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Conflitos e mortes marcam disputa por terras

Repórter Brasil - https://medium.com/@reporterb
Autor: Renata Bessi
14 de Mar de 2014

Liderança indígena conta história da retomada dos Truká e das violências sofridas durante o processo

Cabrobró (PE) e Floresta (PE) - As obras da transposição são só mais um capítulo dos entraves na retomada do território Truká. O processo, principalmente a partir da década de 1980, já estava marcado pelo acirramento do conflito por terras entre brancos e índios em Cabrobó. Uma das consequências ao povo indígena tem sido uma sequência de mortes e a criminalização de indígenas.

O cacique do povo Truká, Aurivan dos Santos Barros, o Neguinho Truká, narra parte da história de seu povo:

"Os Truká que nasceram de 1970 para cá... são formam gerações já criadas dentro da área de conflito. Meu avô, Assilon, lutou 40 anos... não apenas pela terra, mas principalmente para que a gente fosse reconhecido enquanto povo. Em 1980 começa de forma mais atrevida o movimento do povo da gente. A gente já tinha sofrido muito, seja pela omissão do Estado ou pelo abuso daqueles que invadiam nosso território. Tivemos vários índios tirados da sua casa e assassinados porque defendiam a demarcação do território. Fomos criados vendo nossos velhos sofrendo essas perseguições.

Além de todo esse abuso, tinha as questões dos assassinatos como tentativa de que a gente fosse calado.

Aqueles que falavam tinham que andar de madrugada, de noite andar nas veredas, escondidos... vi meus pais, meus avós passarem por isso. Apesar disso, sempre nos passaram a mensagem de que a gente não devia partir para a violência e perder a razão. Mas as pessoas que estavam do outro lado nunca tiveram o mesmo pensamento da gente.

Em 1980 começa o movimento dos mais velhos nossos contra o próprio Estado, que era invasor da nossa área, e começamos as retomadas. E só tínhamos 350 hectares de terra para todas as famílias. Passamos toda a década de 1980 com parte das famílias da gente confinada aqui ou vivendo na cidade com muita necessidade.

Em 1990 começamos a discutir a conscientização da juventude, o projeto de futuro do nosso povo. Passamos quatro anos discutindo e em 1994 fizemos a retomada de Chincha... que era um dos senhores daqui... chegou a ser deputado estadual, um cabra violento que mandava matar e expulsar... tanto que parte dos mais velhos ficava receosa pela retomada dessas terras, mas nós mais novos estávamos cansados, sem expectativa de vida, como iríamos criar nossos filhos e assegurar nossa identidade se não tínhamos lugar para cultivar nossas tradições?

Em 1994, fizemos a retomada de Chincha, passamos um ano e seis meses ali. Nesse tempo ficamos discutindo a retoma das terras, como daríamos a condução das conquistas de território. Tinha que ir para cima dos grandes. Fomos para as terras do Siscaló, na caatinga grande, outro grande proprietário aqui dentro. Retomamos a terra de Siscaló e passamos mais quatro anos nos programando para retomar o resto da ilha.

Já tinha pegado a cabeça aqui em cima, a ponta aqui embaixo [da Ilha de Assunção]... estava faltando todo o corpo da ilha... sobraram grupos extremamente radicais contra o povo da gente... mais uma vez a gente se reagrupa e fizemos a retomada do restante da ilha e do arquipélago. Lutamos contra os 72 fazendeiros aqui dentro e cerca de 46 ocupavam os arquipélagos que são as ilhotas que estão sob domínio do povo da gente.

A partir de 2001 então a gente começa a devolver as famílias para seus lugares originários. Todas as coisas que a gente precisa usar para nossos rituais religiosos, vamos buscar do lado de lá... nunca perdemos esse vínculo com a terra de Pernambuco.

A retomada de 1999 deixou marcas que ainda não cicatrizaram das perdas que tivemos. Com ela veio a reconquista da Ilha de Assunção, mas aumentou também o leque de inimigos.

A luta na retomada, como a gente trabalha? Não só ocupar a propriedade, porque tinha plantação e a gente não podia dizer ao proprietário que tinha que sair sem nada. A briga era que o técnico da Funai viesse... já era terra delimitada e demarcada... para fazer levantamento da benfeitoria e desse tempo para sair. Nenhum momento da retomada a gente buscou prejudicar ninguém, principalmente quem era tão sofredor quanto a gente. Provocamos o Incra para fazer reassentamento dessas pessoas também. A promessa era de que iam resolver, mas nunca resolveram, o que piorou o conflito.

Nesse processo tínhamos o poder público municipal contra a gente, porque sempre tinha alguém que tinha terra aqui dentro. O MPF fez processos em série contra a gente. Veio uma juíza na época para cá e começou a expedir vários mandados de prisão principalmente contra lideranças da gente. E nunca fomos chamados para sermos ouvidos. As prisões eram decretadas e não tínhamos defesa. O cabra ia lá, dava queixa, o promotor pedia o mandado de prisão e a juíza decretava a prisão sem a gente ser ouvido. Chegamos a ter 23 lideranças com mandado de prisão."

As mortes

Vidas perdidas na disputa por terras nas margens do São Francisco

Em janeiro de 2001, os índios Truká José de Nô Félix e seu filho Nilson Félix foram sequestrados e, três dias depois, seus corpos foram encontrados pela Polícia Federal degolados e carbonizados. A PF e o Ministério Público Federal foram acionados para investigar o envolvimento de homens da Polícia Militar de Pernambuco que, encapuzados, teriam executado os dois indígenas.

Em 30 de junho de 2005, Dena e seu filho foram mortos (leia mais na reportagem "Transposição, a nova barreira para a retomada Truká"). O povo Truká indicou como os responsáveis pelo assassinato de Dena policiais militares que integram o conhecido grupo de extermínio cujo lema é "A mãe cria e nós mata". Os dois eram perseguidos não só pelos antigos posseiros da Ilha de Assunção, mas também por autoridades locais que tentavam incriminá-los para desmobilizar a luta pela terra dos Truká. No dia 23 de agosto de 2008, outra grande liderança indígena Truká, Mozeni Araújo, foi assassinada na cidade de Cabrobó por um pistoleiro.

"Nossa vida tem sido de conquistas e de perdas. A gente já sofreu os impactos da barragem de Itaparica, Sobradinho e para reconquistar a Ilha de Assunção teve muito derramamento de sangue, muita criminalização. E agora com a transposição mais uma vez a gente vai ter que pagar esse mesmo preço?", questiona Neguinho Truká.

Se inicialmente os Truká se posicionaram contra a transposição, o avançado da obra exigiu nova postura dos indígenas. "Querendo ou não tem dinheiro da nação investido, o que temos que fazer agora é minimizar os impactos, garantindo que os índios e quilombolas estejam em seus territórios tradicionais e que os pequenos produtores rurais também permaneçam em suas terras", avalia o cacique.

Este texto é parte da reportagem Transposição do São Francisco ameaça terras indígenas. Por Renata Bessi, especial para a Repórter Brasil

https://medium.com/p/ca22c9951c87

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