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A conta do atraso

CB, Política, p. 2-3
19 de Jul de 2009

A conta do atraso
Restando um ano e meio para o fim do governo Lula, obras de projetos de irrigação ainda engatinham no país, mesmo com a previsão de investimentos bilionários

Lúcio Vaz

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contempla mais de R$ 6 bilhões de investimentos em 17 projetos de irrigação até o final do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mais R$ 4,8 bilhões serão aplicados na transposição do rio São Francisco, que vai fornecer água para abastecimento humano e de animais, além de viabilizar a irrigação em 160 mil hectares. Mas as obras estão apenas engatinhando, embora falte um ano e meio para terminar a gestão de Lula. Os empreendimentos são tantos que até o governo tem dificuldades para controlar a sua execução. E falta dinheiro para tantas frentes de trabalho.

A transposição do rio São Francisco, por exemplo, está dividida nos eixos Leste e Norte. O Eixo Norte, no valor de R$ 2,9 bilhões, tem conclusão prevista para o final de 2014. Até o fim de 2010, ano em que a coordenadora do programa, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pretende disputar a Presidência da República, o governo quer investir todo o valor previsto na obra. Mas o sétimo balanço do PAC, divulgado no começo de junho, informa que, até abril, foram executados apenas 6,7% do dotal desse eixo. O governo promete aplicar R$ 1,9 bilhão e concluir o Eixo Leste até o final de 2010, mas só executou 5,9% dessa etapa até agora.
Um levantamento feito pelo Correio nas 17 grandes obras de irrigação mostra que os valores anunciados pelo PAC até 2010 são, na realidade, apenas uma parte desses projetos. O governo promete investir R$ 2,8 bilhões até o final do próximo ano. Entretanto, o valor total dessas obras chega a R$ 6,3 bilhões. Os balanços do PAC apresentam informações parciais e, algumas vezes, desencontradas com a de outros órgãos do governo. O sétimo balanço informa, por exemplo, que o governo vai investir R$ 251 milhões na etapa 1 do perímetro de irrigação Salitre, em Juazeiro (BA), para uma área irrigável de 12,3 mil hectares. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco (Codevasf) afirma que a obra, iniciada em 1998, já recebeu R$ 204 milhões e tem valor total de R$ 635 milhões, com área irrigada de 31 mil hectares.

Obra antiga
O projeto de irrigação Jaíba (MG) vai receber R$ 84 milhões do PAC. Parece muito dinheiro, mas o valor total dessa obra chega a R$ 1,2 bilhão. O empreendimento teve início em 1974, ainda no governo Médici, em plena ditadura militar, e já recebeu investimentos de R$ 710 milhões. Vai ficar pronto em 2020, ou seja, 46 anos após o seu início. Em valores atualizados, o projeto de irrigação Flores de Goiás (GO), iniciado há 11 anos, custará R$ 650 milhões, mas vai receber apenas R$ 49 milhões do PAC.

O governo também quer concluir no ano eleitoral os projetos tocados pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). São cinco obras no valor total de R$ 1 bilhão, com área irrigável de 25 mil hectares. Todos eles estão compreendidos na segunda etapa de projetos antigos. Um ano e dois meses depois de iniciados, atingiram apenas 19% da sua execução. Mas o Dnocs anuncia que quatro deles serão concluídos em junho e julho do próximo ano.

O Correio solicitou à Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério da Intregração Nacional informações sobre a execução de oito projetos. A secretaria informou que não tinha dados fechados sobre esses projetos, porque há desencontro de informações entre órgãos do próprio governo.

Os projetos de irrigação não são os únicos a sofrerem atraso na área de recursos hídricos. O projeto de revitalização dos rios São Francisco e Parnaíba tem apenas quatro obras concluídas e 93 em andamento no setor de esgotamento sanitário. Outras 73 estão em fase de "ação preparatória" e 28 em licitação. O programa de Controle de Processos Erosivos tem três obras concluídas, 23 em andamento e 121 em "ação preparatória". Juntos, os dois programas têm orçamento de R$ 1,38 bilhão. O programa Água para Todos prevê a implantação de sistemas de abastecimento de água em 746 localidades, mas 726 deles estão em "ação preparatória". Também está prevista a construção de 32 mil cisternas, mas até agora foram feitas apenas 3,8 mil.

Mãos de ferro
A ministra-chefe da Casa Civil coordena o PAC com mãos de ferro, cobrando resultados dos gestores dos projetos em uma dezena de ministérios. Em 16 de junho, ela chegou a ameaçar retirar da Funasa a coordenação das pequenas obras de saneamento, por causa do atraso no cronograma. A execução do PAC precisa avançar muito neste e no próximo ano porque o programa será o principal mote da sua campanha a presidente, com o apoio do presidente Lula.

Parceria
O número de cisternas construídas até agora com os recursos do PAC (3.824) representa apenas 1,5% das 243 mil unidades já entregues pelo programa Um Milhão de Cisternas, uma parceria do governo federal com a ONG Articulação do Semiárido (ASA). Mesmo o número total de cisternas previsto pelo PAC representa pouco mais de 10% das obras já feitas pela ONG.

Dinheiro pelo ralo

Após seis meses de paralisação, foram retomadas, na semana passada, as obras do Canal do Sertão Alagoano, um dos maiores projetos de irrigação e abastecimento de água do PAC, com previsão de investimentos de R$ 593 milhões até 2010. Mas os trabalhos estão atrasados. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) havia apontado irregularidades graves na obra, como superfaturamento, sobrepreço, jogo de planilhas e aditivos ilegais. A empreiteira Queiroz Galvão aceitou readequar o projeto e repactuar os preços com o governo de Alagoas, que toca o empreendimento.

O diretor do Núcleo de Coordenação e Planejamento do Canal do Sertão, Ricardo Aragão, afirma que, em 30 dias, a obra terá retomado o ritmo de dezembro de 2008. Na semana passada, houve mobilização nos canteiros de obras. Foram reinstalados maquinários e usinas de brita. As chuvas, entretanto, atrapalharam e atrasaram um pouco o reinício das obras. "Após a retomada, teremos um ritmo acelerado", prevê Aragão. Além do trecho 1, até o Km 45, será iniciado agora o trecho até o Km 64.

Haverá uma corrida contra o tempo para concluir a primeira etapa no ano eleitoral. Nos últimos três anos, foram liberados R$ 96 milhões e construídos apenas 28,5km de canais. O plano era entregar 97,5km até o final do governo Lula. Mas será possível chegar somente até o Km 89. O canal vai irrigar 16 mil hectares, sendo 6 mil no sertão alagoano e 20 mil no agreste, na região da Arapiraca. Também será possível fornecer água para o consumo de um milhão de pessoas. O governo promete concluir todo o empreendimento, com 250 quilômetros do canal, até 2014. Completa, a obra vai custar R$ 1,3 bilhão. (LV)

Com sede e tão perto d'água
Projeto Flores de Goiás é espelho do que ocorre no país: obras que se arrastam há anos e poucos beneficiados

Lúcio Vaz

Flores de Goiás (GO) - O lote de Roberto Andrade no assentamento Santa Maria está localizado entre duas barragens, distante dois quilômetros do rio Paranã e a apenas 500 metros do canal principal do maior projeto de irrigação do estado. Mas ele não tem água para irrigar as plantas nem dar de beber aos animais. A família bebe a água aparada na cisterna. Assim como ele, outras 2,4 mil famílias esperam pela conclusão do projeto de irrigação Flores de Goiás, que terá 10 barragens e um canal de 109km para irrigar 26 mil hectares. Onze anos após o início da obra, a primeira etapa do projeto beneficia diretamente apenas dois proprietários, que têm água de graça para irrigar mil hectares. Outros 30 fazendeiros aproveitam a regularização da vazão do rio Paranã para bombear água para mais 6 mil hectares.

A obra tem orçamento atualizado em R$ 650 milhões, mas vai receber apenas R$ 49 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até o fim de 2010. O dinheiro será suficiente apenas para concluir a segunda etapa. Só a construção de um vertedouro na barragem do Paranã, concluída em 2002, vai consumir R$ 30 milhões. O restante - R$ 19 milhões - já foi utilizado na construção da barragem Porteira, que está pronta, mas aguarda a próxima estação de chuvas para encher. As próximas etapas serão readequadas. O Tribunal de Contas da União (TCU) exige a desapropriação das terras a serem irrigadas.

Distante cerca de 80km da primeira barragem, o assentamento São Vicente abriga 539 famílias. Os agricultores já estão perdendo a esperança de contar com o projeto de irrigação. Jacinto Pereira Filho, 45 anos, chega a percorrer seis quilômetros numa carreta de boi para buscar água no rio Macacão, onde deveria existir outra barragem. "Irrigação? Não tenho mais esperança. Do jeito que vai, esse assentamento vai acabar", comenta.

Milton Monteiro da Silva, 52 anos, não acredita mais na promessa de que a irrigação vai chegar. "Essa promessa é velha. Desde quando entrei aqui ela existe." Ele diz estar no assentamento há 12 anos. "Quando a gente veio, disseram que ia ter água, luz e até asfalto." Sem irrigação, Milton colheu apenas 60 sacos de milho neste ano, numa lavourinha de três hectares. A renda da safra, R$ 1 mil, vai ter que durar o ano inteiro. Alfredo da Silva, 62, fez uma pequena barragem, mas a água é barrenta, esbranquiçada. "Parece um leitinho, mas é boa", conforma-se.

Poucos quilômetros abaixo da barragem do Paranã, Delmar Etcheverria planta 600 hectares de cultura irrigada (arroz e feijão). Usou a irrigação em 2003 e 2004, mas a barragem foi parcialmente sangrada em 2004, para não estourar. Neste ano, ele voltou a plantar com irrigação. Delmar fala que não paga nada pelo uso da água. "Por enquanto, não. Enquanto não arrumar tudo, ninguém está pagando nada." Ele afirma que já comprou as terras valorizadas. Pagou R$ 4,5 mil por hectares, quase o dobro de média da região.

O diretor de Irrigação da Secretaria de Planejamento de Goiás (Seplan), Adalberto Sampaio, explica o motivo de a obra não estar concluída 11 anos após o início. "Falta de dinheiro. A obra tem 90% de recursos federais. As liberações não aconteceram de acordo com o cronograma." E por que só dois fazendeiros são os beneficiados? "Porque só temos canais para chegar aos mil hectares. O projeto não andou. Como vamos irrigar onde a água não chegou?" Questionado se um projeto de irrigação público pode beneficiar particulares, responde: "O conceito do projeto previa que o governo entraria com a infraestrutura hidráulica. Os proprietários entrariam com a terra. O TCU determinou que sejam feitas as desapropriações. Estamos fazendo isso." As desapropriações vão custar mais R$ 100 milhões.

CB, 19/07/2009, Política, p. 2-3

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