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Conflitos e derrubadas transformam reserva Chico Mendes em barril de pólvora

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Josafá Batista
18 de Jan de 2002

Uma denúncia encaminhada ao Ministério Público Estadual (MPE) mostra que a reserva extrativista Chico Mendes tornou-se um barril de pólvora prestes a explodir. Derrubadas e queimadas, caça predatória e revenda de lotes são crimes comuns no local, diz o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e Epitaciolândia, que impetrou a denúncia. Quem pratica os crimes é um grupo de assentados que conseguiram, assim, a antipatia da comunidade e ainda ameaçam os que tentam dialogar.

Como o problema vem acontecendo há alguns meses, o STR resolveu intervir antes que o caso fique ainda mais grave. Segundo o presidente, Rosildo Rodrigues de Freitas, caçadas constantes e predatórias feitas pelos assentados José Ribamar (vulgo "Santos), João do Beija, Jorge do Beija e Beija Sussuarana - os três últimos da mesma família - estão perturbando o equilíbrio do ecossistema na reserva.

"Mas o problema principal", observa o presidente do STR, Rosildo Rodrigues de Freitas, "é a grande quantidade de área desmatada e queimada, que vem ocasionando conflitos entre esses homens e os outros assentados. Eu mesmo fui por lá e percebi que foram mais de 40 hectares derriubadas e queimadas por esses homens, que, primeiro, fazem isso. Depois, revendem a terra já destruída para fazer tudo outra vez".

Perigo - Os crimes ambientais denunciados podem ser indicativos de uma mudança na metodologia da reforma agrária praticada no Brasil. À medida que cresce a especulação imobiliária dado o inchaço demográfico nas grandes cidades, mas também o interesse da indústria madeireira em árvores nobres como mogno, cerejeira, cedro e outras, aumenta na mesma proporção os crimes ambientais em reservas extrativistas.

As autoridades ambientais preferem não ligar um fenômeno a outro, mas, sobre os conflitos na reserva Chico Mendes, o gerente do escritório regional do Ibama em Brasiléia, Antônio Rodrigues Kador, é categórico: "Esses conflitos acontecem há muito tempo", informa. "O pai dessa família acusada, por exemplo, foi expulso da reserva exatamente pelos mesmos crimes".

Ibama faz vistoria e constata derrubada de seis hectares
Atendendo às denúncias, Antônio Rodrigues Kador fez várias visitas à reserva extrativista Chico Mendes e constatou: a família de João do Beija realmente praticou vários crimes ambientais, entre eles, a queima de 6 hectares de mata virgem, que se tornou um roçado. No local, pés de castanheira e seringueira foram reduzidos a cinzas. "Já conversamos com os responsáveis", diz ele. "O problema é que o João não tem CPF e por isso determinei que ele se dirigisse à Receita Federal para providenciá-lo. Por outro lado, o Ibama também está esperando o que o STR prometeu, isto é, um pedido coletivo de expulsão dessa família do projeto. Quanto aos outros acusados, não temos conseguido encontrá-los".

Segundo Kador, crimes ambientais na reserva extrativista Chico Mendes são até comuns. O problema é mapeá-los e dar soluções a todos: todos possuem suas particularidades. No caso da família Beija, especulação latifundiária aliada à cobiça por recursos naturais. Além disso, com uma área de 970.570 hectares (a maior do estado do Acre) o local oferece todas as dificuldades de acesso e principalmente de fiscalização.

Carta encaminhada pelo STR ao MP de Brasiléia
"O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e Epitaciolândia, preocupado com o que vem acontecendo com a senhora Tereza Castro de Oliveira, agricultora, mãe de 10 filhos, visto que a mesma (sic) fez uma denúncia de algumas irregularidades que vêm acontecendo dentro da Reserva Chico Mendes, no seringal Santa Fé na colocação Nova Vida e na colocação Nova Aliança onde o senhor João do Beija está derrubando, desmatando e caçando com cachorros.

A derrubada foi de 21 hectares inclusive derrubou castanheiras e seringueiras sem nenhum tipo de autorização pelos órgãos competentes. O mesmo vem ameaçando a senhora acima citada, o que sabemos é que pagou 50 reais para um cidadão dar uma surra nessa senhora".

Conflitos em reservas: realidade que indica perigo
Reservas Extrativistas (Resexs) e Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) são espaços territoriais ocupados por populações com tradição extrativista na utilização de recursos naturais renováveis da flora e da fauna. A regularização fundiária nestas áreas ocorre de forma coletiva, por meio de contratos de concessão de uso, celebrados entre o poder público e associações representativas dos moradores, mediante a aprovação de um plano de utilização que estabelece normas para garantir a conservação e uso sustentável dos recursos naturais.

Segundo o documento "Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre", desenvolvido pelo governo acreano, ao longo de dois anos, há nos projetos de assentamento agroextrativistas uma tendência de aumento das áreas desmatadas em suas colocações, principalmente para o desenvolvimento de atividades pecuárias. Em vários casos já se pode observar áreas desmatadas que ultrapassam os limites estabelecidos nos respectivos Planos de Utilização.

Na reserva Chico Mendes, por exemplo, já se pode observar alguns seringueiros com mais de 50 hectares em pastagens. O problema é que nesses projetos há um acordo coletivo que determina a exploração de recursos madeireiros para fins comerciais. Esse acordo é permitido mediante a prévia elaboração e aprovação pelo Ibama de um plano de manejo sustentável.

Geralmente nas reservas extrativistas existem problemas de caça e pesca de forma ilegal, geralmente praticados por amadores que residem em cidades ou em projetos de assentamento em áreas vizinhas, fato que gera conflitos com os moradores locais. No caso da pesca destaca-se o problema de rios em áreas limítrofes - no caso da Chico Mendes, no rio Acre.

A questão tem um cerne: os moradores da reserva acham que os recursos pesqueiros do rio Acre são de uso comum entre a população residente. Para os pescadores da cidade de Brasiléia, o rio é uma área de livre acesso ao público em geral.
(Josafá Batista-Página 20 -Rio Branco-AC-18/01/02)

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