VOLTAR

Coragem para atravessar um pedaço de floresta amazônica

WWF - www.wwf.org.br
Autor: Isadora de Afrodite
14 de Jul de 2009

Quando a equipe de pesquisa chegou ao acampamento da Expedição Científica Terra do Meio, encontrou uma estrutura de trabalho excelente no meio da floresta. Três barracões cobertos com lona branca delimitavam os espaços de convivência: a cozinha, a bancada de trabalho dos pesquisadores e a área para todos os participantes dormirem. A comida já estava no fogão de barro, feito naquele mesmo dia. Toda essa estrutura só foi possível graças a uma verdadeira aventura enfrentada pela equipe de logística.

Selecionados e contratados pelo Instituto Natureza Amazônica (INAM), empresa especializada em serviços na floresta, 14 mateiros foram os responsáveis por garantir o acesso e a permanência dos pesquisadores em campo. Eles saíram de Itaituba no dia 24 de maio.. Foram de carro até a Fazenda Roversi, próxima à Floresta Nacional de Altamira, e de lá partiram em direção às áreas escolhidas para servirem como bases de pesquisa. Foram 80 km percorridos a pé, no meio da floresta, para montar a estrutura de campo.

Cada um levava nas costas uma média de 30 kg, entre roupas, rede, material de campo e rancho, ou seja, a comida que seria consumida ao longo da viagem. O material foi transportado em jamanxins, cestos de palha presos às costas, tradicionais na Amazônia. Os mateiros avançaram abrindo as picadas com o facão, até chegar ao ponto que seria a base 2, mais próxima do limite da Flona. Foram seis dias de caminhada.

Na base 2, os mateiros foram divididos em equipes responsáveis por abrir as clareiras para o acampamento e para o pouso do helicóptero, montar os barracões e a estrutura do acampamento e abrir as trilhas de 4 km a 5 km cada, em quatro direções distintas, onde seriam realizadas as pesquisas.

Quando o trabalho da base 2 ficou pronto, os mateiros saíram novamente floresta adentro, dessa vez em direção à base 1, mais distante do limite da flona. Foram mais quatro dias de caminhada. Novamente as equipes trabalharam nas clareiras, na estrutura e nas picadas. No dia 15 de junho, quando a equipe de pesquisa da expedição chegou, toda a estrutura já estava pronta. E o pessoal da logística aguardava na base 1, para continuar dando apoio aos pesquisadores.

Em campo, os mateiros são indispensáveis para guiar os pesquisadores pelas trilhas, preparar a comida, manter o acampamento em ordem enquanto a equipe de pesquisa trabalha e, o mais importante, compartilhar com os pesquisadores os seus conhecimentos de campo. Uma expedição não acontece sem uma boa equipe de logística.

O acampamento foi chefiado por Zacarias Barros Piedade Júnior e por Vanilton Magalhães Pantoja, ambos funcionários do INAM. Vanilton, com o apoio de dois ajudantes de cozinha, também era o piloto do fogão de barro, construído por Raimundo Nonato Rodrigues dos Santos. "Quando estamos num acampamento assim, não pode faltar comida. Quando as equipes saem para as trilhas, voltam com muita fome porque gastam muita energia para andar na floresta. Se não falta comida, não falta disposição para trabalhar", explica Vanilton.

Viagem em duas etapas
Essa foi a segunda viagem que essa mesma equipe fez à Flona de Altamira. A primeira, realizada em outubro de 2008, durou 35 dias. Os mateiros atravessaram os mesmos quilômetros de floresta para preparar o acampamento para a expedição, que deveria ter acontecido em novembro de 2008, mas precisou ser cancelada. "A primeira viagem foi mais difícil, porque foi a primeira vez que abrimos as picadas e as clareiras, então o trabalho foi mais puxado. Dessa vez, só precisamos reavivar as trilhas e limpar de novo as clareiras que já haviam sido feitas", conta Vanilton.

Na primeira vez, a principal dificuldade enfrentada foi a falta de água. "Era época de seca, então não encontrávamos água potável. Quando achávamos algum ponto com água, era só um pocinho, onde os animais bebiam e defecavam. Mas tínhamos que usar essa água mesmo assim, para beber, cozinhar e lavar roupa", conta Vanilton. "A outra opção era beber água de cipó", completa.

Na segunda vez, ironicamente, a principal dificuldade foi o excesso de água. A travessia foi feita debaixo de muita chuva e, em determinado ponto, os mateiros precisaram atravessar o rio Aruri, com 80 m de largura. "Na primeira vez, a água era tão pouca que atravessamos o rio caminhando. Dessa vez, o rio estava cheio e com muita correnteza", relata Vanilton. Para fazer a travessia, cinco homens cruzaram o rio a nado, levando uma corda amarrada na cintura de um deles. A corda foi presa em cada uma das margens e serviu de guia para as próximas travessias.

Para levar a carga de um lado a outro, foi construída uma jangada, que flutuou sobre duas câmaras de pneu de caminhão. A jangada foi presa à corda-guia e fez várias viagens até terminar de transportar toda a carga e todos os mateiros. Mesmo com todas as dificuldades, os mateiros não perderam o ânimo. Eles tiveram que ficar três dias acampados às margens do Aruri, enquanto dois membros da equipe vinham ao seu encontro. Durante todo esse tempo, aproveitaram a jangada construída para pescar e nadar no meio do rio.

Empreitada familiar
A equipe de logística da Expedição Científica da Terra do Meio tem uma peculiaridade: quase todos os integrantes são da família de Isaac Coelho da Silva. Dos 14 integrantes da equipe de logística, 10 são da mesma família. Primos, sobrinhos e outros parentes fazem juntos o pesado trabalho de abrir picadas e clareiras e manter o acampamento em ordem.

Isaac conta a história da viagem emocionado: "Minha mãe era índia Kuruai e morava aqui nessa região, às margens do rio Iriri. Há 55 anos, ela teve que sair da sua casa, por causa de uma guerra com outro povo. Ela foi para Barreiras, onde conheceu meu pai e onde eu e meus seis irmãos nascemos. Agora, graças a esse trabalho, voltamos para a região de onde a minha mãe saiu".
Isaac e seus parentes já fizeram muitos tipos de trabalho pela região do Tapajós: já trabalharam na roça, no corte de madeira, em garimpo e mineradoras. A experiência de mato que adquiriram com esses trabalhos foi indispensável para a expedição. "Nós fomos contratados porque estamos acostumados com esse tipo de trabalho, mas principalmente porque temos coragem de entrar na floresta e ficar 30 dias caminhando. Não é todo mundo que aceita um serviço desse", conta Isaac.

Para eles o trabalho vale a pena porque aumenta a renda da família, mas o motivo principal é o gosto pela aventura. "Sempre gostei de desafio. Nós fomos contratados para dar todo o conforto possível para a equipe de pesquisa e nós todos trabalhamos com gosto. Eu gosto de mato. Até o ar da selva é melhor do que o da cidade, onde eu fico agoniado", afirma Isaac, e ensina: "no mato, temos que trabalhar juntos. Se todo mundo trabalha igual, o serviço fica leve para todo mundo".

Mas os mesmos 14 bravos homens, que corajosamente enfrentaram 35 dias de caminhada na primeira viagem e mais 32 dias de trabalho na floresta na segunda, perderam o sono com medo de entrar no helicóptero do Exército para ir da base 1 para a base 2 e preparar o acampamento para a mudança dos pesquisadores. E quando a expedição foi encerrada, mais uma viagem de helicóptero foi feita por eles. Mas, dessa vez, a vontade de chegar logo em casa venceu o medo de voar.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.