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Confronto em Copenhague

OESP, Notas e Informações, p. A3
10 de Dez de 2009

Confronto em Copenhague

O secretário executivo da Convenção do Clima das Nações Unidas, Yvo de Boer, correu a negar a importância do esboço de declaração final da Conferência de Copenhague preparado pela Dinamarca, com o endosso extraoficial dos EUA e da Grã-Bretanha, revelado pelo jornal londrino The Guardian. Trata-se de uma proposta que colide com o próprio espírito da reunião que congrega delegações de 192 países. O texto consagra os interesses das potências industrializadas - os principais emissores dos gases tóxicos responsáveis pelo aumento da temperatura terrestre -, esvazia o papel da ONU nas futuras negociações sobre mudanças climáticas, divide os países pobres entre menos e mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global e desobriga as nações desenvolvidas de assumir compromissos financeiros de longo prazo para ajudar o resto do mundo a mitigar e se adaptar às consequências do efeito estufa.

Numa tentativa de pôr panos quentes no mal-estar provocado pela divulgação do rascunho de 13 páginas que leva as digitais do primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, o anfitrião da cúpula, De Boer disse que a proposta não passava de um "texto informal", apresentado para consultas antes do início da conferência - um balão de ensaio, em outras palavras. De fato, o documento circulou discretamente na semana passada entre diplomatas de uma dezena de países, o Brasil entre eles. Diante da reprovação geral, foi engavetado. Mas o seu mero preparo deixa claro que o mundo rico se recusa a pagar a conta, em sentido literal e figurado, da degradação acelerada do clima mundial. O chamado "texto dinamarquês" chega a ser um retrocesso em relação ao pouco que se fez até aqui para prevenir o pior.

A proposta sepultaria o Protocolo de Kyoto, de 1997, o único tratado internacional que compromete os países desenvolvidos com metas de corte das emissões de gases estufa. A ideia agora é torná-las obrigatórias também para os países em desenvolvimento. Há dois anos, uma conferência da ONU em Bali, que preparou o terreno para Copenhague, ratificou o princípio das metas voluntárias de redução do crescimento das emissões no caso dos emergentes - com garantia de assistência financeira internacional, qualquer que seja o seu grau de exposição aos efeitos do aquecimento. A alternativa dinamarquesa reservaria apenas aos mais vulneráveis essa ajuda - a bagatela de US$ 10 bilhões anuais de 2012 a 2015, via Banco Mundial e não pela ONU, além do mais. O negociador-chefe da China, Su Wei, calcula que isso equivale a US$ 2 por ser humano. "Com US$ 2", comparou, "não compro nem um café em Copenhague."

Perversamente, porém, os países ricos teriam o direito de emitir até 2050 mais carbono per capita do que os outros: 2,67 toneladas, ante 1,44. Não admira que o presidente do Grupo dos 77, que reúne os países em desenvolvimento, Lumumba Stanislas Dia Ping, do Sudão, considere que o documento destruiria a Convenção do Clima das Nações Unidas de 1992, ponto de partida de todos os ensaios de contenção do aquecimento. A meta é não permitir que a temperatura suba mais que 2% no fim do século. Para tanto, as potências industriais teriam de cortar até 2050 entre 25% e 40% de suas emissões. O esquema dos ricos passa longe disso. De seu lado, o grupo denominado Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) tentou, mas aparentemente não conseguiu chegar a um consenso sobre uma proposta alternativa de origem chinesa que, em linhas gerais, resgata a filosofia do Protocolo de Kyoto, cria um Fundo Global do Clima e um sistema de transferência de tecnologia antiaquecimento dos ricos para os pobres.

Os dois esboços configuram posições antagônicas diante das questões nascidas da convicção de que o aquecimento global é uma realidade que resulta da ação humana. A primeira questão é quando e em quanto tempo os países avançados precisam cortar suas emissões. A segunda é se e com que intensidade os países emergentes como a China, a Índia e o Brasil devem fazê-lo também. E a terceira questão é como estes podem persuadir aqueles a subsidiar a sua transição para uma economia menos dependente de carbono. Será uma surpresa se Copenhague der respostas satisfatórias a esses dilemas.

OESP, 10/12/2009, Notas e Informações, p. A3

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