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Confronto por terra deixa um morto em MS

O Globo, País, p. 6
31 de Mai de 2013

Confronto por terra deixa um morto em MS
Outros 18 ficaram feridos na reintegração de posse da fazenda Buriti, invadida por índios da etnia terena

PAULO YAFUSSO*
opais@oglobo.com.br
JAILTON DE CARVALHO
jailtonc@bsb.oglobo.com.br

CAMPO GRANDE e BRASÍLIA Um índio terena foi morto com um tiro no abdômen e outros 14 ficaram feridos durante a operação de reintegração de posse da fazenda Buriti, em Sidrolândia (a 70 quilômetros de Campo Grande), segundo informação da Funai. Quatro policiais também tiveram de ser socorridos, um deles atingido por um tiro. Foi salvo pelo colete. O conflito entre índios e fazendeiros na região já dura 13 anos. Em 2010, o Ministério da Justiça declarou a área de 17 mil hectares como pertencente aos índios. Mas as terras nunca foram demarcadas, e em junho do ano passado a Justiça decidiu que a área pertence aos produtores rurais.
Feita pelas polícias Federal e Militar, a operação teve início às 6h de ontem; por volta das 15h foi declarada encerrada, com retirada de cerca de mil índios que estavam na fazenda desde o último dia 15. Após a reintegração, os invasores se reuniram numa fazenda vizinha. Segundo Jorge das Neves, servidor da Funai que acompanha o caso, há risco de novos confrontos:
- Com a morte, os índios estão revoltados. Esta noite (ontem), tudo pode mudar. Agora eles vão lutar até o fim. O clima está muito tenso na área.
não houve acordo em audiência
O clima de tensão durava duas semanas, quando um grupo de terenas invadiu a fazenda Buriti, hoje em nome do ex-deputado Ricardo Bacha. No dia seguinte ao da invasão, o juiz federal Renato Toniasso determinou a reintegração de posse, dando prazo até a tarde do dia 18, sábado, para que os índios desocupassem a propriedade. Equipes da Polícia Federal e da Companhia Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais (Cigcoe), a tropa de elite da Polícia Militar, foram até a área do conflito, mas não conseguiram a saída pacífica dos indígenas. O juiz, então, suspendeu a reintegração de posse até o dia 29, quando haveria audiência entre o fazendeiro, Funai e lideranças indígenas. Como não houve acordo, o juiz substituto da 1ª Vara Federal, Ronaldo José da Silva, que coordenou a audiência, citou todas as partes para que a reintegração de posse fosse cumprida imediatamente.
Assim, a PF passou a organizar no final da tarde de quarta-feira a operação da retirada dos índios da fazenda Buriti, e solicitou o apoio da Cigcoe. Dez equipes da PF e todo o efetivo da Cigcoe, cerca de cem homens, foram mobilizados para cumprir a determinação da Justiça. Os policiais chegaram ao local do conflito por volta das 6h e tentaram convencer os índios a sair. Mas a resposta foi negativa.
- Eles pediram para sair, falamos que não íamos sair, e eles começaram a jogar bomba e dar tiros de borracha - afirmou o terena Kali Hoê.
Ele fazia parte do grupo que ocupou a fazenda Buriti - e afirma que o clima continua tenso e que os índios pretendem fazer a reocupação:
- Agora, a gente vai vir com força. Se um dos nossos morreu, muitos acham que devem lutar até a morte.
O índio morto, Oziel Gabriel, tinha 32 anos. Ele chegou a ser levado ao hospital de Sidrolândia, mas não resistiu. Seu corpo vai ser enterrado na manhã de hoje, na aldeia Córrego do Meio, onde morava com a mulher e dois filhos adolescentes. Segundo o servidor da Funai, quando o corpo de Oziel chegou à aldeia, o pai dele, Evilázio Gabriel, teve um infarto e também morreu.
O governo do estado distribuiu nota explicando que a Cigcoe não usa armas letais em operações de reintegração de posse. A nota informa que o governador André Puccinelli pediu a intervenção do governo federal para que a situação seja resolvida. Já o superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Edgar Paulo Marcon, afirmou que o efetivo foi recebido de forma hostil e reagiu após sofrer retaliação. Segundo ele, um inquérito será aberto para descobrir de onde partiram os tiros:
- Houve violenta reação dos indígenas quando eles (policiais) chegaram.
No final da tarde, 17 indígenas foram presos e levados para a sede da Superintendência da Polícia Federal em Campo Grande. Segundo a PF, com eles foram apreendidos três armas de fogo, arcos e flechas, e o colete usado pelo policial que foi atingido por tiros. A PF não informou o motivo das prisões.
Bacha disse que não vai falar sobre o assunto até receber oficialmente as informações sobre o que ocorreu.
- A única informação oficial que recebi é que colocaram fogo na sede da fazenda - disse ele.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou ontem que a Polícia Federal abra inquérito para investigar o assassinato de um índio terena. Cardozo lamentou a morte do índio e disse que, se a investigação comprovar irregularidades, os responsáveis serão devidamente punidos.
- O que foi feito era em cumprimento a uma decisão judicial. Porém, se houve algum abuso, se houve alguma transgressão de alguma autoridade ou de quem quer seja, isso vai ser apurado e eventuais responsáveis, punidos. Não teremos nenhuma complacência com quem descumprir a lei -disse o ministro.
Tão logo soube do confronto, Cardozo determinou que a Corregedoria da PF abra inquérito. Ele disse, porém, que até o momento não se pode dizer de onde partiu o tiro que matou o índio: se da arma de um policial federal ou de um PM.
-Não vou prejulgar. Estava sendo cumprida ordem judicial, a área estava em conflito judicial, e nessa perspectiva as forças policiais agiram. Porém, se houve abusos de quem quer que seja, o Ministério da Justiça e a Corregedoria da PF agirão para que a penalização seja feita em relação àqueles que transgrediram a lei. No mais, podem ter certeza de que não prejulgaremos - disse Cardozo, que reclamou de ativistas que estariam incentivando a violência nas redes sociais.

Cronologia
O impasse na região

2001: A Funai faz relatório de identificação da área onde fica a fazenda Buriti, mas decisões judiciais suspendem o procedimento de demarcação da terra.

2006: A pedido da Funai e do MPF-MS, o TRF reforma sentença de primeira instância e declara a área como de tradicional ocupação indígena. Proprietários rurais recorrem e a Funai decide esperar o julgamento do recurso.

2010. O Ministério da Justiça publica portaria declarando a Terra Indígena Buriti como área de posse permanente dos índios terena. Naquele ano, eles ocupavam uma área de 2 mil hectares. Depois da portaria, a área deveria ter sido demarcada fisicamente para posterior homologação pela Presidência da República.

2012: O Sindicato Rural de Sidrolândia entra com mandado de segurança no STF, pedindo que a Presidência se abstenha de editar e assinar o decreto. O STF negou liminar ao pedido.

O Globo, 31/05/2013, País, p. 6

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