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COP 8 decide combater biopirataria

OESP, Vida, p. A38
01 de Abr de 2006

COP 8 decide combater biopirataria
Grupo vai elaborar até 2010 regime de repartição de benefícios da biodiversidade; Greenpeace vê fracasso total

Herton Escobar

A 8ª Conferência das Partes (COP 8) da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB), realizada em Curitiba, chegou ao final ontem em clima de comemoração por parte da delegação brasileira. Após uma longa maratona de negociações, o País conquistou seu maior objetivo na reunião: a definição de um mandato para o estabelecimento de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios (ABS) pelo uso de recursos genéticos da biodiversidade. Ou, em termos práticos, a criação de um regime internacional de combate à biopirataria.

Segundo o acordo firmado entre os 188 países signatários da convenção, o tema será debatido dentro de um grupo de trabalho específico, que deverá apresentar um regime "o mais cedo possível antes da décima reunião da Conferência das Partes" (COP 10), em 2010. O documento de referência para as negociações, como queria o Brasil, será o texto apresentado pelos países em desenvolvimento na última reunião preparatória em Granada, na Espanha, no mês passado.

O texto está quase que todo entre colchetes, o que representa falta de consenso entre os países. Ainda assim, é o primeiro documento oficial sobre o assunto. "Isso já representa uma vitória enorme nas negociações", disse o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. "Sem um documento na mesa você não consegue fazer nada. Agora temos um documento de referência e temos um prazo concreto para a resolução do regime."

"Não havia garantia de que fosse alcançado nenhum acordo aqui, de modo que isso pode ser considerado muito positivo", disse o embaixador Antônio Patriota, chefe da diplomacia brasileira na conferência.

O Greenpeace, por outro lado, classificou a COP 8 como um "fracasso total". Segundo a organização ambientalista, os governos se esquivaram de qualquer compromisso concreto para a conservação da biodiversidade. "A convenção é como um navio à deriva sem capitão", disse Martin Kaiser, assessor político do Greenpeace. Além da demora na definição de um regime de ABS, ele criticou a falta de decisões sobre criação de áreas marinhas protegidas e alocação de recursos para conservação.

"Discordo totalmente dessa avaliação", disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. "Fracasso foi a participação deles", reagiu Capobianco, que até entrar para o governo era ativista ambiental. Segundo ele, a crítica é baseada em "pseudoexpectativas" criadas pelo próprio Greenpeace, com base em uma agenda de interesses próprios. "É um jogo de cena absurdo que não leva a nada", disse. "Só diz que isso aqui foi um fracasso quem não entende o processo de negociação ou não está comprometido com ele."

DIFICULDADES

A tema de ABS foi o mais difícil de ser negociado nas duas semanas da conferência. O debate, de uma forma geral, está dividido entre os países em desenvolvimento (detentores da biodiversidade) e os países industrializados (detentores da tecnologia). Os primeiros querem um regime estabelecido o mais rápido possível, para garantir os direitos de propriedade sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade. Já alguns países ricos (em especial, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, com influência dos Estados Unidos) tentavam protelar as negociações.

"Estão ganhando tempo para que possam colocar nossa biodiversidade em códigos de barras", acusa Paulo Adário, do Greenpeace. "Esse é o verdadeiro jogo por trás do adiamento: a privatização da biodiversidade e dos benefícios da biodiversidade."

O principal objetivo do regime é combater a biopirataria. Ou seja, a exploração comercial não autorizada de recursos genéticos da biodiversidade. Por exemplo, no desenvolvimento de novas drogas e cosméticos por laboratórios estrangeiros a partir de espécies da fauna e flora brasileiras. "Sabemos que isso é algo que vai crescer brutalmente no curto e médio prazos", disse Capobianco.

O grupo dos países em desenvolvimento - em especial os megadiversos, dos quais o Brasil é o principal representante - quer garantir que qualquer uso comercial de sua biodiversidade seja devidamente reconhecido e recompensado, por meio da repartição de benefícios. Outra prioridade na negociação do regime será o reconhecimento dos conhecimentos tradicionais associados a esses recursos, de forma que populações indígenas e ribeirinhas possam também compartilhar dos benefícios de sua exploração.

OGMs

Duas outras vitórias brasileiras - nesse caso, conclamadas tanto pelo Ministério do Meio Ambiente quanto pelo Greenpeace - foram sobre transgênicos. Em meio a muita pressão por parte de ONGs, a convenção optou por manter sua moratória política ao uso das tecnologias genéticas de restrição de uso (Gurts), que podem ser usadas para produzir sementes inférteis (conhecidas como terminator).

Outro tema, que segundo diplomatas "caiu de pára-quedas na mesa", foi o de árvores transgênicas, como pinus e eucalipto. Sem que o tema estivesse na pauta de negociações, surgiram propostas tanto para incentivar quanto para bloquear o desenvolvimento dessas variedades. Por fim, a conferência recomendou a realização de um levantamento científico sobre o assunto, para que seja discutido na próxima COP, em 2008.

RECORDE

A COP 8 foi a maior reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica desde sua criação, há 14 anos, na Rio-92. A conferência teve cerca de 4 mil participantes, quase o dobro de suas antecessoras na Malásia e Holanda. O segmento de alta cúpula registrou a presença de 45 ministros, enquanto que as prévias registraram menos de 20 cada uma.

OESP, 01/04/2006, Vida, p. A38

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