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CPI já é palco de disputa política

CB, Política, p. 3
08 de Out de 2007

CPI já é palco de disputa política
Em meio à briga entre PT e PMDB pela relatoria da comissão de inquérito das ONGs, aliados e integrantes da oposição juntam munição. Casos envolvendo pessoas próximas a Lula e a FHC serão explorados

Marcelo Rocha
Da equipe do Correio

A polêmica em torno de quem ocupará o posto de relator da CPI das ONGs, instalada na semana passada no Senado, serviu como pequena mostra da disputa política a ser travada daqui em diante. A considerar as linhas de investigação que seus integrantes pretendem encampar, a apuração corre o risco de servir tanto à oposição quanto a governistas somente como meio de constranger adversários.

Para se ter uma idéia do vespeiro que são as transferências federais a entidades sem fins lucrativos, a Controladoria-Geral da União (CGU) investiga hoje 325 ONGs, num total de 7,9 mil favorecidas com verbas federais entre 1999 e 2006. São R$ 33 bilhões em repasses. Frente a um universo tão vasto de convênios e operações financeiras realizadas por ministérios e outros órgãos, os integrantes da CPI têm pincelado apenas o que há de mais bombástico do ponto de vista do desgaste público.

A turma da oposição aposta em casos que envolvem gente próxima ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por exemplo, os repasses feitos pelo Ministério do Trabalho e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, à Unitrabalho. A associação é ligada a Jorge Lorenzetti, o churrasqueiro de Lula envolvido no escândalo do dossiê tucano.

Outro alvo potencial da oposição é a Politeuo, entidade ligada a Hamilton Lacerda, ex-assessor do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Lacerda também faz parte do grupo de "aloprados", como classificou Lula os militantes petistas flagrados na transação do dossiê. A Politeuo foi beneficiada com dinheiro da prefeitura de Santo André (SP), da Petrobras e do Ministério do Trabalho.

Recursos
Denúncias recentes colocaram a senadora Ideli Salvatti também na mira dos adversários do Planalto por supostas irregularidades na transferência de recursos envolvendo a Federação dos Trabalhadores em Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul). Ideli nega qualquer envolvimento. Mas, ao perceber a estratégia dos partidos de oposição, a senadora, que é líder do bloco de apoio ao governo, correu para barrar o nome do peemedebista Valter Pereira (MS) na relatoria da comissão.

Cotado para o posto, Pereira foi defenestrado pela petista depois de orquestrar, com outros colegas do PMDB, a derrubada da medida provisória que criou a Secretaria de Planejamento a Longo Prazo. O integrante do PMDB passou a ser visto como figura pouco confiável. Na quinta-feira, Ideli anunciou o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) como relator da CPI. A indicação vai ser discutida amanhã.

A petista justificou que Arruda é mais alinhado com o governo e, portanto, equilibraria a configuração de forças dentro da CPI. O presidente da comissão é Raimundo Colombo (DEM-SC), adversário dela em Santa Catarina. Ideli teme que Colombo seja um teleguiado do senador Heráclito Fortes, defensor ferrenho da investigação. A líder governista também fez ajustes na composição da CPI para colocar escudeiros, caso do senador Sibá Machado (PT-AC).

A base aliada, porém, não cruzou os braços diante da estratégia dos adversários. Tanto que conseguiu estender o foco da investigação ao período anterior à administração petista. Com isso, permitirá que o programa Alfabetização Solidária, capitaneado pela ONG Comunidade Solidária, da ex-primeira-dama Ruth Cardoso, entre no foco da apuração.

Além das disputas entre oposicionistas e governistas, a CPI das ONGs poderá ter dificuldade de organizar os trabalhos diante do volume de informações. Só os repasses de verbas públicas federais somam R$ 33 bilhões nos últimos oitos anos. Ocorre que a assessoria parlamentar do senador Heráclito Fortes tem recebido informações relativas a entidades com atuação municipal.

A CPI das ONGs será composta por 11 senadores titulares e sete suplentes. Tem prazo de 120 dias. Além de irregularidades na liberação de recursos públicos para ONGs, será analisada a utilização de recursos por essas entidades, oriundos do exterior, entre 1999 e 2007.

As armas de cada um
Governistas e oposição levantam informações sobre irregularidades no repasse de verbas públicas a entidades sem fins lucrativos que possam vincular os adversários a escândalos de corrupção. O material será utilizado na CPI das ONGs, que começa a trabalhar amanhã:

Agricultura familiar
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul) é investigada pela Polícia Federal. Recebeu R$ 5 milhões por 18 convênios de diversos ministérios. Há suspeita que parte do dinheiro tenha abastecido campanha de deputado petista. A ONG é ligada à líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), mas ela nega participação em eventuais irregularidades.

Unitrabalho
A Unitrabalho, que tem como colaborador o petista Jorge Lorenzetti, o churrasqueiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva envolvido no escândalo do dossiê contra tucanos, recebeu cerca de R$ 18 milhões do governo federal desde o início da administração petista. Desse montante, R$ 4,1 milhões foram pagos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Politeuo
A Rede Local de Economia Solidária (Politeuo), em São Caetano do Sul (SP), ligada ao petista Hamilton Lacerda, foi beneficiada com pelo menos R$ 1,7 milhão em verbas da prefeitura de Santo André, da Petrobras e do Ministério do Trabalho. Lacerda foi afastado da campanha de Aloizio Mercadante ao estado de São Paulo em 2006 por envolvimento com a compra do dossiê.

Ágora
A Associação para Projetos de Combate à Fome (Ágora) recebeu R$ 7,68 milhões do Ministério do Trabalho para implantar o Consórcio Social da Juventude no Distrito Federal e região do Entorno. Há suspeitas de que não houve comprovação de gastos de R$ 1 milhão. A entidade pertence a Mauro Dutra, amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Alfabetização solidária
O Comunidade Solidária, capitaneado pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso, mobilizou entidades da sociedade civil para tentar sanar problemas crônicos do país por meio de ações que não se limitassem ao mero assistencialismo. Recebeu R$ 211 milhões do Ministério da Educação no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e outros R$ 58 milhões entre 2003 e 2006.

CB, 08/10/2007, Política, p. 3

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