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Contornos da questão indígena

JB, Opiniões, p. A11
Autor: SANTOS, Antonio Oliveira
07 de Fev de 2006

Contornos da questão indígena

Antonio Oliveira Santos
Empresário

Quando os portugueses desembarcaram, na Terra de Santa Cruz, a população nativa deste vasto territo o, então desconhecido em seus limites, deveria abrigar uma população estimada entre 2 e 4 milhões de almas, distribuídas por 1.000 etnias. Passados 500 anos, essa população está reduzida a cerca de 370 mil indivíduos. Essa drástica redução, cuja tendência, entre outras razões, deriva da truculência do conquistador ibérico, certamente inculcou nas gerações de hoje um sentimento de culpa que molda a política da generosa demarcação das terras indígenas. A esse respeito, cabe lembrar que as reservas indígenas já representam, hoje, 12% do território nacional, e que o Presidente da Funai, conforme declaração recente, deseja ampliar para 13,5%.
Embora a população remanescente que, como indígena, conserva os usos, costumes e tradições da era pré-colombiana, seja hoje fração infinitesimal da população brasileira, ainda assim corresponde a 220 povos que falam mais de 180 línguas distintas, E estão distribuídos por milhares de aldeias situadas em cerca de 580 terras indígenas. Bastam esses poucos dados para sublinhar a complexidade do tema, altamente sensível do ponto de vista político, dentro e fora do país.
As terras reservadas aos povos indígenas somam mais de 106 milhões de hectares, ou seja, 12% do território nacional, a maior parte concentrada na Amazônia Legal e apenas pequena fração distribuída pelas demais regiões do país.
Há, desde logo, no tocante à dimensão das terras outorgadas aos índios, o argumento das enormes extensões demarcadas. Muita terra para uns poucos índios. Os que são contrários a esse argumento alegam que precisam eles de grandes áreas, para delas retirar seu sustento. Mas isso significa pensar numa economia exclusivamente coletora, como se o estado da arte ao seu alcance ainda fosse, unicamente, o da era anterior ao descobrimento.
Um exemplo extremo da excessiva relação terra/índio está em Roraima. Dos seus 23 milhões de hectares mais de 50% estão "congelados" pela Funai. Vivem no Estado cerca de 30 mil índios, 40% dos quais integrados na vida urbana da capital, Boa Vista. Na verdade, a celeuma em torno dos índios de Roraima está centrada sobre os ianomâmis, que não chegam a ser 4 mil. Mas os impedimentos legais entorpecem o desenvolvimento econômico e social do Estado, mesmo que a proposta seja conservacionista, isto é de utilização racional, não predatória de seus recursos naturais e reconheça, de acordo com a Constituição Federal, direitos permanentes e coletivos dos próprios índios.
Da relação terra/índio, no caso de Roraima tomado como ilustração, percebe-se que ainda persiste a dicotomia doutrinária que surgiu quando da elaboração do Estatuto do índio de 1973. A concepção antropológica versus a concepção política. Pela visão antropológica, missionários e cientistas insistem em dissociar os povos indígenas da comunidade nacional, de modo a preservar-lhes os traços culturais. Em contraste, a visão política pretende sua integração na vida nacional num processo no qual a cultura primitiva, ainda a pré-colombiana, pela valorização de seus elementos capitais, possa interagir com a cultura vinda da Europa, permitindo ao índio, sem perda de sua identidade, usufruir das vantagens de uma civilização mais avançada do ponto de vista material.
A Constituição de 1988 não faz menção ao instituto da tutela. E faz bem. Ainda que aos poucos, os índios se incorporam à dinâmica social do país. Participam da vida política, votam e são votados e como todos os demais brasileiros são alcançados, de uma forma ou outra, pelas políticas governamentais. Não devem mais ser vistos num contexto de imagens e fabulações que pertencem ao passado. Ainda que o Estado lhes dê proteção em função de suas peculiaridades visivelmente culturais, a capacidade jurídica dos índios é um tema da hora, quando muitos, insuflados por interesses escusos, praticam a desobediência civil. São esses argumentos que apontam claramente para a prevalência da visão política sobre a concepção antropológica.
Antonio Oliveira Santos é presidente da Confederação Nacional do Comércio.

JB, 07/02/2006, Opiniões, p. A11

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