja para viabilizar o manejo florestal como alternativa de exploração privada, seja para internalizar os custos ambientais da pecuária, serão necessários instrumentos de políticas, mecanismos de financiamento e estruturas de fiscalização de difícil implementação.
As recomendações de políticas do estudo são: I) a necessidade de reconhecera lógica privada do processo atual de ocupação da Amazônia brasileira; II) reorientar o foco das políticas para os pecuaristas como agentes motores do processo dos desmatamentos, reconhecendo seus interesses e os benefícios econômicos privados; III) tendo em conta o desconhecimento dos custos ambientais e as incertezas associadas à irreversibilidade dos efeitos de decisões presentes, formular políticas que contenham os desmatamentos nas áreas de fronteira ainda intocadas e que estimulem a intensificação da agropecuária nas áreas consolidadas. Este trabalho pretende suscitar e subsidiar o debate sobre esses temas, principalmente entre o governo e os grandes e médios pecuaristas, aqui identificados como os principais agentes dos desmatamentos.
Sérgio Margulis: Economista sênior especializado em ambiente do Banco Mundial

A Crítica, 31/12/2003, p. A7

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.