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Crack agora ameaça comunidades indígenas

O Globo, O País, p. 15
23 de Mai de 2010

Crack agora ameaça comunidades indígenas
Droga invadiu 17 aldeias do povo Tapeba, na Região Metropolitana de Fortaleza; violência na área aumentou

Isabela Martin

Da mesma forma devastadora com que enveredou pelos centros urbanos do país, o crack chegou agora às comunidades indígenas da Região Metropolitana de Fortaleza. Em apenas dois anos, a droga se espalhou pelas 17 aldeias do povo Tapeba, que reúne sete mil índios espalhados por um território de quase cinco mil hectares no município de Caucaia.

O coordenador da Fundação Nacional do Índio no Ceará (Funai), Paulo Fernandes, diz que relatos dos transtornos provocados pelo crack estão chegando por meio de líderes de várias etnias. Segundo ele, a presença da droga e da violência é maior nas aldeias mais próximas das áreas urbanas. Em algumas, a situação é de extrema miséria.

Na comunidade da Ponte dos Tapeba, o crack não poupou a família do cacique Alberto, chefe político e a liderança máxima da aldeia. O filho é usuário da droga. E um neto também usava crack. Morreu aos 20 anos, meses atrás, deixando quatro filhos e a mulher, que hoje pede esmolas para sobreviver O índio Josemir Rodrigues da Silva, de 29 anos, é agente de saneamento. Mora há sete anos na Ponte dos Tapeba, mas está pensando em sair, pois a violência cresceu de forma brutal. Muitos moradores não conseguem dormir com medo dos assaltos. Outros recebem telefonemas anônimos anunciando o dia em que as casas serão roubadas. Em um mês, foram três assaltos a residências de índios e não índios.

Homens com armas passaram a circular livremente. Para Josemir, os casos têm relação direta com o crack e a mistura de brancos e índios na região.

Jovem não paga a traficante e é ameaçado
Polícia diz que não tem permissão para entrar nas aldeias

Morador da Ponte dos Tapeba, Jean Teixeira dos Reis, de 18 anos, experimentou o crack há dois, levado pela curiosidade.

Conheceu a droga na roda de amigos. Há menos de duas semanas, depois de ter sido ameaçado de morte por um traficante com um revólver na cabeça, decidiu parar. Procurou ajuda da mãe e agora frequenta toda noite a igreja para tentar se manter longe do vício.

Da última vez que fumou o crack, quase morreu. Pagou seis pedras com R$ 20 que ganhou fazendo bico como lavador de carros. Mas o dinheiro era falso e ele não sabia. Depois, o traficante foi exigir dinheiro de verdade. A mãe pagou, para salvar a vida dele. Jean tem pelo menos quatro amigos índios que são usuários.

Roberta Diniz, assistente social do posto de Caucaia que abrange todas as aldeias Tapeba, confirma: - O crack está presente em todas. Mas a concentração é maior nas próximas da cidade.

Em Capoeira e Ponte dos Tapeba, na zona urbana, o drama é pior. Nas duas aldeias, a comunidade indígena divide o mesmo espaço com os não índios. Também existem bocas de fumo onde qualquer um pode comprar a droga livremente.
"A gente sente uma transformação que dá medo"
Coordenadora da Escola Diferenciada de Ensino Fundamental e Médio Tapeba-Capoeira, Katiane Ferreira da Silva tem um primo usuário de crack, abandonado pela mulher com o único filho, de 3 anos: - Olhei para ele esses dias e até a feição está diferente, magra. A gente sente uma transformação que dá medo.

Os índios lamentam a ausência de policiamento. A desculpa de policiais civis e militares é que estariam infringindo a lei se entrassem em território indígena, onde só a Polícia Federal teria livre acesso. Por um traço cultural, o assunto não é falado abertamente com os não índios. Mesmo entre os indígenas, o problema do crack ainda é vivido em família, e é difícil mapear a extensão dos danos.

- Muitos silenciam pela vergonha de ter algum familiar no vício - diz Rita de Cássia Cruz do Nascimento, diretora da Escola Índios Tapeba.

Afastada da zona urbana, a aldeia Lagoa dos Tapeba 2, onde vivem 500 famílias, tem casos da droga. Um jovem de 25 anos que preferiu não ser identificado conta que por dois anos usou a droga de maneira "controlada".

Depois, largava a família e ia para o mato fumar sozinho. A mulher, grávida de 5 meses, saiu de casa levando mais dois filhos porque não aguentou mais. Ele tentou parar. Teve uma recaída e gastou R$ 300 numa só noite.

Era mais da metade do salário.

O jovem diz que há crianças de 10, 12 anos fumando a pedra: - Sei que posso me livrar.

Se não conseguir recuperar minha família, esse vai ser o buraco que essa pedra do diabo vai deixar em mim.

O Globo, 23/05/2010, O País, p. 15

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