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Crédito social estimula a cultura da solidariedade

Valor Econômico, Especial, p. F2
Autor: PIMENTEL, Gustavo
24 de Set de 2013

Crédito social estimula a cultura da solidariedade

Por Paulo Vasconcellos
Para o Valor, do Rio

Uma pequena empresa carioca ilustra bem a difícil equação entre negócios e sustentabilidade. Trata-se da Sitawi - Finanças do Bem. O primeiro nome significa florescer no dialeto africano swahili. O "codinome" é o que alinha a missão da empresa: a viabilização de projetos não apenas com a concessão de empréstimos com recursos próprios - como o que foi feito para uma cooperativa de pequenos empreendedores do Rio de Janeiro - mas também na gestão de recursos de alguns dos maiores conglomerados americanos, que ajudaram, por exemplo, na qualificação profissional de jovens de comunidades carentes do Rio.
"Existe muito capital no sistema financeiro, mas o desafio é fazer com que estes recursos se tornem ativos socioambientais. Não é um problema só dos bancos. Somos pouco solidários. O Brasil movimenta apenas R$ 12 bilhões por ano em doações e ocupa apenas o 83o lugar num guia mundial de solidariedade", diz Gustavo Pimentel, diretor da área de Research & Advisory da Sitawi - Finanças do Bem. É essa experiência que ele vai apresentar em sua exposição no painel "Financiamento e investimento: a sustentabilidade como critério para gestão de riscos e tomada de decisões", do VI Congresso Internacional Sustentável 2013, promovido pelo Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que começa hoje no Rio.

Valor: O que é finança sustentável e de que forma a Sitawi opera este conceito?

Gustavo Pimentel: Finança sustentável é uma prática de mobilização do capital para que este cause o melhor impacto socioambiental. De um lado é preciso mitigar os reflexos negativos da atividade econômica e, por outro, incentivar iniciativas que gerem ganhos socioambientais. A Sitawi ampliou o conceito para finanças do bem. A empresa assessora instituições financeiras para que entendam os riscos e oportunidades que as questões socioambientais geram para seus negócios, mas também ajuda a estruturar a gestão de fundos para suprir a carência de capital disponível para financiar projetos que têm impacto socioambiental positivo.

Valor: Poderia dar um exemplo?

Pimentel: A Sitawi gere cerca de R$ 3 milhões em recursos próprios e de terceiros. Um dos projetos envolveu o empréstimo de R$ 200 mil a uma cooperativa de artesãos do Rio de Janeiro, a Solidarium, que não tinha dinheiro para comprar matéria-prima e atender uma encomenda da Walmart de 30 mil bolsas de material reciclado. A linha de crédito teve impacto social ao gerar renda para mais de 300 microempreendedores. Já fechamos outro projeto com a Solidarium para intermediar a produção e venda de artesanato produzido por uma tribo Ianomami da Amazônia para a Tok&Stok, além de um empréstimo para ajustar o caixa do Banco Palmas, um banco solidário de um bairro popular da periferia de Fortaleza, no Ceará, que a partir disso passou a ter acesso a linhas de crédito do BNDES. A Sitawi também gerenciou recursos do fundo social +Unidos, uma parceria da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e 20 empresas do porte da Microsoft, Boeing e Chevron para dois projetos no Brasil: o Unidos Oportunidades, de capacitação para o mercado de trabalho de 1.500 jovens de comunidades cariocas, e o Unidos pela Amazônia, de preservação da biodiversidade, que beneficia 2.500 produtores rurais e índios do Pará e do Mato Grosso.

Valor: Qual o diferencial da Sitawi em relação a outras instituições que fazem empréstimo social?

Pimentel: Vários atores fazem o mesmo, mas a diferença da Sitawi é o volume de recursos disponível para cada tomador e a ausência de garantias. A Sitawi entra nesta falha de mercado. A razão do que a gente faz é diferente, então fazemos de uma forma diferente. É preciso uma nova estrutura legal para o financiamento social.

Valor: Qual o capital hoje no país para projetos sociais?

Pimentel: O Brasil movimenta R$ 12 bilhões por ano em doações. É 0,25% do PIB. Nos EUA é 2,5% do PIB. Nosso desempenho é um pouco por causa da lei e um pouco por falta de cultura de solidariedade. O Brasil se acha supersolidário, e até é quando precisa mandar alimentos e cobertores a vítimas de catástrofes, mas no World Giving Index, editado pela Charities Aid Foundation (CAF), que mede quem doa dinheiro, quem doa tempo e a ajuda a outros países, estamos apenas no 83o lugar. Existe muito capital no sistema financeiro, mas o desafio é fazer com que estes recursos sejam direcionados a projeto sociais.

Valor: É possível mensurar o descompasso entre o discurso da sustentabilidade e as práticas de concessão de crédito sustentável do sistema financeiro?

Pimentel: O setor bancário é avesso a risco. Então, só financia negócios tradicionais. A Sitawi assessora instituições financeiras a desenvolver modelos que levem em conta os riscos socioambientais. A expectativa é que o crédito fique mais difícil para quem polui mais ou para quem gera impactos sociais negativos e que fique mais barato para quem adota as melhores práticas. Isso não muda rapidamente, mas o passo inicial é alterar a dinâmica dos financiamentos. Sessenta por cento dos ativos dos fundos de pensão no Brasil são signatários dos Princípios das Nações Unidas para o Investimento Responsável (PRI). O Brasil é o sexto principal país em números de bancos e instituições financeiras signatários do PRI. Não significa ainda que a carteira de empréstimos seja 100% sustentável, mas é o primeiro passo.

Valor: Como induzir o setor financeiro para a finança sustentável?

Pimentel: Um caminho é levar a instituição financeira a desenvolver uma política de risco ambiental para a agropecuária ou para qualquer outro setor da economia. Outro é fazer o banco entender que empresas estão mais bem posicionadas do ponto de vista social e ambiental para direcionar o crédito para elas. Para as seguradoras é importante saber como as mudanças climáticas ou a política nacional de resíduos sólidos vai impactar o nível de sinistralidade das carteiras. Quando tudo isso for levado em conta, a pressão ambiental sobre as instituições financeiras será muito mais forte e elas chegarão a um novo patamar de compromisso.

Valor: Que setor da economia é hoje mais sensível à causa da sustentabilidade?

Pimentel: Começou com os bancos, um pouco por questões de reputação, para não se envolver com projetos ou empresas poluidoras, e por causa do risco ao crédito que pode representar um sinistro. Do lado dos investidores, os fundos de pensão, que precisam proteger os ativos para o futuro, também aderiram à agenda da sustentabilidade. As seguradoras vieram atrás. Assim como tem risco também tem oportunidade. Quem souber precificar melhor os riscos pode se antecipar aos concorrentes.

Valor: Como se mede a sustentabilidade dos negócios?

Pimentel: Não existe uma métrica precisa, mas é possível definir alguns perfis de sustentabilidade. Existem empresas que estão na fase da negação e não acreditam que as questões socioambientais podem gerar riscos e oportunidade. Algumas estão na fase da conformidade legal e já minimizaram os riscos legais. Outras estão na terceira fase e já buscam os benefícios para além da legislação. E, por fim, temos as empresas líderes, que ajudam a puxar a agenda. No setor bancário tem uma disputa de liderança entre Itaú Unibanco e Santander. Na construção civil tem a Precon Engenharia, líder no mercado de pré-fabricados de concreto. No setor de bens e consumo tem a Natura.

Valor: O estudo "Carbono Intocável: A bolha de carbono vai pegar o Brasil?", que a Sitawi desenvolveu em parceria com a Carbon Tracker, um "think tank" baseado no Reino Unido, indica que a maior parte das reservas de petróleo, gás natural e carvão mineral no mundo não poderá ser consumida caso os governos criem restrições para controlar o aquecimento global a partir de 2015. Isso é uma ameaça ao pré-sal?

Pimentel: Se houver um orçamento para as emissões de carbono até 2050, para que a temperatura não passe de dois graus até lá, apenas 20% a 40% das reservas de petróleo, gás natural e carvão mineral poderiam ser exploradas. O Brasil fica dentro do orçamento sem o pré-sal. Com ele, boa parte da produção teria que ser exportada, mas o dilema é se haverá país importador com crédito de carbono suficiente para assimilar esse petróleo. Além disso, as reservas brasileiras de pré-sal hoje se mantém competitivas no mercado internacional, mas a corrida para a produção pode acelerar a inflação de custos. Com uma redução do preço do barril de petróleo por causa da queda no consumo, o que é previsível num cenário de redução das emissões de carbono, seria importante os investidores também se conformarem com margens de lucro menores. Se o pré-sal não for bem gerenciado pode ter ativos encalhados.

Valor: Um cenário de crise econômica pode comprometer os avanços em sustentabilidade?

Pimentel: Isso está acontecendo do ponto de vista político. O acordo sobre mudança climáticas foi adiado por causa da crise na Europa. No caso das empresas, uma vez que o conceito da sustentabilidade é inserido no negócio, não há volta.

Valor Econômico, 24/09/2013, Especial, p. F2

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