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Contato com 'homem branco' mudou vida dos cinta-larga

Diário de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Daniel Pettengill
14 de Jul de 2002

Convivência com branco os fez alterar costumes alimentares e conhecer o alcoolismo, as drogas e a prostituição

As marcas de uma vida transformada pelo contato com as seduções do "mundo dos brancos" ficam evidentes em todas as gerações dos índios cinta-larga, em Juína.

Desde que os primeiros contratos com os madeireiros da região foram firmados, há quinze anos, os hábitos alimentares, costumes, cultura e tradições da etnia foram gradativamente sendo modificados e degradados, assim como as reservas florestais que abrigam as 35 aldeias do povoado em Mato Grosso e Rondônia.

Os detalhes desta metamorfose social foram acompanhados de perto pelo professor da Universidade Federal de Mato Grosso, João Dal Poz, que há 20 anos estuda a questão indígena na região e já elaborou teses sobre os cinta-larga.

Segundo o professor, a destruição dos valores originais da etnia podem ser percebidos tanto na modificação física dos índios quanto na incorporação de aspectos "desagradáveis" da vida moderna, trazidos pelo dinheiro.

Financiados pelos acordos com as madeireiras, os índios se desmotivam a continuar cultivando as lavouras de subsistência e tomam distância da terra, o que acaba resultando na inevitável entrega ao ócio. "O maior efeito desse contato nocivo é a obesidade assustadora, presente principalmente nos índios de 25 a 30 anos, que não praticam atividades físicas, e o acesso a bebidas alcoólicas, drogas e prostitutas", conta o professor.

O ganho de peso em excesso por parte dos índios jovens é atribuído à incorporação de alimentos industrializados, comprados na cidade, que contém grande concentração de açúcar, o que não fazia parte da nutrição indígena. "Muitos já desenvolveram diabetes, doença decorrente da ingestão de alimentos açucarados", cita o professor.

João Dal Poz afirma que há casos de índios que conseguiram adquirir imóveis na cidade, transitam de aldeia em aldeia com caminhonetes importadas e chegaram a constituir família com mulheres que trabalhavam em prostíbulos.

Mas, apesar das aparências, segundo o professor, não se pode dizer que existem índios ricos atualmente. "Eles não acumulam riqueza, pois gastam com coisas supérfluas ou distribuem para amigos ou outras pessoas o que ganham dos madeireiros. O dinheiro escorre por suas mãos. A condição geral de vida dos índios é muito ruim", relata Dal Poz.

A vida em aldeia, que trazia o culto às tradições da etnia, os rituais e as crenças foram lentamente sendo trocados pelos ambientes de "diversão de branco": discotecas, bares e casas de prostituição. Em algumas aldeias, os madeireiros chegaram a construir casas para famílias de índios, também sem lembrar em nada as residências originais da etnia.

"Parecem favelas em áreas indígenas. As casas são desfuncionais, feitas com pisos de cimento e as índias cozinham em precários fogões a gás", aponta João Dal Poz.

Devastação - Nos quinze anos de exploração irregular em Juína, os índios assistiram à destruição de grande variedade de madeira encontrada na reserva.

O mogno foi o primeiro da lista e resultou no desmantelamento de áreas completas da matéria-prima. Em seguida, foi a cerejeira, o angelin e atualmente o ipê é a "bola da vez". Todas as espécies foram sendo extraídas sem o devido reflorestamento.

"Para começo de conversa todos os envolvidos na questão, madeireiros e fiscais corruptos, principalmente deveriam pagar indenizações à União pelo prejuízo que causaram ao meio ambiente", propõe o professor João Dal Poz.

Etnia quer primeiro plano de manejo

"Clientes" de madeireiros há quinze anos, os índios cinta-larga, da região de Juína (737 quilômetros ao Norte de Cuiabá) querem agora autorização para "explorar racionalmente" as suas terras.

Na semana passada, lideranças da etnia protocolaram uma solicitação junto ao Ibama, pedindo a elaboração de um plano de manejo sustentável para a região com o objetivo de explorar a madeira da reserva.

A decisão foi motivada em parte pelo volume de madeira irregular apreendida pela Operação Mogno, feita em conjunto por Ibama, Ministério Público Federal e Promotoria do Meio Ambiente.

Em 60 dias de operação, a equipe de fiscalização apreendeu 25,7 mil metros cúbicos de madeira, lavrou 63 autos de infração e aplicou multas da ordem de R$ 8 milhões. A operação abrange ainda os municípios de Juruena e Aripuanã. Com a "pressão" das autoridades, os índios querem racionalizar a retirada da madeira da área, que sofreu degradações irreparáveis ao longo de 15 anos de exploração desmedida, resultado das "relações contratuais" firmadas com madeireiras da região.

Caso seja aceita, a solicitação dos índios cinta-larga será a pioneira no Estado e a segunda no país, que só possui um plano de manejo florestal para áreas indígenas no Pará, para os índios kaiapó-xicrim.

Como embasamento legal para o pedido, os cinta-larga utilizaram a Medida Provisória no1.956-54, que regula a exploração dos recursos florestais em áreas indígenas. No artigo 3o, a MP estabelece que a exploração destas áreas só pode ser feita com a aplicação de regime de manejo florestal, objetivando a subsistência da comunidade.

"Começamos a colher os primeiros resultados positivos desta operação, pois assim poderemos pensar em preservação ambiental e frear a exploração irresponsável," afirma o promotor de Meio Ambiente Domingos Sávio Barros. Segundo ele, a exploração consciente da reserva dos cinta-larga vai permitir o reflorestamento e ainda servirá como forma eficiente e legal de renda para os índios. "Na lei não existe nenhum dispositivo que impeça os índios de comercializarem suas mercadorias, desde que seja baseado em planos de manejo sustentável," ressalta o promotor.

Já o deputado Gilney Viana (PT), que acompanha a questão indígena no Estado, acredita que o plano pode trazer benefícios para a comunidade, mas prefere chamar a atenção para o antigo problema da "sociedade" entre índios e madeireiros. "Infelizmente muitos dos índios optaram pelo caminho do dinheiro fácil e criaram uma relação de dependência com o branco. As coisas poderiam começar a mudar a partir da investigação dos madeireiros", comenta Gilney.

A operação - A Operação Mogno teve início em maio depois de denúncias de irregularidades na extração de madeira na região Norte. Até agora, o volume apreendido corresponde a pelo menos 750 caminhões do tipo carreta carregados. Nesta primeira etapa, a equipe de fiscalização está visitando as 46 madeireiras de Juína. De acordo com a gerência do Ibama no município, já foram protocolados 10 pedidos de planos de manejo pelo órgão, mas ainda não foram liberados.

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