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CPI quebra sigilo de madeireiros

CB, Brasil, p.28
24 de Fev de 2005

CPI quebra sigilo de madeireiros

Nove fazendeiros que atuam no Pará terão suas movimentações bancária e fiscal e suas ligações telefônicas investigadas. Entre eles, está Vitalmiro Moura, o Bida, principal suspeito de mandar matar Dorothy Stang

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra pediu ontem a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de nove madeireiros que atuam no sul e no sudeste do Pará, incluindo Vitalmiro Moura, o Bida, procurado pela polícia sob acusação de ter encomendado o assassinato da missionária Dorothy Stang, ocorrido no último dia 12 em Anapu (PA).

Segundo o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), presidente da CPMI, a comissão tem três objetivos a respeito do grupo de investigados: saber se houve uma cotização entre fazendeiros da região para o pagamento dos pistoleiros que mataram a freira; conhecer as ligações telefônicas que possam ter feito entre si ou com os matadores; e averiguar possível conexão entre a grilagem de terras na região e as fraudes contra a antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Com essa medida, passamos a investigar um elo entre o crime contra Dorothy e a Sudam. Pedimos para reforçar a assessoria técnica da CPMI”, disse o senador. O relator da comissão, João Alfredo (PT-CE), agendou viagem ao Pará para que a comissão ouça 17 pessoas, incluindo os fazendeiros.

Em depoimento reservado prestado à comissão em maio de 2004, a própria missionária havia levantado a conexão entre a grilagem e a Sudam. Ela declarou aos integrantes da comissão, em audiência realizada em Altamira (PA), que 17 madeireiros que disputavam terras com assentados em Anapu haviam tomado mais de R$ 100 milhões em empréstimos da Sudam. O dinheiro teria sido aplicado indevidamente, segundo denunciou a missionária.

Contra Jader
Dois dos madeireiros que tiveram os sigilos quebrados — Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, e Laudelino Délio Fernandes Neto — são réus na mesma ação movida pela Ministério Público Federal contra o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA) por supostas irregularidades na aplicação de recursos da Sudam. A ação tramita atualmente no Supremo Tribunal Federal.

O nome de Regivaldo Pereira Galvão também foi mencionado várias vezes pela irmã Dorothy no depoimento à CPMI, num outro depoimento que prestou à Polícia Federal do Pará em outubro último e em cartas que enviou para órgãos do governo federal por meio da Procuradoria da República em Belém.

Os caminhos de Taradão e do fazendeiro Vitalmiro Moura, procurado pela polícia, se cruzam várias vezes nesses relatos de violência, desmatamentos e trabalho escravo na região de Anapu. Eles aparecem atuando no mesmo lote da gleba Bacajá, o de número 55. Ambos foram alvo de um mesmo pedido de prisão temporária feito pela Polícia Federal no ano passado. O pedido foi rejeitado pela Justiça Federal de Marabá.

Nome diferente
A quebra de sigilo aprovada pela CPMI volta a colocar em dúvida o nome correto de Bida. Segundo a assessoria da comissão, a pessoa que terá seus sigilos quebrados foi confirmada pela Receita Federal como sendo Vitalmiro Gonçalves de Moura. Mas em outros documentos oficiais, como os autos de infração emitidos pelo Ibama em agosto último, o fazendeiro aparece como sendo Vitalmiro Bastos de Moura.

A CPMI aprovou o requerimento para obter os extratos e cópias de todos os contratos que esse grupo de fazendeiros tenha firmado com instituições financeiras por meio do Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam), Fundo Constitucional do Norte (FCO), Banco da Amazônia (Basa), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Brasil.

Outro fazendeiro que teve seus sigilos quebrados é Décio José Barroso Nunes, o Delsão. Ele chegou a ser preso sob acusação de ter mandado matar, em 2001, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, o Dezinho, mas acabou solto e responde ao processo em liberdade. Os sigilos do presidente do Sindicato Paraense da Pecuária, Francisco Alberto de Castro, que deu declarações à imprensa também foram quebrados.

Supremo arquiva processo contra Jader

Paulo Mario Martins
Da equipe do Correio

A pedido do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou, em setembro do ano passado, um inquérito policial contra o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). A acusação era de que o parlamentar teria envolvimento num esquema de extração ilegal de mogno da reserva indígena Kaiapó. A área, que é da União, fica localizada em Redenção, no Pará. Também ficaram livres da acusação Moisés Carvalho Pereira, Antônio Lucena Barro, Claudiomar VFK e Sebastião Lourenço de Oliveira.

Além de Jader, Pereira e Barros – empresários do estado – são citados em um documento feito pelo Ministério Público Federal em 2003 que relata a atuação do crime organizado na Terra do Meio, região onde foi assassinada a irmã Dorothy Stang. O relatório foi divulgado ontem pelo Estado de S. Paulo e, segundo o jornal, afirma ser nítida a participação de Jader Barbalho na exploração madeireira na região, especialmente do mogno”.

Em seu parecer pedindo o arquivamento do inquérito, Fonteles afirma só há um depoimento que, de forma indireta e evasiva”, relaciona o nome do parlamentar às suspeitas investigadas. Além disso, ele argumenta que não há nenhuma documentação que ampare a denúncia.

O depoimento a que o procurador-geral da República se refere é de um administrador de uma fazenda. Ele diz que, por intermédio de Pereira, conheceu outro homem, apresentado como de confiança de Jader Barbalho”. Pereira também nega, em depoimento, ter participado de algum empreendimento comercial com o deputado. Afirma ainda que nunca extraiu madeira de reservas indígenas.

Ontem, Fonteles disse, por meio de sua assessoria, que o inquérito preparado pelo Ministério Público era genérico”. Explicou também que pediu o arquivamento do inquérito porque trabalha com elementos do processo e não havia provas suficientes para abrir uma ação”.

Procurado pelo Correio, Jader negou envolvimento na extração ilegal de madeira na região onde foi executada a missionária norte-americana. Isso é uma tremenda sandice. Conheço uma das pessoas citadas, o empresário Moisés Carvalho Pereira, porque ele é muito conhecido no Pará. Mas nunca tive nenhuma relação com ele. Esse relatório é uma molecagem”, atacou.

Bispo vê avanço em reforma

Hércules Barros
Da equipe do Correio
Kleber Lima/CB

O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) é visto pelo bispo do Xingu, dom Erwin Krautler, 65 anos, como o princípio da reforma agrária para a região de conflito no Pará. Para ele, a missionária americana Dorothy Stang foi a responsável pela mobilização de associações de agricultores locais que reivindicam ao governo a criação de PDS no município. Dom Erwin mora em Altamira, a 140 quilômetros de Anapu — município paraense onde Dorothy foi assassinada a tiros no dia 12 deste mês — e atua em toda a região. Ele esteve em Brasília, na terça-feira, para participar da primeira reunião da Comissão Externa do Senado que vai acompanhar as investigações sobre a execução da freira.

Dom Erwin não se considera um alvo em evidência. Tem outros em situação pior”, diz. Como próximas vítimas da violência na região, ele cita o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis dos Santos, o Chiquinho do PT, e o padre Amaro, pároco da cidade. Em Altamira, os alvos mais vulneráveis a pistoleiros são, segundo ele, Tarcísio Feitosa, secretário da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no município, e Antônia Melo, diretora de uma associação de lavradores.

Em 40 anos de sacerdócio dedicado aos colonos paraenses, 20 deles ao lado de Dorothy, dom Erwin sobreviveu a um atentado e já recebeu várias ameaças por telefone. Tento encarar as ameaças como cabeça quente de quem se incomoda com meu trabalho.” E lembra que a irmã Dorothy também recebeu ameaças, mas que não eram levadas a sério. Ela chegou a dizer: quem vai matar uma velha como eu?”

No inicio dos anos 80, os primeiros conflitos entre camponeses e grileiros em terras da União, no Pará, foram presenciados por dom Erwin. A desgraça é que a área grilada, que muitos fazendeiros se acharam donos, é a mesma que agora é destinada ao PDS”, ressalta. Segundo dom Erwin, para o projeto dar certo, além de terra para trabalhar, é preciso que as famílias da região tenham assistência médica e educacional, transporte e financiamento. Elas não precisam do programa Fome Zero. Podem tirar a cesta básica da terra.”

Dom Erwin esteve pela última vez em Anapu no dia do enterro da missionária. Ele diz que os moradores de Anapu estão sob estado de choque. Na missa que celebrei no enterro de Dorothy, vi no rosto do povo o terror”, conta. Eles não acreditavam que ela seria morta.” Ele acredita que os responsáveis pelo crime vão ser punidos, mas diz ser inconcebível as diferenças sociais na região. Uns com tudo, e outros sem nada”, reclama. No depoimento no Senado, dom Erwin lembrou que já havia denunciado aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao Ministério da Justiça, por carta, toda a situação de violência que impera no Pará.

CB, 24/02/2005, p.28

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