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Crédito do BNDES priorizará impacto social

O Globo, Economia, p. 19
06 de Jan de 2017

Crédito do BNDES priorizará impacto social
Nova política de empréstimos prevê condições mais vantajosas a infraestrutura, educação, saúde e meio ambiente
"O banco que todo mundo identifica hoje como da indústria foi criado como banco da infraestrutura" Maria Silvia Bastos Marques Presidente do BNDES

BRUNO ROSA
bruno.rosa@oglobo.com.br
GLAUCE CAVALCANTI
glauce@oglobo.com.br

O BNDES enxugou o número de programas, limitou juros subsidiados a projetos com retorno social, definiu foco em infraestrutura e reservou R$ 5 bilhões para financiar capital de giro das empresas. O BNDES anunciou ontem a primeira grande mudança em suas políticas de empréstimo em nove anos. A partir de agora, a concessão de crédito mais barato será direcionada a projetos que tragam altas taxas de retorno social, em áreas como educação, saúde, saneamento, inovação, infraestrutura, meio ambiente e em financiamentos a micro, pequenas e médias empresas. Nestas operações, será usado um percentual maior da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 7,5% ao ano, abaixo das taxas cobradas no mercado. O banco anunciou ainda que mudará a lógica de concessão de empréstimos. Qualidades e atributos dos projetos, independentemente do segmento de atuação, passam a ser o foco do banco. Com isso, sai de cena o apoio direcionado a setores - uma marca da atuação do BNDES na gestão petista, conhecida pelo estímulo à criação de campeões nacionais.
O banco, comandado por Maria Silvia Bastos Marques desde junho do ano passado, passou também por um processo de simplificação de linhas, programas e produtos. Nessa primeira etapa, o total passou de cem para 50. De modo geral, os financiamentos para projetos de grande porte passam a ser enquadrados em duas grandes linhas: Incentivada e Padrão. Na linha Incentivada, projetos considerados prioritários, de áreas como educação, saúde e segurança para atendimento público, terão até 80% do empréstimo em TJLP. Já o grupo de empreendimentos ligados a alimentos, tecnologia, biocombustíveis e educação privada terá até 60% do crédito atrelado à TJLP.
Na linha Padrão, as condições de empréstimo são menos favoráveis, com limite de 30% de TJLP para projetos de expansão da capacidade produtiva. Nos demais investimentos, o banco emprestará a taxas de mercado, sem crédito subsidiado.
- A TJLP será alocada em projetos com impacto social, cujos retornos vão além do econômico. Temos uma TJLP que tem um diferencial bastante grande em relação à Selic (de 13,75% ao ano). Portanto, esse incentivo é relevante. Por isso, estamos sendo tão criteriosos em colocar os investimentos em até 80% em TJLP com atributos que tragam muito impacto na economia - disse Maria Silvia em entrevista coletiva na sede do banco.
Há ainda um limite de 80% na participação do banco nos projetos financiados. Ou seja, poderá emprestar no máximo 80% do valor do empreendimento, com condições definidas de acordo com a prioridade do projeto. A presidente do banco defendeu o critério que valoriza as qualidades dos projetos e não dos setores. Segundo ela, essa política, chamada de atuação horizontal, tornará o BNDES mais transparente, com a prioridade a projetos que apresentem benefícios para a sociedade.
PROJETOS TERÃO METAS DEFINIDAS
Para Sérgio Lazzarini, professor de Estratégias do Insper, conceder crédito de forma mais criteriosa é um dos avanços das novas políticas:
- Empréstimo subsidiado para empresas grandes tende a gerar pouco impacto, pois a empresa investe da mesma forma e acaba simplesmente embolsando ganhos com menores juros. Subsídios devem ser aplicados para atividades que geram impacto social ou ambiental, justamente as que são menos enfatizadas pelo mercado privado.
Uma das principais novidades é a criação de um departamento de Monitoramento e Avaliação. Todos os projetos financiados diretamente pelo BNDES terão um "quadro de resultados", no qual serão definidas, previamente, metas a serem alcançadas e os resultados serão verificados após a entrada em operação. A ideia é mensurar se os projetos, de fato, trazem os benefícios prometidos ou cumprem as regras anunciadas. Estes indicadores - como impacto ambiental e social, geração de empregos, aumento de produtividade e eficiência energética - vão depender do tipo de empreendimento.
- Estamos trabalhando muito em parceira com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco Mundial, que já fazem muito isso. Vamos ver o que já está sendo feito e fazer da melhor forma - ressaltou Maria Silvia.
Indagado sobre o assunto, o banco explicou que a mensuração de resultados não terá caráter punitivo, ou seja, o crédito não ficará mais caro. As informações vão constituir um banco de dados público, mostrando quantos projetos alcançaram 100% das metas propostas ou parte das diretrizes definidas. Para esse acompanhamento, o BNDES poderá usar consultorias contratadas para executar esse acompanhamento.
- Vamos conseguir medir os impactos dos projetos que o banco apoia e os resultados para a sociedade. Assim, o banco vai poder retroalimentar sua atuação. Vamos criar uma área para avaliar isso. Em projetos acima de R$ 1 bilhão, haverá contratação de avaliação externa - exemplificou Maria Silvia.
O economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, considera a criação do departamento para monitoramento o ponto mais importante:
- Precisamos de menor interferência em direcionamento de crédito. É fundamental ter avaliação de projetos para garantir a eficácia do uso de recursos públicos de forma mais criteriosa e parcimoniosa possível, desenvolvendo uma cultura de avaliação de impacto e análise de custo/benefício de projetos.
Para Aloisio Araújo, da FGV/EPGE e do Impa, o BNDES deve deixar claro o que define um projeto com alta taxa de retorno social:
- Áreas como saúde e saneamento devem ter crédito combinado a concessões ou privatizações. Já houve empréstimos monumentais para esses segmentos que não foram aplicados adequadamente.
Segundo a economista Margarida Gutierrez, da UFRJ, o banco está no caminho certo, mas é preciso dimensionar o que será financiado:
- É preciso alavancar investimentos em áreas prioritárias. O BNDES tinha perdido o foco nesse sentido. Isso faz o contribuinte pagar a conta. São importantes os esforços de buscar fontes alternativas de financiamento, que não sejam a dívida pública.
O BNDES também alterou a classificação de porte das micro e pequenas empresas. Passam a ser incluídas no grupo empresas com faturamento de até R$ 300 milhões por ano. Antes, esse número era de R$ 90 milhões. O banco está estudando a ampliação do canal para concessão de crédito, com a possibilidade de fechar negócio através de plataformas digitais.
Ampliar o atendimento a pequenas e médias empresas é outro acerto apontado por especialistas.
- O que faz mais sentido, além de observar critérios de retorno social e impacto ambiental, é dar crédito para empresa com grande potencial de crescimento, que os bancos tradicionais não captam. Avaliar o desempenho do pequeno negócio no mercado internacional, por exemplo, é um parâmetro para aferir a competitividade globalmente - destacou Araújo, da FGV/EPGE e do Impa.
R$ 5 BI PARA CAPITAL DE GIRO
O BNDES também aumentará o prazo de financiamento para máquinas e equipamentos (Finame), que passará de cinco para dez anos. Para fazer frente à redução da oferta de crédito bancário para capital de giro, o banco ampliou a linha Progeren, que poderá ser concedida na modalidade direta, sem a intermediação de outro banco. Serão R$ 5 bilhões para o crédito de curto prazo, com valor mínimo de empréstimo de R$ 10 milhões, numa linha vigente até o fim do ano.
O banco passará a incluir os recebíveis como garantia, inclusive os lastreados em cartões de crédito. Maria Silvia destacou que a alteração é importante pois o comércio, por exemplo, não tem bens para dar como garantia real.
- O banco que todo mundo identifica hoje como da indústria foi criado como banco da infraestrutura. Com a industrialização, se tornou o banco da indústria. Foi o banco da privatização. E, de novo, é o banco da infraestrutura com foco em micro, pequena e média empresas. Vai continuar sendo do serviço e do comércio. E isso está tudo se misturando - disse ela.
Para Lazzarini, do Insper, as medidas vão ampliar a oferta de crédito de longo prazo e estimular o mercado de capitais, mas uma mudança estrutural dependerá também de outros fatores:
- O crédito de longo prazo no Brasil só vai decolar se atrairmos mais provedores privados de crédito, instituições financeiras que comecem a entrar mais no segmento de debêntures (títulos de dívida) e empréstimos mais longos. Isso pode ser estimulado por uma ação mais seletiva do BNDES, evitando competir com bancos no crédito a empresas maiores.

O Globo, 06/01/2017, Economia, p. 19

http://oglobo.globo.com/economia/bndes-vai-direcionar-taxa-de-juros-men…

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