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Contra o desmatamento

CB, Brasil, p. 14
Autor: ROSA, Luiz Pinguelli
04 de Dez de 2008

Contra o desmatamento

Entrevista - Luiz Pinguelli Rosa

O físico e ex-presidente da Eletrobrás diz que é possível aliar preservação ambiental e desenvolvimento
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o físico Luiz Pingelli Rosa, 61 anos, é especialista em energia nuclear e ocupou a presidência da Eletrobrás no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Deixou o cargo depois de muita briga interna no governo, inclusive com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na última segunda-feira, ele voltou ao Palácio do Planalto como secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas para lançar o plano nacional para o controle das emissões de gases poluentes e recebeu do presidente Lula a incumbência de estudar as causas das enchentes em Santa Catarina e propor medidas preventivas. Desde o início dos anos 1990, ele defende que a poluição é causada por distorções no modelo econômico. Ex-tenente do Exército, cassado pelo regime militar, Pinguelli é hoje um dos cientistas mais respeitados dentro e fora do país. Defensor da utilização das Forças Armadas no apoio à fiscalização da derrubada da Floresta Amazônica, ele define as queimadas como "a vergonha nacional". Em entrevista ao Correio, Pinguelli fala, entre outros assuntos, sobre gases do efeito estufa, idéias para geração de energia limpa e critica os ambientalistas contrários à implantação de novas usinas hidrelétricas: "Eles lutam contra as hidrelétricas como antes nós lutávamos contra a ditadura. É um equívoco histórico".

Contra o desmatamento

O Plano Nacional sobre Mudança no Clima lançado esta semana pelo governo não corre o risco de se transformar apenas em uma carta de intenções?

Não creio, porque já existem alguns instrumentos de atuação. Também há interesses comuns entre governo e empresários na ampliação da produção do álcool combustível, por exemplo, e haverá uma pressão grande da sociedade para que haja o controle das emissões. O mais importante é reduzir as queimadas na Amazônia, que passaram a ser a vergonha nacional. Qualquer nível de redução do desmatamento é importante. E isso vai ser estudado pelos pesquisadores, pelas universidades e ONGs. Se em 2010 o nível de redução da derrubada das florestas não for atingido, o governo terá que tomar outras medidas.

Por que o desmatamento, na sua opinião, é a vergonha nacional?

O desmatamento não serve para o desenvolvimento, atrapalha e agrava o controle da mudança climática. A produção de aço, por exemplo, depende dos fornos que são movidos a madeira e carvão vegetal. Parte desse aço é destinada a coisas úteis, como produtos utilizados na construção civil. Outra parte, porém, é para bobagens, como os carrões pesados da moda que poderiam ser evitados. Os novos desmatamentos não beneficiam ninguém. O Brasil já tem muita área degradada e precisa recuperar imensas pastagens abandonadas. É urgente a adoção de uma política do governo e fortalecimento do poder do Estado. Eu já falei que o neoliberalismo está em xeque no mundo todo, inclusive com a eleição de (Barack) Obama, nos Estados Unidos. No nosso caso, precisamos usar o Estado, porque necessitamos de leis e sanções para punir quem desmata.

Como conciliar o desenvolvimento do país e a manutenção das florestas, que também são fonte de matéria-prima?

Para manter a floresta em pé é mais fácil, do ponto de vista da conciliação do desenvolvimento com o ambientalismo. O mais difícil, no entanto, é como tratar as demais áreas fora da Amazônia. O que fazer com o cerrado, onde há grande expansão agrícola? Para isso, o zoneamento econômico ecológico é uma solução fundamental, porque define regras. E o zoneamento tem que ser feito de acordo com a vocação de cada região. Certamente, a vocação da Amazônia não é formar pastos ou plantar qualquer coisa.

Mas a fronteira agrícola avança sobre a Amazônia, inclusive com a elevação da taxa de desmatamento, que voltou a crescer este ano.
Isso ocorre por falta de Estado e de polícia. Entendo que deveríamos utilizar as Forças Armadas nessa jornada. Na falta de terrorismo no Brasil, ou de comunistas, como antes, o Brasil deveria utilizar os militares não para reprimir o desmatamento, mas para dar apoio logístico e segurança aos fiscais, ajudar a Polícia Militar e fazer uma operação de guerra, igual a essas que são montadas para dar segurança aos chefes de estado que nos visitam.

Como o setor privado no Brasil pode contribuir para a redução das emissões de gases do efeito estufa?

Pode contribuir muito. Em parte, o setor privado brasileiro já faz isso. A pauta de trabalho de algumas indústrias já contempla tecnologia de produção com baixa emissão. De outras não. A maneira mais simples seria buscar formas para que o setor industrial convergisse para melhorar suas instalações. É claro que isso não é tão simples. Por causa de heterogeneidade da produção econômica, existem muitas fábricas de fundo de quintal, pequenas e médias indústrias. E quem tem mais dificuldade para melhorar suas instalações é exatamente o pequeno industrial. Nesses casos, é preciso apoio do governo para o financiamento destinado à implantação de tecnologias mais limpas.

Fala-se no governo sobre a redução do Importo sobre Produtos Industrializados (IPI) para a produção em alguns segmentos da indústria mais limpa. Como isso pode ser feito?

Vou dar um exemplo simples. No caso dos automóveis, é possível manter a arrecadação dos impostos sobre veículos taxando muito os carros maiores e que emitem muito mais gases, e menos os menores. Essa política já foi adotada com a redução dos impostos sobre a comercialização e o consumo do álcool. Pode-se fazer isso penalizando as caminhonetes grandes que a classe média compra por modismo, pois nem precisam daquilo. É preciso desestimular a utilização desse tipo de produto. As empresas também deveriam assumam esse papel.

Essa evolução no setor privado brasileiro não é ainda muito incipiente?

Ainda, mas é preciso regulamentação para fazer a mudança. Vou dar um exemplo: quando o consumidor compra um eletrodoméstico, verifica que o aparelho tem o selo verde, que indica baixo consumo de energia, ou vermelho, que indica um gasto maior. O produto que é classificado com o selo vermelho deveria ser retirado do mercado. A decisão não deveria caber ao consumidor. O sujeito mais pobre, que tem pouco dinheiro, não vai escolher o produto mais caro com selo verde. Ele termina escolhendo o que consome mais energia, porque é barato. O consumidor pobre não pensa na energia que vai gastar, porque paga aos poucos, enquanto o preço mais caro do produto atinge logo o bolso. No caso dos carros, temos que identificar os automóveis que consomem demais e poluem muito para penalizar a comercialização e a industrialização com mais impostos. No próximo ano, o governo vai identificar os carros mais poluidores com um selo. Quem quiser ter automóvel pesado, terá que ser muito rico.

Qual a política que o governo pode adotar na composição da matriz energética e manter a geração limpa de energia?
As hidrelétricas são boas para o Brasil, desde que respeitem as restrições ambientais. Hoje, está havendo uma oposição muito forte às hidrelétricas, o que é um equívoco histórico. Poderemos pagar muito caro por isso no futuro, se não chegarmos a um pacto. Já sugeri ao presidente Lula para usar sua habilidade política e superar o impasse em torno das hidrelétricas. A Eletrobrás tem a idéia de adotar o modelo de plataforma-hidrelétrica. As usinas seriam implantadas no meio da floresta, sem nada em torno, como se fosse uma plataforma de petróleo no mar. As pessoas não poderiam morar próximo e, para chegar lá, teriam que ser transportadas de helicóptero, para não haver estradas em volta.

Mas as hidrelétricas não provocam um forte impacto ambiental?

A hidrelétrica não é totalmente limpa por causa da grande obra que atinge a floresta, com atração de operários desde o início da construção. Hoje não se faz mais usinas com grandes reservatórios. É preciso fazer um pacto entre o governo e o movimento ambientalista para definir o que pode e o que não pode ser feito na implantação de hidrelétricas, já que é na Amazônia que se localiza o maior potencial. Os ambientalistas têm uma visão contra essas usinas como nós tínhamos, no passado, contra a ditadura. O Brasil não pode abrir mão desse tipo de geração de energia. Nos próximos 10 ou 15 anos, ainda teremos que construir esse tipo de usina. Só teremos que escolher as mais adequadas. Do ponto de vista ambiental, a geração de energia eólica é mais limpa, só que muito mais cara e, por enquanto, inviável para a nossa necessidade.

CB, 04/12/2008, Brasil, p. 14

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