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Conta d'água bilionária

O Globo, País, p. 3
11 de Nov de 2014

Conta d'água bilionária
Rio e SP precisarão gastar R$ 8,5 bi para garantir abastecimento; Alckmin pede ajuda a Dilma

Catarina Alencastro, Luiza Damé e Gustavo Goulart

BRASÍLIA E RIO- Diante da maior seca dos últimos 84 anos em São Paulo, e propondo a transferência de parte da água de um dos reservatórios do Rio Paraíba do Sul para o estado a fim de melhorar o abastecimento, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) pediu ontem ajuda ao governo federal, em reunião com a presidente Dilma Rousseff, para financiar oito obras de infraestrutura na área hídrica. Juntas, elas custarão R$ 3,5 bilhões - R$ 1,5 bilhão a menos do que o Rio precisa gastar para universalizar o abastecimento fluminense. O Rio ainda não enfrenta seca, mas sua principal fonte de abastecimento, o Paraíba do Sul, já está com os quatro reservatórios com os níveis mais baixos dos últimos 36 anos. O total de R$ 8,5 bilhões que precisa ser investido em obras, nos dois estados, não trará resultados imediatos. Em São Paulo, algumas intervenções começarão a ficar prontas em 2015, mas o restante, somente daqui a três anos. No Rio, a previsão é que o sistema esteja universalizado só em 2030.
A conta pode ficar ainda mais alta. Segundo o pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe, Paulo Carneiro, que coordenou o estudo, encomendado pelo Instituto Estadual de Ambiente, que aponta que serão necessários R$ 5 bilhões para o Rio resolver seus problemas de água, o cálculo é baseado na situação atual do estado e não leva em conta fatores como a possibilidade de transposição para São Paulo.
- O estudo foi feito levando em conta o atual nível de atendimento médio do sistema de abastecimento de água do estado. O investimento médio necessário foi estimado em 5 bilhões. Não leva em conta fatores que possam advir da atual crise que vem enfrentando o estado de São Paulo, como possibilidade de captação da água do Rio Jaguari, no Rio. E também não leva em conta a possibilidade de, no futuro, ser necessária a dessalinização da água do mar - comentou Carneiro.
Ontem, em Brasília, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, explicou que os R$ 3,5 bilhões seriam gastos na interligação do Rio Jaguari ao Atibainha; na barragem de Pedreira e Duas Pontes; no sistema adutor regional para os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí; na interligação do Rio Pequeno com a represa Billings; na estação de reúso para reforço do sistema Baixo Cotia; na adutora emergencial Jaguari-Atibaia para reforçar a captação de Campinas; e na construção de 24 poços artesianos no Aquífero Guarani. Alckmin afirmou ainda que, a partir de 2017, São Paulo contará com seu oitavo sistema de produção de água, de São Lourenço, que jogará 4,8 m3 por segundo para o Cantareira, graças a um convênio de R$ 1,8 bilhão entre São Paulo e a União, que será assinado na próxima semana. Além disso, ele disse que há obras permanentes para que o estado seja cada vez menos dependente da água do sistema Cantareira, o que mais vem penando com a estiagem.
- São Paulo enfrenta esta que é a pior seca dos últimos 84 anos com planejamento, com obra e com uso racional da água. Não há esse risco (de falta de água). Temos um sistema extremamente forte. As obras para amanhã já estão sendo feitas - afirmou o governador, que voltou a dizer que não será preciso fazer racionamento de água.
Para o diretor do Departamento de Hidrologia da Faculdade de Engenharia da Unicamp, Antônio Carlos Zuffo, as medidas anunciadas por Alckmin aumentariam a margem de manobra do sistema a longo prazo. Mas, de acordo com Zuffo, parte das propostas apresentadas já era de conhecimento do governo desde a década de 90 e não foi colocada em prática.
- O resultado não seria sentido em menos de cinco anos. O anúncio é muito mais para mostrar a população e o setor econômico que há uma saída do que realmente resolver a crise imediata - afirmou Zuffo.
Alckmin disse que não é verdade que ele tenha recusado ajuda do governo Dilma, mencionando que, nestes quase quatro anos de gestão da petista, os dois entes federativos já firmaram uma série de parcerias. Ao ser perguntado se as críticas do PT à crise hídrica de São Paulo, durante a campanha eleitoral, foram mencionadas na reunião com Dilma, o governador disse que sua missão agora é governar:
- O palanque acabou. Quem foi eleito, foi eleito para governar. Oposição se faz no Parlamento. Acabou a eleição, a população quer soluções, e soluções concretas para seus problemas. Os recursos devem ir para onde há necessidade. Vejo que há na vida pública duas condições importantes para quem é oposição. Dois deveres: divergir e interagir. Divergir naquilo que entendemos que não é adequado, e interagir, principalmente quem é governo - defendeu.
O governador negou que tenha cometido um erro ao não determinar um racionamento de água antes do período eleitoral. Segundo ele, o bônus instituído em fevereiro para premiar quem economiza água resultou em consistente economia. Ontem, um balanço divulgado pela companhia de água de São Paulo mostrou queda do nível de água dos seis principais reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo, com cerca de 19 milhões de pessoas. O principal sistema, o Cantareira, que abastece aproximadamente 9 milhões de pessoas, tinha 11,4% no domingo e ontem marcava 11,3%, já incluindo a segunda cota do volume morto. O reservatório que teve a maior queda no índice de armazenamento foi o de Rio Claro, que atende a 1,2 milhão de pessoas. Anteontem, ele tinha 39,2% e ontem estava com 38,5%.
Além de Dilma e Alckmin, participaram da reunião as ministras do Planejamento, Miriam Belchior, e do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Depois do encontro, as ministras disseram que Dilma pediu para o governo de São Paulo detalhar as obras, o que será feito numa reunião na próxima segunda-feira. Nessa conversa é que seriam definidas as condições financeiras e quanto o governo federal poderia contribuir para a execução das obras.
Segundo a ministra Miriam Belchior, Dilma disse que a ajuda para as obras depende da capacidade financeira da União, mas sobretudo da importância dos projetos para a população.

- Eventualmente podemos apoiar tudo - disse.

Contra a crise, inovação e sustentabilidade

Política pública sustentável, inovação tecnológica voltada para o meio ambiente e conscientização da população de que os recursos naturais são finitos e que é preciso mudança de hábitos. Essas são as principais recomendações da diretora de Mercados Emergentes da SP Technical Institute of Sweden, Jessica Magnusson, que desenvolve projetos para administrar melhor o uso da água.
No Brasil para participar do Fórum Agenda Bahia, que vai debater cidades sustentáveis, Jessica trabalha com o modelo de SymbioCity sueco, planejamento das cidades com práticas que valorizem o meio ambiente, o social, a economia e a cultura das regiões. Para isso, sociedade e Estado trabalham juntos. O resultado pode ser visto em números: o bairro Hammarby Sjostad, em Estocolmo, reduziu o consumo de água de 200 para 150 litros por habitante, e o de energia, de 160 KW/h por metro quadrado ao ano para 118KW/h com o modelo.
Jessica acredita que a crise hídrica de SP não se resolve apenas com o investimento em obras, como anunciado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Para ela, é preciso mudança de consciência dos governantes e da população, além de análise do sistema de abastecimento:
- Não conheço o sistema daqui (do Brasil), mas, independentemente do tipo de investimento feito pelo governo, é preciso ter consciência não só da população, mas também uma política industrial para redução do consumo de água. Construir novos reservatórios ajuda, mas o principal quando se tem uma crise hídrica é analisar a situação de forma macro, sem fazer suposição. É preciso saber não só de onde vem água, mas para onde ela vai, e se chega contaminada, até para aplicar o conceito de reúso.
Medidas simples, como não dar descarga toda vez que se for ao banheiro, são apontadas como Jessica como eficientes em um planejamento sustentável.
- Na Suécia, tem sido implantada há muitos anos, desde a década de 1990, uma cultura de redução de água, antes mesmo do SymbioCity. Nas escolas, as crianças são politizadas com relação à redução do uso de água. Não tomar banho demorado, não dar descarga sempre que for ao banheiro e não jogar produtos químicos na pia, para que a água que vai para o esgoto possa ser reutilizada, são medidas importantes - afirma a diretora.

O Globo, 11/11/2014, País, p. 3

http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2014/11/11/geraldo-alckmin-pe…

http://oglobo.globo.com/brasil/contra-crise-no-abastecimento-de-agua-in…

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