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Covid-19: produtores orgânicos se organizam e expandem clientela no Rio

((o))eco - http://www.oeco.org.br/
Autor: Elizabeth Oliveira
28 de Abr de 2020

Por meio de contato via WhatsApp, produtores ligados à Associação Agroecológica de Teresópolis vendiam cerca de 30 cestas semanais para consumidores fiéis que não conseguiam comprar frutas, legumes, verduras e outros itens diretamente na tradicional feira ecológica realizada, aos sábados, nesta cidade da região serrana do Rio de Janeiro. Mas diante do avanço da pandemia de coronavírus e da determinação de medidas de isolamento social no estado do Rio de Janeiro, a partir de março, os pedidos por esse aplicativo de mensagem quadruplicaram, exigindo rapidez dos agricultores na revisão de suas estratégias de atuação.

Mesmo tendo que adequar a capacidade de atendimento à nova demanda, quando muitos não estavam preparados para isso, os produtores estão motivados diante da sinalização de um despertar para a importância do consumo de alimentos produzidos de uma forma mais harmoniosa com a natureza, livres de agrotóxicos e outros produtos químicos que prejudicam o ambiente e a saúde humana. Para a engenheira ambiental Sarita Coelho Marques, gestora responsável pelas vendas de produtos da Associação de Teresópolis, esse movimento ampliado em um momento de grave crise de saúde pública tende a fortalecer não somente a imunidade dos consumidores frente às ameaças do coronavírus, mas também, as cadeias produtivas locais que há tempos desejam esse tipo de reconhecimento da sociedade para os benefícios da agroecologia.

Sarita conta que em abril foi preciso suspender as vendas, por alguns dias, para elaborar uma plataforma de vendas online já que tinha se tornado impossível gerenciar os pedidos e as entregas semanais por meio da antiga planilha Excel e dos grupos de WhatsApp. Grande parte da nova demanda tem vindo de consumidores de bairros das zonas norte e sul do Rio que também foram conhecendo as ações dos produtores agroecológicos pela página no Facebook. Na segunda-feira (dia 20), entrou no ar o site desenvolvido de forma colaborativa por apoiadores dessa rede, formada por cerca de 60 associados. Dessa forma, se espera mais praticidade para os clientes e mais organização para os produtores que já tomaram a decisão de vender até 85 cestas, semanalmente. Essa é a quantidade que consideram ser possível atender sem sobrecarregar os seus processos de produção.

"Esperamos realizar vivências nos sítios dos produtores quando passar a pandemia. Já estávamos com esse projeto em planejamento quando veio essa crise. Mas vamos continuar com essa ideia que pode ser outra forma de divulgar para a sociedade os valores relacionados às práticas agroecológicas e a sua importância como atividade passada através de gerações", adianta Sarita. Ela afirma que está confiante na continuidade do interesse dos consumidores que descobriram recentemente a Associação de Teresópolis, enquanto buscavam alimentos mais saudáveis para fortalecer a imunidade, dentre os quais, a cúrcuma, cuja produção em raiz e em pó tem tido grande demanda.

Integrante da Associação, Jenifer Medeiros se orgulha de ser uma produtora orgânica de base agroecológica certificada pela Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio-RJ) e por ter decidido manter o legado do seu pai, Fernando Medeiros, falecido em 2016, três anos após ter conseguido realizar o sonho da certificação da produção do sítio, localizado em Andradas, distrito de Teresópolis. Ela conta que pela logomarca do site é prestada uma homenagem a esse incentivador das melhores práticas de produção de alimentos no município serrano.

A produtora também se orgulha da diversidade presente nos plantios consorciados da propriedade da família Medeiros, onde crescem ervas, legumes, verduras e frutíferas. "Acredito que nesse momento, muitos consumidores estão conseguindo perceber melhor a importância dos pequenos produtores, aqueles que estão mais próximos e podem atender às demandas locais com alimentos mais saudáveis em tempos de problemas de saúde pública e de risco de desabastecimento", observa. Para ela, a oportunidade de compra direta tende a fortalecer vínculos de confiança entre consumidores e produtores. Ressaltando que os momentos de crise são propícios às soluções inovadoras ela conclui. "Acredito em grandes mudanças no consumo de alimentos daqui por diante e queremos ser parte delas".

Atuando há mais de quatro anos como produtor orgânico no município de Silva Jardim, região das Baixadas Litorâneas do Rio de Janeiro e também certificado pela Abio-RJ, Renato Vianna da Costa e Silva, tem percebido um aumento na demanda pelas frutas, verduras e legumes que produz, desde o início da pandemia. Os pedidos chegam por meio de grupo de WhatsApp e ele conta motivado que tem se desdobrado para atender, mesmo tendo que cuidar sozinho do processo de gestão de vendas e da logística de entregas para os consumidores de Niterói.

Como tendência de consumo identificada em meio ao cenário de crise, ele considera que as compras de alimentos orgânicos deverão se firmar, após a superação do período de isolamento social, em reconhecimento à contribuição dessas práticas produtivas para a proteção ambiental e a saúde de produtores e consumidores. Nesse contexto, confia, ainda, na perspectiva de fortalecimento das cadeias locais e regionais de pequenos produtores de base agroecológica.

Consumidor consciente tem papel fundamental

A psicóloga Graciella Faico Ferreira é uma consumidora atenta à necessidade de fortalecimento dos processos de produção mais equilibrados em termos ambientais e sociais. Por meio dessa motivação tem pautado as suas decisões de compras. Não por acaso, a temática da sustentabilidade está no centro das atenções da sua pesquisa de doutorado, desenvolvida no Programa Eicos de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Sempre tive muita curiosidade em conhecer a origem dos produtos que consumo. Com o passar do tempo e o envolvimento com pesquisas sobre o tema essa preocupação se ampliou", comenta.

Ela recorda que, em 2013, quando foi morar em Niterói, conheceu e passou a integrar a Rede Ecológica, que define como um movimento educativo de compras coletivas e consumo ético, alem de começar a adquirir alimentos diretamente de produtores orgânicos e agroecológicos, contando com o apoio do marido nessa rotina de compras. No condomínio onde vive, a psicóloga participa de um grupo de moradores que trocam e vendem entre si coisas que não querem ou precisam mais, com intuito de ampliar a reutilização e evitar o descarte. Por esse grupo já mobilizou algumas vizinhas para a compra coletiva de alimentos da Associação Agroecológica de Teresópolis, durante a pandemia. Ela afirma que vai manter o hábito após a crise, a fim de apoiar o fortalecimento dessa rede de fornecedores que pretende conhecer pessoalmente, em breve. "Decisão de compra, sobretudo de alimentos, é um ato político", opina.

Como gestora de uma rede de compras coletivas formada por consumidores do Rio de Janeiro, mais atentos à temática da sustentabilidade, Aline Ramos conta que já tinha percebido um aumento do interesse dos participantes por alimentos orgânicos, desde 2019 e que, na atual crise, essa demanda tem tido grande crescimento. Seu papel nesse movimento é dedicado à curadoria dos melhores ecoprodutos, conectando fornecedores e compradores que, em grupo, alcançam preços de atacado, portanto, mais acessíveis.

A partir de uma lista de mais de 2 mil e-mails e da conexão com mais de 800 pessoas distribuídas em quatro grupos de WhatsApp, a gestora divulga as melhores ofertas de cada mês, recebe os pedidos por formulários padronizados, organiza o repasse de demandas e pagamentos aos fornecedores e cuida da logística de entregas. "Nossos pedidos recentes de sucos, molhos e geleias orgânicos de um produtor do Rio Grande do Sul pesaram uma tonelada", comenta sobre um exemplo de produtos que têm sido muito demandados pelos participantes da rede.

Diante do aumento do interesse dos consumidores por compras online, tendência que deve se fortalecer pós-pandemia, uma plataforma virtual está sendo organizada para entrar no ar em maio, a fim de facilitar o processo de gestão de compras e entregas. Além disso, ela relata com entusiasmo que desenvolveu um plano de negócios com o intuito de atuar como multiplicadora desse modelo de compras para outras cidades brasileiras. "Vou poder ensinar a outras pessoas a fazerem esse tipo de atividade, contribuindo para gerar alternativas de trabalho, em tempos de crise, a partir de um negócio que tem outra filosofia de funcionamento. Não trabalhamos com compras por impulso. Compramos com base em calendários e selecionamos produtores comprometidos com práticas sustentáveis nos seus processos produtivos", observa.

Campanha defende R$ 1 bilhão para a agricultura familiar em 2020

Para o enfrentamento da pandemia de coronavírus com garantia de segurança alimentar e geração de renda para os pequenos agricultores, a Articulação Nacional de Agroecologia lançou este mês uma campanha pelo fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) pelo governo federal, assim como pelos estados e municípios. Contando com a adesão de mais de 700 organizações e redes de mobilização da sociedade civil, essa iniciativa defende um aporte emergencial de R$ 1 bilhão no PAA, o que permitiria a aquisição de 300 mil toneladas de alimentos, nos próximos três meses, mobilizando, para tanto, 150 mil famílias de agricultores de todo o país. Até 2021, essas redes pretendem lutar para que esse segmento tenha sido contemplado com até R$ 3 bilhões.

Diante da situação de emergência provocada pela pandemia, o Ministério Público Federal já encaminhou ofícios à ministra da Agricultura, Teresa Cristina, e ao ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, solicitando providências para o fortalecimento do PAA, vinculado às duas pastas do governo federal. Essa iniciativa tende a reforçar a demanda apresentada pela campanha.

"Criado em 2003, o PAA é considerado um programa de caráter inovador que foi perdendo a força no orçamento, nos últimos anos", afirma a antropóloga Maria Emília Lisboa Pacheco, assessora da FASE-Solidariedade e Educação que também já atuou como presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), de 2012 a 2016. Como integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia e da Coordenação do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, ela defende que, no atual cenário de crise de saúde pública, com previsão de graves reflexos socioeconômicos, é fundamental promover a recuperação da importância desse programa governamental destinado a apoiar a população em situação de vulnerabilidade social e os grupos assistidos por ações sociais a partir de compras públicas de alimentos.

No ápice do funcionamento do PAA, em 2012, foram desembolsados cerca de R$ 850 milhões. Esse volume de recursos beneficiou em torno de 185 mil famílias agricultoras, cujo fornecimento de alimentos alcançou 297 mil toneladas, envolvendo 380 itens, tendo em vista que a diversidade é uma característica fortemente relacionada à agroecologia, como destaca a antropóloga. E para que se tenha uma ideia do enfraquecimento do PAA, Maria Emília analisa que, apesar de ter uma previsão pela Lei Orçamentária Anual (LoA), de apenas R$ 186 milhões em repasses para esse programa, em 2020, R$ 66 milhões estão contingenciados pelo Ministério da Economia.

Ela ressalta que, o PAA já foi gerido a partir de ampla participação de organizações da sociedade civil, integrantes de um grupo consultivo. Recorda, ainda, que o programa governamental teve importância central para as comunidades tradicionais e, sobretudo, para as mulheres cuja destinação de recursos foi demanda de movimentos sociais femininos que se expressam em ações de mobilização como a tradicional Marcha das Margaridas.

Para a antropóloga, em um país de grande diversidade cultural e natural como o Brasil, precisa ser incentivado o manejo agrícola a partir de diversas práticas utilizadas por povos indígenas e outras comunidades tradicionais, dentre os quais, a agroecologia tem destaque. Isso contribuiria para o fortalecimento da sociobiodiversidade que pode promover avanços sociais, em bases mais sustentáveis, em um momento em que a crise de dimensões planetárias sinaliza para o esgotamento do atual modelo de desenvolvimento econômico.

Para debater essas e outras questões, a expectativa dessas redes de articulação se volta para a realização da Conferência Nacional Popular, Democrática e Autônoma por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CNPDA-SSAN), prevista para ocorrer em agosto, em São Luis, Maranhão. Na convocatória do evento é argumentado que a Conferência "é uma resposta da sociedade civil brasileira à ruptura causada pelo atual Governo Federal que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e desarticulou a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN)". Dessa forma, ocorreu o desmonte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), prejudicando, inclusive, a realização da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional que havia sido convocada para novembro de 2019.

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