O Globo -
29 de Abr de 2021
CPI da Covid vai investigar uso de cloroquina nas aldeias indígenas
Ofício do Ministério da Saúde orienta utilização de 'kit Covid' na Amazônia. Povos registram alta taxa de mortalidade e também pedem apuração da comissão sobre a ação de militares em suas terras
Daniel Biasetto
29/04/2021
RIO - A CPI da Covid no Senado vai receber de representantes indígenas uma lista de pelos menos 15 tópicos a serem apurados pela comissão que vai investigar as ações e possíveis omissões do governo federal durante a crise sanitária nas aldeias. Entre as denúncias está uma orientação do próprio Ministério da Saúde para o uso de ivermectina e cloroquina em índios do Amazonas que apresentem sintomas da doença. O tratamento do chamado "kit Covid" é questionado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e cientistas, uma vez que não existe nenhuma comprovação da eficácia dos medicamentos contra o coronavírus.
Ofício obtido pelo GLOBO confirma a indicação do "kit Covid" feita pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde. Ele será enviado à CPI como prova, para que o colegiado possa cobrar providências sobre o que os índios apontam como "abandono e negligência" do governo federal no combate ao vírus entre esses povos.
No documento distribuído pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Vilhena (RO) a coordenadores da Fundação Nacional do Índio (Funai) e lideranças indígenas de 144 aldeias da Amazônia, fica clara a recomendação dos medicamentos para "todos os que apresentarem sintomas como dores no corpo, tosse, dor de cabeça, febre, coriza, dificuldade para respirar, dor de garganta, perda do olfato ou paladar".
O GLOBO fez contato com a coordenadora da DSEI Vilhena que assina o documento da Sesai, Solange Pereira Vieira Tavares, mas ela não retornou às mensagens nem às ligações. A Sesai e o Ministério da Saúde também não se pronunciaram.
Os indígenas estarão representados pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas; a ativista Maial Paiakan e os advogados Luiz Eloy Terena e Samara Pataxó.
- Vamos levar aos senadores a nossa preocupação com a alta taxa de mortalidade de indígenas, principalmente em contexto urbano, e denúncias de que garimpeiros aliciaram índios para trocar vacina por ouro, tudo isso em uma situação de baixa cobertura vacinal e diante do agravamento das invasões das terras indígenas durante a pandemia - adianta Joênia Wapichana.
Os indígenas também apresentarão à CPI um relatório sobre as missões das Forças Armadas em áreas mais afastadas. De acordo com o documento, algumas foram úteis e fortaleceram as ações de combate à Covid-19, mas outras foram consideradas um "teatro" e acabaram por levar mais risco do que ajuda humanitária.
A questão indígena é uma das preocupações do governo federal durante as investigações da CPI. No documento enviado pela Casa Civil da Presidência da República a 13 ministérios há um tópico denominado "genocídio de indígenas" na lista de 23 "acusações" esperadas na comissão. O tópico, porém, não será levado pelo indígenas à comissão, como apurou O GLOBO, mas sim a questão da alta taxa de mortalidade, segundo os indígenas, agravada pela demora do governo em apresentar um plano de instalação de barreiras sanitárias de proteção nas aldeias.
- (O documento da Casa Civil) Foi uma contribuição importante para ajudar nas investigações. Aponta aspectos que estarão em nosso plano de trabalho, e a questão dos povos indígenas, que estava passando ao largo - afirmou o senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, na entrevista coletiva após a instalação do colegiado.
Taxa de mortalidade
O número de mortes entre indígenas em razão da pandemia do novo coronavírus já está 1.047 em todo o país; 163 povos já foram afetados pela doença. A média é de três mortes por dia, aponta levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). No total, 52.997 nativos já foram infectados. Os dados da Apib mostram que o número de óbitos é bem superior ao divulgado pelo governo, já que a Sesai não contabiliza os casos de índios que vivem em contexto urbano ou não aldeados. No último boletim divulgado pela Sesai foram registradas 657 mortes e 47.373 casos de Covid-19. A etnia Xavante, que vive em Mato Grosso, é a mais atingida pelo vírus, com 79 mortes.
A taxa de mortalidade do coronavírus (óbitos/por 100 mil habitantes) entre esses povos chega a ser sete vezes maior do que a da população brasileira, comparada em diferentes faixas etárias. Já a taxa de letalidade (óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave) é 19% maior do que em não indígenas, com variações entre as regiões do país analisadas pelos pesquisadores da Fiocruz.
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