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Contagem regressiva em Buenos Aires

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
17 de Dez de 2004

Contagem regressiva em Buenos Aires

Washington Novaes

Impressiona quem esteja acompanhando em Buenos Aires (onde estas linhas estão sendo escritas) a 10.ª Reunião das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas uma nova ênfase nas discussões.
Desde o primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no final da década de 1980, chamando a atenção para o aumento da temperatura da Terra e para a influência das emissões de gases poluentes nesse aumento e nas mudanças climáticas que começavam a acontecer, o objetivo maior era conseguir uma redução nas emissões. A convenção assinada no Rio de Janeiro em 1992 e sua regulamentação no Protocolo de Kyoto (1997) tinham, por isso, como alvo principal a redução nas emissões dos países industrializados, que as produzem em maior volume (hoje, 60% do total) e há mais tempo.
Nesta reunião de Buenos Aires, entretanto, desde os pronunciamentos na abertura, uma forte ênfase vem sendo colocada na chamada "adaptação", em iniciativas que habilitem os países a construir sistemas mais adequados de previsão de fenômenos climáticos que produzam "desastres naturais"; permitam capacitá-los a adotar medidas preventivas, a minimizar riscos. Porque os desastres se avolumam e se agravam de ano para ano.
Neste momento mesmo, a Argentina está sofrendo com chuvas inacreditáveis de 800 milímetros em apenas 96 horas na região do Chaco - quase tanto quanto a média anual tradicional. No país todo, as chuvas aumentaram 20% nas últimas décadas. Os Andes sofrem um processo de degelo. O nível do mar em certos pontos subiu 17 centímetros em um século.
No Brasil, discute-se se Santa Catarina teve seu primeiro furacão. O IPCC diz que a tendência, em nosso território, é de aumento das secas e inundações, dificuldades progressivas no abastecimento de água das cidades maiores. Um estudo sobre esses impactos, comandado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal, está sendo revisto pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e será discutido em janeiro no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Segundo relatou aqui o IPCC, continua válido seu prognóstico (do relatório de 2002) de que, com o atual ritmo de crescimento das emissões, haverá um aumento de 1,4 a 5,8 graus Celsius na temperatura da Terra ao longo do século 21 e o nível do mar subirá entre 9 e 88 centímetros. Será inundada grande parte das áreas costeiras do mundo, onde vive 40% da população. Mais de 30 países-ilhas poderão desaparecer. E tudo pode ser mais grave ainda se persistir a atual tendência de aumento muito rápido da temperatura no Ártico, onde há água congelada suficiente para elevar em alguns metros o nível dos oceanos. Recente reunião do Fórum Europeu do Clima, em Beijing, concluiu que haverá danos muito fortes na Ásia, na América Latina e até na Califórnia (EUA), que poderá ter seus fluxos de água reduzidos entre 13% e 30%.
Tudo isso leva os países em desenvolvimento, que serão os mais atingidos, a exigir aqui que os países industrializados lhes repassem recursos e transfiram tecnologias capazes de permitir a "adaptação".
A segunda grande discussão é sobre o que fazer depois de 2012, quando termina o prazo para que os países industrializados cumpram a meta de reduzir em 5,2% (sobre os níveis de 1990) suas emissões de gases. Como levar os Estados Unidos a assumir compromissos (eles voltaram a rejeitá-los aqui)? Os europeus querem que os países em desenvolvimento grandes emissores, como a China (o segundo maior), o Brasil (o sexto) e a Índia, também assumam compromissos, já que em 2025 eles superarão os industrializados em emissões. Mas o Brasil, a China e todo o Grupo dos 77 rejeitam, lembrando que os industrializados têm uma responsabilidade maior, pois emitem desde o início da revolução industrial. O Brasil, que hoje responde por 3% das emissões, só gerou 1% do que está concentrado na atmosfera.
Temos, entretanto, uma vulnerabilidade. Nossa matriz energética é relativamente "limpa", por depender basicamente de hidreletricidade. Mas 75% das emissões brasileiras são conseqüência de desmatamentos, queimadas, mudanças no uso do solo na Amazônia, e já eram superiores a 1 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono em 1994 (data do inventário apresentado aqui) e continuam crescendo, inclusive por causa do avanço da agricultura e da pecuária no bioma. Esse quadro gera pressões crescentes sobre o Brasil.
Um membro da delegação brasileira informou nesta reunião, num evento paralelo, que o presidente da República determinou ao Ministério do Meio Ambiente que fixe metas para redução do desmatamento na área, mas sem compromissos no âmbito da convenção.
Nos próximos meses, haverá discussões sobre o pós-2012 também no âmbito do G-8, informadas por um seminário científico prévio. O primeiro-ministro Tony Blair, que está assumindo a presidência do G-8, quer encontrar formatos capazes de atrair os Estados Unidos para a negociação.
"É preciso fazer mais e mais rápido", disse na abertura da reunião de Buenos Aires o ministro argentino Ginés González García. "Mudanças climáticas são o principal desafio do século 21", acrescentou a holandesa Joke Wallers Hunter, secretária da reunião. E advertiu: "A contagem regressiva já começou."
Washington Novaes é jornalista

OESP, 17/12/2004, Espaço Aberto, p. A2

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